Em meio à crise do setor e à paralisação da Ancine, entidades assumem o protagonismo em prol do audiovisual

Representantes das principais entidades audiovisuais do país – APACI, ABRACI, APN, API, BRAVI, CONNE, FAMES, SICAV e SIAESP – se reuniram nesta sexta-feira, 16 de outubro, em painel da Expocine 2020, que neste ano acontece de maneira online, para analisar o protagonismo que elas tiveram e ainda têm tido em um momento de crise do setor audiovisual, marcado especialmente pela paralisação de processos da Ancine, lentidão da tomada de decisões relacionadas a procedimentos de regulamentação, ambiente de instabilidade no Governo e, claro, o cenário de pandemia.

Foi justamente a atuação desses grupos na pandemia que abriu a discussão. Em painel realizado na última quinta no mesmo evento, profissionais do cinema queixaram-se especialmente da falta de um direcionamento único no Brasil que instruísse os profissionais do setor nesse momento – e não só no audiovisual, obviamente. Essa questão também foi levantada na mesa desta sexta, quando as entidades comentaram que partiu delas mesmas – especificamente da APRO, em parceria com Sindcine e SIAESP – a criação de um protocolo de retomada das atividades audiovisuais, uma vez que o próprio Governo não apresentou instruções claras nesse sentido. "Não estavamos necessariamente preparados para a pandemia, mas a união que vemos no setor hoje, em relação a discursos, pautas e diversidade, nos ajudou. Esse foi um movimento muito importante dos últimos anos – o da busca por termos representantes de todas as áreas, estados e tamanhos. Essa união permitiu o desenvolvimento desse protocolo, que apesar de ter suas particularidades locais, é nacional", comentou Leonardo Edde, do SICAV (Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual).

Cíntia Bittar, da API (Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro), explicou que a entidade é nacional e se organiza de forma descentralizada, com uma diretoria colegiada composta por diretores de cada uma das regiões do país. Tal estrutura permite, segundo ela, uma capilaridade de executar ações e e receber informações de locais diversos. Nesse sentido, a entidade também tomou o protagonismo em outra questão: os desdobramentos da Lei Aldir Blanc. "Somos um espaço de troca e isso é mais do que importante – é crucial em um momento de paralisação de políticas públicas e federais. Iniciativas regionais são fundamentais para a manutenção do setor. É importante que continuemos com cada vez mais força essa ramificação. Fizemos, por exemplo lives sobre a Aldir Blanc em parceria com a Spcine, a fim de sanar dúvidas que os profissionais tinham a respeito dessa verba", contou. Estando o país agora em época de campanhas eleitorais, Bittar disse ainda que a entidade está trabalhando no sentido de se reunir com candidatos para falar de ideias: "Sabemos que é difícil encontrar candidaturas que realmente dominem nosso setor. Precisamos de mais candidatos na área da Cultura, especialmente no legislativo. Nossa ideia é promover encontros e explicar aos candidatos o que é possível fazer para fomentar o audiovisual regionalmente".

Quem também está bastante envolvida com a Aldir Blanc é Jorane Castro, à frente da CONNE (Conexão Audiovisual Norte, Nordeste e Centro-Oeste). Falando dessa posição pela última vez – a partir de agora, quem assume o cargo é Clemilson Farias, da região Norte – Castro declarou: "Temos que pensar na Lei Aldir Blanc como uma tábua de salvação no meio do oceano, porque ela vai injetar no setor valores significativos que não temos e não tivemos em muitos estados do país, como o Pará, por exemplo. Não podemos menosprezar a importância dessa Lei". Para ela, é fundamental ainda prezar pela transparência e execução correta desses valores. Para tal, a CONNE e a API criaram um grupo de trabalho em parceria cujo objetivo é garantir os desdobramentos dessa história, mantendo um diálogo constante e garantindo uma mobilização por parte dos profissionais que foram prejudicados pela pandemia.

Uma vez que o tema é o protagonismo das entidades, Beto Rodrigues, do FAMES (Fórum Audiovisual Minas, Espírito Santo e Sul) lembra: "A Ancine só existe porque lá atrás, em 2000, entidades do setor se mobilizaram pela sua criação. Então precisamos quebrar esse falso paradigma de que estamos criando uma oposição entre representantes do Estado e o setor audiovisual. Nosso setor não tem perfil ideológico, não somos a oposição do governo. A arte transcende essas fronteiras. As entidades, em sua maioria, são colaboradoras das políticas de Estado. Por isso seguimos insistindo na necessidade de diálogo – essa é a premissa. Queremos colaborar com a Ancine e manter esse diálogo aberto em todas as instâncias".

Regulação do VoD

O episódio também ilustra bem a importância de entidades que sejam ativas. Nesse sentido, André Klotzel (APACI/ABRACI), fez uma breve linha do tempo – passando pelo surgimento das cotas de tela do cinema brasileiro, surgimento da TV por assinatura, Lei 12.485/11, para dizer: "Isso tudo é produto de compensação, isto é, do que eu chamaria de uma política de equalização de danos pela não taxação do produto importado do audiovisual". Ele definiu que o produto audiovisual é uma excessão uma vez que não sofre taxação, e que por isso o audiovisual brasileiro sempre caminhou rumo a essa tentativa de equalização. "Nosso caminho agora é transpor tudo isso que fizemos até aqui para o VoD, considerando todas as novas tecnologias também. Esse é o momento de levarmos esses mesmos princípios adiante", opinou.

Mauro Garcia, que à frente da Bravi (Brasil Audiovisual Independente) tem participado diretamente das discussões acerca da regulação do VoD há alguns anos, já falou por diversas vezes que acredita que o Brasil errou muito ao ter baseado sua legislação em questões reduzidas ou apoiadas em tecnologias. No painel, ele reforçou que, no debate do VoD, o foco não pode ser a questão contributiva, e sim a presença do audiovisual brasileiro independente neste novo mercado: "Se é com cota, cota em cima de faturamento, se seguiremos o modelo do SeAC… Isso será amplamente debatido, mas a questão é que estamos sendo atropelados por discussões menores e perdendo isso de vista. É outro ponto no qual as entidades devem ser protagonistas".

Garcia ainda apontou que o audiovisual brasileiro tinha uma Agência que o representava, e que por isso deixou que ela o conduzisse desde a implementação da Lei do SeAC. "Mas, desde o segundo semestre de 2018, afirmamos que não deixaríamos mais isso acontecer e que assumiríamos o controle de nossas próprias questões. Passamos a dialogas mais com o legislativo, com o TCU, com o judiciário. Aprendemos muitas coisas. O problema é que, no momento, temos atuado muito mais de forma reativa, defendendo conquistas que são legítimas e que por isso não queremos perder. No entanto, temos discutido pouco o futuro, como o VoD. Não temos tido tempo para isso. Não temos plano de diretrizes e metas e nem nada que aponte pra frente", lamentou.

Diálogo no TCU e desdobramentos do FSA

Um dos maiores problemas que assolam o setor desde muito antes da pandemia é a paralisação dos recursos do FSA. Nesse sentido, como Garcia relembrou, as entidades passaram a dialogar mais com outras instâncias, inclusive com o próprio TCU. Beto Rodrigues justicou: "Buscamos o TCU como forma de contribuir com as políticas da Ancine, e não para colocar a Agência contra a parede. Queríamos desmistificar as coisas e rapidamente vimos que o TCU em nenhum momento sugeriu que parassem as contratações de processos por meio do FSA. A nossa intenção era ajudar a esclarecer, fazer com que o TCU se manifestasse publicamente. Mais tarde, a diretoria colegiada retomou a análise de projetos com uma quantidade bastante razoável. Os processos estão em andamento". Apesar da visão à primeira vista positiva, ele completou: "Ainda falta uma ponte. Existe um rio pelo qual não dá para passarmos – essa ponte é entre a aprovação da diretoria colegiada e a chegada ao Banco Regional para contratação, e nesse processo não há velocidade. Chequei isso junto à diretoria do BRDE e me afirmaram que o Banco tem estrutura jurídica para analisar e gerar bem mais contratos do que está gerando". A conclusão de Rodrigues é otimista: "Eu tenho confianã que a diretoria da Ancine será sensível a isso. Precisamos dessa retomada para reaquecer nosso mercado e gerar emprego e renda que o Brasil está buscando. Nossa ação junto ao TCU é colaborativa, para construir mecanismos de transparência de informação. Sei que existe condição de fazer as coisas andarem mais rápido e por isso queremos ser a força auxiliar para que o setor destrave e volte a andar com a potência que vinha andando".

Seus colegas, no entanto, são mais duros. Cíntia Bittar pontuou: "Não é que o TCU obrigou a Ancine a paralisar, mas foi a decisão que a Agência tomou. Nesse sentido, estamos vendo produtoras fechando portas, entregando suas sedes, demitindo funcionários e decretando falência. Não cabe isso num país como o nosso, que vinha com o desenvolvimento do setor em alta intensidade, crescendo cerca de 8% ao ano. A quem interessa paralisas um setor com esse crescimento?". Bittar sugeriu que o setor se reúna no sentido que entender o que motiva essa paralisação, para então pensar na influência política que o audiovisual brasileiro sofre. "Nos preocupa ter que voltar a explicar pontos básicos, como qual é a função da Ancine. Ela precisa responder nossas demandas enquanto mercado e tomar as medidas necessárias para o audiovisual se desenvolver. Precisamos olhar pra frente, e não retroceder. E o que sentimos é justamente um clima de retrocesso e falta de transparência. A maneira como as instruções normativas pretendem regular a produção é muito limitante. A demanda de todo o setor é por esse destrave", afirmou.

"O cinema é indústria e a produção independente faz parte disso – esse é o primeiro ponto no qual as entidades todas estão trabalhando, isto é, convencer que somos tão importantes ou mais", declarou Leonardo Edde. Para ele, o momento atual é marcado por uma desconstrução política que tem como base um "vetor policialesco", que trabalha com perseguições e asfixias, e não só no segmento do audiovisual, mas em muitos outros. "Na própria Lei do SeAC, o que estamos vendo é uma tentativa de derrubada de uma das regulações que mais funcionaram, que induziram o desenvolvimento de toda uma cadeira produtiva", citou. "Redução de obras produzidas, empresas fechando, desemprego, menos receita, menos cultura: tudo isso gera asfixia. Nossa atuação perante instituições e órgãos de controle tem como objetivo macro trazer a política do cinema nacional de volta pra gente, e não só a Ancine. Esse ambiente policialesco não traz o desenvolvimento da indústria – pelo contrário", concluiu.

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