Especialistas apontam bloqueio de sites ilegais como principal estratégia de combate à pirataria

A pirataria no contexto nacional e mundial foi tema de painel nesta sexta-feira, 16 de outubro, no segundo dia da Expocine 2020, evento que neste ano está sendo realizado de forma totalmente virtual. Participaram da mesa Andressa Pappas, da MPA do Brasil; Marcelo Goyanes, da Murta Goyanes Advogados; e Jonas Antunes Couto, da ABTA. Entre o trio de especialistas, é consenso que a melhor forma de combate ao problema na atualidade é fazendo o "site-blocking", isto é, o bloqueio de sites ilegais.

Para abrir o debate, Pappas trouxe alguns dados atuais sobre pirataria, que se referem ao quarto trimestre de 2019. Nesse período, 73 milhões de pessoas acessaram fontes piratas; R$4,06 bilhões foram perdidos em receita; 1,7 bilhão de filmes completos e episódios de séries televisivas foram vistos de forma ilegal; seis entre dez pessoas acessaram algum programa de televisão ou filme ilegalmente e 78% dos usuários consideravam muito ou razoavelmente fácil acessar conteúdo pirata. "Quando falamos em pirataria, são muitos os impactos negativos, para além dos óbvios, que são os econômicos. O Brasil hoje é um dos países que mais pirateia no mundo – aparecemos em diversos rankings sobre o assunto, o que acaba impactando negativamente nossa imagem internacional", afirmou a especialista. No entanto, ela considera ainda mais grave o impacto sócio-cultural: "Uma obra audiovisual passa pela criação do roteiro, produção, exibição, distribuição… Estamos falando de empregos. E não só dos atores, que são a ponta da cadeia, mas de todo mundo que está atrás do tapete vermelho, pessoas que dependem daquilo para sobreviver. Proteger direitos autorais é necessário para preservar a continuação da indústria criativa brasileira – quanto mais ela é preservada, mais temos chance de assistir a conteúdos que refletem nossa identidade cultural e nacional".

Ao longo do tempo, a pirataria foi evoluindo: o que começou nas mídias físicas, como os DVDs, acompanhou o desenvolvimento tecnológio e hoje concentra-se especialmente no sinal digital e streaming, com sinal de Pay TV, eventos live, VoD, filmes e set-top boxes piratas. E a tendência é que essa ilegalidade siga presente conforme o mercado vai se desenvolvendo, ficando ainda mais grave num cenário de internet das coisas e 5G. Pappas explica: "Se no começo as desvantagens da pirataria para o consumidor eram coisas simples, como baixa qualidade de som e imagem, hoje ela traz efeitos mais nocivos, como a entrada de vírus nos nossos dispositivos e hackers para dentro das nossas casas. Pirataria não é só um download – é uma das raízes de uma grande árvore criminosa. E uma vez que estamos caminhando para ter casas cada vez mais conectadas, isso tende a atingir proporções ainda maiores".

Na pandemia, o problema se agravou, com um aumento de 15 a 20% entre fevereiro e abril de 2020 no tráfego na internet para atividades ilegais. Uma das possíveis explicações para esse crescimento é o fato de que, no período, as pessoas deixaram de ir ao cinema e o consumo de conteúdos por meios digitais foi mais difundido – aí, muita gente, por maldade, conveniência ou oportunidade, acessam esses sites piratas. Como resultado negativo, para além dos já citados, esteve ainda o comprometimento do espaço e a desestabilização da rede para serviços essenciais, como as aulas online, o home office e a telemedicina.

Jonas Antunes, da ABTA, também analisou a gravidade da pirataria hoje: "Estamos diante de um problema super complexo. A indústria da pirataria está evoluindo e funciona num sistema de crime organizado, com estruturas profissionais. É um mercado evoluído, que contrata até ADs no Google, se monetizam com views e cliques. A indústria está posta e trabalha em paralelo à indústria legal, mas sem assumir as obrigações sociais e econômicas que a indústria legal assume. É uma operação que drena os recursos de quem trabalha legalmente. Precisamos eliminar essa oferta para que a demanda volte para quem faz o trabalho sério". O especialista pontuou ainda como é fácil consumir conteúdo pirata hoje, e comentou que no próprio YouTube existem pessoas ensinando a entrar nesses sites de transmissões ilegais.

Bloqueio de sites ilegais

Os profissionais concordam que, atualmente, essa é a grande estratégia de combate à pirataria de conteúdo audiovisual. Nesse sentido, Pappas traz como exemplo Portugal, que tem investido ativamente nesse trabalho e obtido bons resultados. No caso do site-blocking administrativo, que é o que está sendo praticado no país, o titular do conteúdo submete uma queixa ao IGAC (Inspeção-Geral das Atividades Culturais), que envia uma lista aos anunciantes com os sites onde não devem investir. Então, a denúncia é apreciada e o órgão tem até 15 dias para bloquear os sites. Em sua apresentação, Pappas trouxe uma aspa de Daniela Antão, da Apritel (Associação Portuguesa de Representação da Indústria de Telecomunicações), na qual ela diz: "As decisões são implementadas quase que imediatamente. A chave para o sucesso desse modelo adotado foi o pragmatismo". A especialista brasileira acrescenta que as características do sistema são celeridade no fluxo, maior efetividade e baixo custo. Existe ainda o site-blocking judicial, praticado no Reino Unido, que consiste em uma intervenção em tempo real após uma ordem judicial junto aos ISPs.

Marcelo Goyanes, da Murta Goyanes Advogados, também aponta a interrupção dos sites ilegais como um caminho em potencial na estratégia de combate. O advogado esclareceu como a medida funciona na prática: o titular do conteúdo propõe uma ação judicial contra o provedor de conexão para impedir acesso ao sítio ilegal. Na sequência, o juiz determina a interrupção e intima o provedor, que interrompe o acesso ao sítio usando meios técnicos disponíveis. Por fim, os usuários não conseguem mais acessar o sítio ilegal no país. Goyanes explicou que já existem exemplos concretos de interrupção de sites no Brasil – há um projeto de lei em trâmite para oficializar a medida mas, de qualquer forma, a legislação autoral brasileira já garante que esse caminho funcione. "É uma possibilidade de cortar o problema em sua 'coluna vertebral'. São medidas que surgiram na Inglaterra, em 2011, em uma ação da Fox contra um site chamado Newzbin. O resultado foi positivo e o modelo segue replicado", contou Goyanes.

O que a Ancine tem feito

A Agência tem, por objetivo, "zelar pelo respeito ao direito autoral sobre obras audiovisuais nacionais e estrangeiras"; "como competência, promover o combate à pirataria de obras audiovisuais"; e "cabe ao diretor-presidente da Ancine recomendar a propositura de ação civil pública pela Ancine nos casos previstos em Lei", de acordo com a MP 2228-1/01, Arts. 6º, XI, 7º e 10, XI.

A Ancine tem de fato atuado efetivamente no combate à pirataria no audiovisual – é um trabalho que começou há dois anos, com a criação da Câmara Técnica de Combate à Pirataria (CTCP), e tem recebido bastante apoio no meio, em um projeto que Goyanes define como "bem promissor". O advogado detalhou ainda que as ações da Agência nesse sentido podem passar por cooperações entre órgãos, acordos com marketplaces e apreensões com a Polícia Federal, entre outras medidas.

Entre exemplos recentes de ações da Ancine relacionadas à pirataria, estão a "Operação 404" de novembro de 2019 e a fiscalização e apreensão de set-top boxes piratas nos Portos do Pará e Rio, em montante superior a R$50M, via liderança da Agência. "A Câmara Técnica tem muito a nos oferecer e ajudar o mercado audiovisual", concluiu Goyanes.

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