Qualquer evento de tecnologia no mundo tem dedicado um espaço considerável ao tema da Inteligência Artificial. No IBC 2024, dedicado ao mercado de televisão e produção audiovisual, realizado no último final de semana em Amsterdam, não foi diferente. Além de um pavilhão inteiro apenas com empresas dedicadas ao desenvolvimento de soluções, o tema de IA foi o foco de muitos dos debates realizados no Congresso.
Desde a otimização da atividade jornalística e uso de IA generativa para criação de conteúdos específicos; melhoria dos fluxos de produção; organização de acervos a partir de uma leitura "inteligente" do conteúdo para além dos metadados básicos; segmentação de audiência e refinamento de publicidade programática; até ferramentas muito mais precisas e precisas de recomendação, as possibilidades de uso das ferramentas de IA apontadas nos debates foram múltiplas.
Uma das mais críticas, que já decorre de um problema verificado com a oferta crescente de conteúdos por streaming, é como tornar o conteúdo mais acessível e como melhorar as ferramentas de recomendação. "A verdade é que hoje as nossas ferramentas de recomendação são muito ruins", disse Jeremy White, editor de inovação da Wired e moderador de um dos painéis com CTOs de algumas plataformas. Sem discordar do moderador e com um sorriso constrangido no rosto, Girish Bajai, VP de tecnologia da Amazon Prime Video e Amazon MGM reconheceu que hoje o maior desafio do espectador é decidir o que assistir. "Nosso foco tem sido nisso. As pessoas gastam mais de 10 minutos só procurando conteúdo e a gente tem trabalhado para diminuir. AI é usado há muito tempo em outras frentes, mas já existem muitos usos de caso, como personalização e recomendação que ainda podem ser explorados".
Uma das possibilidades é que as ferramentas de Inteligência Artificial consigam ir além dos metadados característicos utilizados hoje nos processos de machine learning e indexação. Além de saber quais os artistas, gêneros, duração, época de produção e prêmios que numa determinada obra recebeu, por exemplo, e a partir daí gerar listas de conteúdos parecidos assistidos por outras pessoas, o uso de inteligência artificial permitirá entender o "clima" de um determinado filme, por exemplo, seu ritmo, os recursos estéticos, a trilha sonora, os desdobramentos de roteiro, o tipo de linguagem utilizada pelos personagens, a qualidade das atuações e outros fatores muito mais subjetivos e não facilmente categorizados tanto dos títulos em acervo quanto do próprio perfil dos usuários, e a partir daí estabelecer conexões de recomendações e busca mais precisas. Pelo menos essa é a promessa.
Mas Phil Wiser, CTO da Paramount, chama a atenção para o fato de que as empresas de mídia não terão condições de fazer esse investimento no desenvolvimento dessas ferramentas. Para ele, o caminho com IA requer parcerias, não investimentos próprios. Ele lembra que as empresas de comunicação já estão duramente desafiadas com os investimentos feitos na oferta direta de conteúdo ao consumidor e suas plataformas de streaming, e que talvez mesmo isso já seja hoje um objeto de discussão na indústria. "Será que vale a pena para empresas como a nossa, Warner Bras. Discovery, permanecermos verticalmente integradas no ambiente do streaming? Ou será que não devemos deixar para os hyperscalers como o Google a essa tarefa de agregar os consumidores em volta do nosso conteúdo?"
Para Carlos Octávio, head de estratégia corporativa e arquitetura da Globo, o domínio da tecnologia de IA dentro das empresas de mídia também é um desafio e, como qualquer tecnologia nova, tem o potencial de criar silos dentro das empresas, o que acabaria limitando o processo de inovação e aproveitamento da tecnologia. "Para evitar silos nos processos de inovação temos que ter times multidisciplinares e precisamos que isso seja descentralizado, não criar um novo time de IA".