À frente do Instituto Dona de Si, Suzana Pires defende a cláusula de inclusão na produção audiovisual

Suzana Pires, atriz, roteirista e fundadora do Instituto Dona de Si, participou da Expocine 2021 nesta quarta-feira, dia 17 de novembro, para falar a respeito da cláusula de inclusão – ideia elaborada por Stacy Smith, diretora da Iniciativa de Inclusão Annenberg da Universidade do Sul da Califórnia, em 2014, e que consiste basicamente na inclusão de mulheres, negros, pessoas com deficiências e LGBTQIAP+ no elenco e equipe das produções audiovisuais. 

"A motivação para a criação do Instituto em 2018 foi perceber que as mulheres tinham uma dificuldade muito grande em trilhar a própria jornada. Nós já éramos condicionadas a muitas coisas e nossas escolhas próprias eram lutas muito grandes, que geralmente a gente perdia", introduziu. A partir do momento em que começou a se incomodar com o fato de, muitas vezes, ser a única mulher nas salas de roteiro, Pires percebeu também a ausência de negros e PCDs, por exemplo. "Trabalhar com a cláusula de inclusão é observar quais vozes não estão presentes naquele lugar. E isso precisa ser pensado desde o argumento, da sinopse do produto. Sets só de gente branca não refletem a sociedade. Pra mim, no Brasil a cláusula de inclusão é a cláusula da descolonização, porque faz a gente reagir à maneira que fomos colonizados", completou. 

Case do filme "De Perto Ela Não é Normal" 

Dirigida por Cininha de Paula e estrelada por Suzana Pires, que também escreveu o roteiro, a comédia "De Perto Ela Não é Normal" foi o primeiro filme brasileiro a contar com a cláusula de inclusão. Na prática, isso significa que Pires e Joana Henning, produtora da comédia, escolheram elenco e equipe levando em conta a inclusão e a representação da sociedade. Direção, roteiro, produção e elenco, por exemplo, são encabeçados por mulheres.

Em sua fala na Expocine, Pires explicou que trazer a cláusula de inclusão para a prática passa por elenco, equipe técnica e heads de equipes. "O elenco traz atores negros para interpretar personagens bem sucedidos. E mulheres trans que não precisam falar que são trans, são apenas mulheres. A ideia era inverter como as minorias de poder costumam ser representadas. Conversamos muito com os atores sobre isso. Depois, passou pela equipe técnica, em ver onde a gente podia questionar, mudar. Começamos a desmontar as equipes de sempre e, com sutileza e paciência, fomos descobrindo novos talentos e trazendo para o time. Aí chegamos nos heads de equipes. Direção musical, por exemplo. Fiz questão de ter uma mulher, especialmente por ser uma área normalmente dominada pelos homens. Realmente trouxemos talentos para esse lugar do mainstream. E não basta trazer as pessoas. Tem que saber recebê-las, incluí-las de fato nas equipes". 

Dados alarmantes 

O Instituto Dona de Si encomendou uma pesquisa ao Boca a Boca Filmes que analisava os 100 maiores filmes nacionais – tanto em termos de orçamento quanto de faturamento – entre 2009 e 2019, em relação a gênero, etnia e presença LGBTQIAP+. Os resultados são alarmantes. 

Em relação ao gênero, os números são: na direção, 84% são homens e 16% são mulheres; no roteiro, 60% são homens e 40% mulheres; entre os protagonistas, 61% são homens e 39% são mulheres; e entre os coadjuvantes, 51% são homens e 49% são mulheres. 

Já no que diz respeito à raça e etnia, 100% da direção desses filmes foi feita por homens brancos. No caso dos roteiros, 92% por brancos e 8% por negros. Entre os protagonistas, 84% brancos e 16% negros e, entre os coadjuvantes, 62% brancos e 18% negros. 

Por fim, a análise da presença LGBTQIAP+ revelou que a direção foi feita por 94% de héteros cis e somente 6% por LGBTQIAP+; os roteiros, por 99% héteros cis e 1% LGBTQIAP+; os protagonistas, 95% eram héteros cis e 5% LGBTQIAP+; e os coadjuvantes, foram 97% héteros cis e 3% de LGBTQIAP+. 

"As pessoas têm que ser 'mordidas' pela indignação diante desses números. O objetivo é fomentar a ação da mudança. Precisamos ficar incomodados e agir. Em players, produtoras, distribuidoras, esse assunto precisa se tornar o assunto protagonista. Nossa realidade é catastrófica", pontuou Pires. 

Ações imediatas 

O Instituto Dona de Si considera algumas ações imediatas para reverter esse cenário. As principais são: estabelecer metas para a diversidade na contratação; fazer um mapeamento de talentos, uma base de dados nacional; entender que a inclusão se faz dentro e fora, para quem está e para quem chega; e investir no talento e segurá-lo. 

Em relação aos dados, ela diz: "O Instituto tem uma base de dados grande, mas os próprios players podem fazer os seus, mapeando talentos de Norte a Sul do País", sugeriu. 

A atriz e roteirista também ressaltou um ponto importante: "Quando começamos a trabalhar de fato com esses talentos, cruzando possibilidades, entendemos que não é só pegar a pessoa e colocar dentro da equipe. Precisamos sensibilizar quem vai recebê-la, fazer um trabalho pra isso – por meio de workshops, por exemplo, que falem de conscientização, do 'porquê' de tudo isso -, além de um trabalho com quem está chegando, que passa pelo empoderamento de sua própria voz". 

Visão internacional 

A mesa também contou com a participação internacional de Fanshen Cox, da TruJuLo Productions; de Kalpana Kotaga, da Cohen Milstein; e Tasmin Player, head de recursos humanos da Endeavor Content. 

Kotaga esclareceu que existe um site específico sobre a cláusula de inclusão onde estão listados os quatro princípios fundamentais para seu funcionamento: um compromisso de aprofundar e diversificar os pools de contratação; o estabelecimento de metas para contratação; coletar, medir e analisar dados; e implementar medidas de responsabilidade para apoiar o progresso. 

"As metas devem ser estabelecidas não de acordo com o mercado como um todo, mas de acordo com seu próprio progresso, o que você acredita que seja o certo. Essa é uma base boa", ressaltou Player. "É uma maratona, um processo longo. Demanda muito trabalho, não dá pra resolver do dia pra noite. Mas temos que ir trazendo isso, desenvolvendo um fluxo de trabalho. Nos perguntarmos sempre 'o que podemos implementar hoje?'", acrescentou. 

Cox, por sua vez, falou sobre as desculpas que as pessoas dão – e que precisam ser urgentemente eliminadas. "Muitos dizem que não encontram os talentos para contratar – mas criamos uma boa base de dados e estamos sempre procurando mais, então sempre que um estúdio ou empresa de produção nos fala que não consegue achar a gente tem uma lista para entregar. Outros falam também que já estão trabalhando nisso. Antes aceitávamos, mas agora dizemos que é preciso fazer mais. E por fim, há quem diga que não tem tempo suficiente para fazer esse trabalho. Mas sempre ressaltamos que é preciso trazer esse assunto para a conversa bem cedo, isto é, pensar na cláusula quando o projeto está começando a ganhar forma. Assim não tem essa desculpa. As práticas de inclusão devem ser consolidadas no início dos trabalhos", concluiu. 

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