Que o cinema brasileiro vive de ciclos isso já sabemos. Não tivemos êxito em dar sustentabilidade às nossas tentativas de estúdios nacionais – Atlântida, Cinédia, Vera Cruz. Não houve política de Estado que promovesse o desenvolvimento industrial naqueles tempos. E, assim, vamos vivendo de ciclos, espasmos. Agora temos mais uma chance induzida pela nova “paixão nacional” – concorrer ao Oscar 2025. Um filme, um único e belo longa-metragem substitui o pobre futebol nacional que estamos praticando pelos campos do planeta com uma motivação surpreendente.
“Ainda estou aqui” resume nessa frase a resiliência do cinema e audiovisual brasileiros independentes. Ainda estamos aqui, mas, por quanto tempo resistiremos se não virarmos essa chave para um desenvolvimento de fato estruturante, não sabemos.
Analogias nem sempre são eficientes, mas ouvindo em um radiojornal um representante de associação do agronegócio apontando uma falha de mercado na “armazenagem e distribuição das colheitas” ficou bem explícita a questão do ecossistema. No Agro e no Audiovisual.
Se no Agro se planta e se colhe em safras recordes com maior uso de tecnologia, onde armazenar e onde estão as redes de distribuição? O que será feito dessas colheitas? Sem toda essa rede profissional, não chegarão aos milhões de brasileiros. Lembra alguma coisa no Audiovisual? Onde estamos distribuindo e exibindo toda a produção recorde destes anos?
Nossos avanços tecnológicos no audiovisual não promoveram uma mudança de atitude para o ecossistema. Digitalizamos nossas salas de exibição, insuficientes para dar vazão à colheita da produção; podemos contar nos dedos os estúdios com equipamentos de última geração exigidas pelo valor exigido de produção; os sindicatos de técnicos apontam falta grave de mão de obra técnica qualificada diante das novas exigências de produção e, não temos distribuição e agentes de venda suficientes que destinem a colheita para as telas nacionais e, sequer para as telas globais.
Esses gargalos que demandam uma política de desenvolvimento industrial para o cinema e audiovisual brasileiros, passam por muitos eixos: regulações estruturantes para o Streaming e outras tecnologias de distribuição e fruição; linhas de crédito competitivas para instalação de estúdios e equipamentos de última geração; formação e qualificação de mão de obra; implementar a FilmComission Nacional como indutor das filmcomissions estaduais e municipais; política de incentivos fiscais à atração de filmagens tanto internacionais como nacionais; estruturar redes de distribuição para além do mercado local; ampliação de recursos para o fomento à produção e distribuição; atração do capital privado para a produção e distribioção de obras; ampliação da rede de salas de cinema; preservação de nossas obras tanto para guardar nosso patrimônio audiovisual como para monetização em cauda longa de exibição. Entre tantos assuntos de um diagnóstico velho conhecido e presente nas tantas mesas e debates.
Einstein afirmou que essa “separação”, essa “dicotomia ilusória” é como uma “ilusão ótica de consciência”, uma “ilusão de nós contra eles”. Aplicada ao audiovisual, somos interdependentes em nosso ecossistema tal qual a lei fundamental de interdependência da natureza, da cultura. Tudo está entrelaçado nesse complexo sistema, tudo afeta tudo.
O que há de novo é mais uma oportunidade diante da “paixão nacional” datada para o Oscar 2025. Seja lá o que acontecerá na premiação o fato é que abriu-se a tal janela de oportunidades para uma vontade política de desenvolvimento industrial do audiovisual brasileiro.
Ao reler a missão da Bravi, a Brasil Audiovisual Independente, desenvolvimento, ecossistema e sustentabilidade andam juntos: Representar as produtoras brasileiras independentes no país e internacionalmente na busca pelo desenvolvimento econômico sustentável da indústria do audiovisual e do seu ecossistema.
Para a Brasil Audiovisual Independente, o desenvolvimento industrial é algo como “a ponte cruzada” pelo Capitão Willard, um personagem lendário, no filme Apocalypse Now que enxergou que a luta empreendida se traduzia em “um ponto a partir de onde é impossível retornar.” O ponto sem retorno. Sonhamos que possa ser desta vez, porque Ainda Estamos Aqui.
