Às vésperas do Dia do Cinema Brasileiro, celebrado nesta quinta-feira, dia 19 de junho, a secretária do audiovisual, Joelma Gonzaga, falou com exclusividade à TELA VIVA sobre diversos temas atuais da indústria, fazendo um balanço do trabalho feito até aqui e adiantando também um pouco de seus próximos passos.
A regulação do VOD segue sendo a questão mais urgente – tanto do ponto de vista do mercado e, agora, também da SAV e do Ministério da Cultura. Na última edição do Rio2C, realizada entre o final de maio e o começo de junho, o Governo Federal e a própria secretária se posicionaram oficialmente pela primeira vez a favor do substitutivo da Deputada Jandira Feghali que versa sobre essa regulação das plataformas. "É a prioridade da Secretaria do Audiovisual e uma das prioridades do Ministério da Cultura. Estou desde 2023 atuando amplamente nessa pauta. O momento no Rio2C foi muito bom, com a leitura da carta das entidades principalmente. Além de estar liderando esse processo há dois anos, tenho visto, do ponto de vista do mercado e também do setor, uma organização e maturidade muito grandes para que isso aconteça. E, do lado de cá do governo, estou vendo o texto mais maduro sendo apresentado. Não foi e nem é uma construção fácil. Nós sabemos com quem estamos batalhando, por assim dizer, mas temos um texto maduro, que acredito que garante uma primeira regulação das plataformas de streaming no Brasil de forma consistente e, o mais importante, protegendo a produção brasileira independente", afirmou a secretária.
Gonzaga reconheceu que existem algumas diferenças acerca dos detalhes da proposta – o que ela julga ser absolutamente natural, uma vez que o setor não é homogêneo. "Mas ainda que existam diferenças em pontos específicos, todos querem a regulação. E não estamos falando de nenhuma novidade. É um debate que começou lá atrás, ficou congelado na última gestão e trouxemos para ordem do dia, com importantes apoios para essa pauta. O vice-presidente Geraldo Alckmin falou sobre isso no ano passado, no nosso seminário, e toda essa articulação tem sido acompanhada pelo MDIC. Temos não só o melhor texto, mas o setor muito bem organizado, vários ministérios articulados, a Deputada Jandira, que tem um histórico inegável de proteção à cultura e ao audiovisual brasileiro, e o melhor momento do audiovisual brasileiro aqui e no mundo. Gabaritamos os principais eventos de cinema – Berlim, Cannes, Oscar, Guadalajara… O mundo está de olho no audiovisual do Brasil. Então regular essa atividade econômica no Brasil, esse território gigante, onde as plataformas já atuam há bastante tempo sem que isso seja revertido para o setor, é urgente. Não dá mais para continuar sem uma regulação".
A secretária lembrou ainda que o país tem um histórico de políticas públicas do audiovisual que é calcado na proteção ao direito autoral e patrimonial, que é o que dá sustentabilidade à cadeia. "É isso que queremos, isto é, garantir direitos que são básicos. Não tem nenhuma grande inovação nesse marco regulatório que estamos propondo. É propriedade intelectual e direito patrimonial, produção brasileira independente como corpo e alma do debate, contribuição financeira dessas plataformas através de Condecine de 6% do seu faturamento bruto e cotas de catálogo com proeminência. São elementos básicos de vários países do mundo que já estão regulados. Não podemos nós, que somos um dos principais consumidores de conteúdo de streaming, não ter uma regulação. Estamos firmes nessa batalha. Todo esse time – Ministério da Cultura, Secretaria de Relações internacionais, Ministério da Indústria e Comércio – todos juntos em prol de que essa regulação aconteça, e protegendo os interesses do Brasil", reforçou.
Um dos pontos mais sensíveis do debate é justamente a questão da Condecine – enquanto as plataformas acham 6% um percentual muito alto, as entidades do audiovisual pedem 12%. Para Gonzaga, é legítimo que as entidades estejam pleiteando os 12%. "Elas têm autonomia para isso e referências de outros países", pontuou. "Mas nós estamos defendendo e continuaremos defendendo 6% do faturamento bruto, que é o percentual que está no substitutivo da Jandira, que tem nosso apoio. Acreditamos ser um percentual justo diante do tamanho do Brasil e do que o país representa em termos de assinaturas para essas plataformas, e ainda diante de projeções do que podemos ter de retorno. É um valor muito justo diante do que elas arrecadam aqui. Parte desses lucros precisam ficar para o país, e 6% não e nada fora da curva. Mais uma vez: acho legítimo que o setor peça 12%, mas nós estamos batalhando por 6%".
A secretária também falou sobre o delicado momento geopolítico dos Estados Unidos e como isso potencialmente interfere no processo de taxação das plataformas de streaming que operam aqui – que são, em sua grande maioria, norte-americanas. "Estamos guerreando contra as maiores empresas de tecnologia do mundo. A chegada de Trump só joga mais gasolina em cima disso. Por outro lado, acho que é esse o momento em que temos realmente que ir para o front para regular. À medida que o tempo vai passando, vai ficando mais difícil, inclusive por conta desse cenário. Não é uma batalha fácil. Mas acredito que, com os aliados que nós temos e com o que estamos construindo, conseguiremos uma primeira regulação, que se faz ainda mais importante nesse contexto".
Olhando para um futuro com o streaming regulado no Brasil, com as plataformas contribuindo financeiramente e parte desse valor alimentando o Fundo Setorial do Audiovisual, Gonzaga acredita que os valores do FSA serão no mínimo duplicados. "As possibilidades de fazer políticas públicas serão ainda maiores. Acho que, de imediato, veremos um novo ciclo virtuoso do audiovisual no Brasil". No entanto, ela relembra que o processo é longo. "Ainda temos que aprovar na Câmara, no Senado, sancionar, regulamentar e implementar. A jornada é longa. Vamos vivendo um dia de cada vez, entendendo as estratégias de cada passo. Mas diante dos números do audiovisual hoje, sem regulação do VOD, uma vez que nós regulemos, o efeito econômico será imediato – em número de produções, de licenciamento e um aquecimento da cadeia como um todo a médio prazo".
Arranjos regionais
Na última segunda-feira, 16, foi aberta oficialmente a chamada dos novos arranjos regionais, iniciativa do MinC que destinará R$ 300 milhões para impulsionar a produção audiovisual fora do eixo Rio-São Paulo. Nesse sentido, a secretária citou uma fala da Ministra Margareth Menezes: "Nós não estamos descentralizando os recursos, e sim nacionalizando o fazer cultural". Ela diz que, no caso dos arranjos regionais, a lógica é a mesma. "A intenção não é desindustrializar o audiovisual – existem os polos de Rio e São Paulo, que são estruturados, e esses polos continuarão tendo fomento. Mas nós queremos que outros polos – que sabemos ter vitalidade e potência – também sejam irrigados, e aí entram os arranjos regionais", explicou. A chamada que abriu nessa semana seguirá aberta até agosto. "É uma injeção de investimento em estados e capitais com vocação para o audiovisual acessarem esses valores e trabalharem nessa vocação que elas já têm. É um investimento federal casado com o investimento estadual, numa linha de co-investimento, o que é um grande feito", celebrou.
Gonzaga mencionou que os arranjos regionais foram responsáveis, em suas chamadas pregressas, por revelar cenas importantes do audiovisual brasileiro. "A produtora Filmes de Plástico, que nos deu, entre outros filmes, 'Marte Um', de Gabriel Martins, indicado a representar o Brasil no Oscar, é fruto de arranjos regionais. A própria cena de Minas Gerais, com a BH Film Commission, se deu muito a partir de arranjos regionais em suas últimas chamadas. Maceió teve seu primeiro longa possibilitado a partir de arranjos regionais. Acredito que todo o Brasil tem vocação para contar boas histórias e produzir audiovisual, e os arranjos regionais jogam luz nisso". Ela contou que a chamada já nasceu com uma demanda muito grande. "Talvez a gente precise ter mais recurso para dar conta da demanda. Temos potenciais e vocações diferentes que precisam ser potencializadas", enfatizou.
Film Commission e Cash Rebate
O projeto de investir para que o Brasil como um todo se torne um polo produtor de audiovisual passa também por estruturar que os diferentes estados e municípios recebam produções vindas de outros lugares. Nesse sentido, entra em pauta a construção de uma film commission de âmbito nacional. "O MinC lidera hoje um grupo interministerial que está debruçado sobre a elaboração do que virá a ser uma film commission nacional. Esse GT conta com o MinC, o Ministério do Turismo, a Embratur, o MDIC, o Ministério da Fazenda e o Ministério das Relações Exteriores, além da rede de film commissions estaduais. Desde o início do ano e até agosto esse grupo estuda modelos nacionais e internacionais para pensar em como essa film commission do Brasil pode se estruturar. É uma das prioridades também do MinC – estamos regulando o VOD, trouxemos o audiovisual para dentro da nova indústria Brasil, estamos irrigando polos audiovisuais em todo o Brasil… Precisamos dessa figura da film commission passando por tudo isso, entendendo o papel e a vocação dos territórios e trazendo um olhar federal para a questão. Nossas experiências estaduais e municipais são cases de sucesso, mas atuam especificamente em suas regiões, e estamos sempre falando do Brasil ser uma potência do audiovisual, uma indústria de fato".
Em relação ao cash rebate, existe uma consultoria tributária trabalhando para entender como poderia funcionar esse mecanismo dentro do contexto da reforma tributária. Aparentemente, é um debate mais complexo do que o da film commission nacional. "Estamos pensando também nas nossas condições de financiamento hoje. As coisas ainda estão em etapa de elaboração. Gostaríamos que fosse para esse ano. Vamos ver como estaremos ao fim desses dois trabalhos. Mas é uma pauta que tem avançado, e que faz parte da nossa visão do todo. Tem sido um trabalho muito rico e um debate profundo".
Internacionalização do audiovisual brasileiro
Como a secretária comentou, as produções brasileiras têm sido premiadas em festivais ao redor do mundo e o Brasil tem conquistado importantes espaços nesses eventos – a exemplo do último Festival de Cannes, onde fomos o "País de Honra" do Marché du Film. Pensando em todos esses acontecimentos recentes, Gonzaga revelou como se emocionou diante da conquista do Oscar inédito do país, com "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, sendo reconhecido como Melhor Filme Estrangeiro na última edição da premiação. "Eu assisto ao Oscar todo ano, gosto de assistir a todos os filmes que estão concorrendo. Fiquei num nível de emoção tão grande… Um filme falado em português ganhando esse prêmio, e ainda um filme que fala de um momento tenebroso da nossa história, que trouxe esse debate para jovens e adolescentes, fez o livro voltar a ser vendido… Fiquei me lembrando da frase do Bong Joon-ho, diretor de 'Parasita', quando o filme levou os prêmios principais. Ele disse que, quando nos abrimos para além do nosso idioma, descobrimos histórias grandiosas. Como profissional do audiovisual e cinéfila, esses prêmios não me surpreendem. Tenho acompanhado a potência das nossas histórias desde sempre. Mas acredito que a gente precise de um conjunto de políticas públicas para que isso seja potencializado ainda mais".
Gonzaga citou a experiência recente em Cannes, com o Brasil como país homenageado, e destacou que essa não foi uma ação isolada. "Em 2023, no início da minha gestão, comecei a pensar em ações de internacionalização. Naquele ano, vi a Espanha como destaque em Cannes e pensei como seria o Brasil nesse lugar. Gosto muito de Cannes. Já tinha ido para lá em 2016 com o 'Cinema Novo', filme que produzi, e conheço a história do festival, que é um dos mais antigos do mundo e seu mercado é um dos mais proeminentes. O meu pensamento, desde 2023, foi ter entre as ações de internacionalização o Brasil homenageado lá, e de forma grandiosa, com nossa cinematografia vibrante, nossos projetos e histórias. E assim foi". Mas, conforme salientou, os resultados vão para além do momento pontual. "Ano que vem estaremos em vários festivais com os resultados dessa delegação brasileira gigante que foi para Cannes e fez negócios importantes lá. É uma política pensada para que tenha rebatimento em muitas outras, e não seja algo isolado".
Para a secretária, falar em internacionalização não é só mostrar os filmes brasileiros lá fora, mas tentar potencializar coproduções. Como exemplo, ela citou os filmes "Ainda Estou Aqui" e "O Agente Secreto", ambos cases de sucesso do cinema brasileiro recente e que são projetos de coprodução internacional.
Ela também pontuou que Cannes foi apenas uma das ações da SAV pensadas a partir desse objetivo de internacionalização – talvez a de maior visibilidade, mas certamente não a única. Outro exemplo é a volta do Brasil para o PAV 3, que é o Programa Audiovisual da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que estava congelado porque o governo anterior retirou a presença do Brasil do mesmo e que será lançado novamente agora em agosto. O programa envolve conteúdos produzidos para nove TVs públicas, de todos os países participantes, que vão circular entre elas. Na atual gestão, o Brasil retornou também para a RECAM, Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do MERCOSUL; fortaleceu acordos bilaterais com países como França e China; estreitou os laços com o BRICS, e fará um festival desses países ainda este ano, sediado no Brasil; e tem trabalhado nessa própria missão de film commission, que também integra um grande projeto de internacionalização. "Pautas estruturantes estão sendo construídas. Não trarão resultados a curto prazo, mas veremos seus efeitos ao longo dos próximos anos".
Balanço e próximos passos
Já passamos da metade do Governo Lula, da gestão da Ministra Margareth Menezes à frente da Cultura e da secretária Joelma Gonzaga na SAV. Pensando nisso, ela fez um balanço, já olhando para a reta final que vem pela frente: "O presidente começou o ano falando que não era para eu inventar novas ações, e sim efetiva-las. Minha equipe tem levado isso à risca. Eu tenho muitas ideias, quero fazer muitas coisas, mas somos pequenos. E assumimos num cenário de completa destruição. Gosto de pensar lá na frente numa foto no final de 2026 do panorama geral, onde teremos todas essas ações de internacionalização que citei, com o Brasil tendo retornado do ponto de vista internacional gigante e vibrante, com as nossas histórias inundando muitas telas; o VOD regulado, com uma regulação que nos proteja e favoreça; uma film commission nacional casando com tudo isso; o audiovisual forte dentro da nova indústria Brasil; o setor de games com avanços expressivos, com um Grupo de Trabalho agora que vai regulamentar o marco que foi sancionado na nossa gestão; a Cinemateca Brasileira amparada, com orçamento… Diria que teremos uma foto geral em 2026 com ações bem estruturantes que estamos deixando. Eu vim do audiovisual, e espero voltar para ele em 2027 e encontrar um setor mais estruturado, amplo no sentido regional, sustentável pensando no fomento, e com um importante pensamento de memória audiovisual. Óbvio que em quatro anos não dá para fazer tudo. Teríamos que avançar em muitas outras coisas. Mas acredito que, no cenário que encontramos, e que tivemos que reconstruir, faremos entregas robustas, estruturantes, significativas e perenes para o audiovisual".
Falando nas ações já realizadas, Gonzaga citou ainda a preservação audiovisual, afirmando que foi essa gestão da SAV que trouxe o tema para o centro das discussões das políticas públicas. E, na próxima semana, durante a programação do CineOP, em Ouro Preto (MG), será lançada uma rede de arquivo que integra esse programa de preservação nacional. "Sempre digo que tão importante quanto produzir e exibir os filmes é preservá-los. É nossa memória e nosso futuro. E hoje, com o ambiente digital, esse debate se faz muito mais urgente. A Cinemateca Brasileira faz um trabalho incrível, mas ainda não existe no setor como um todo um pensamento sobre preservação audiovisual, e isso é muito necessário".
Outra novidade próxima é o lançamento da Tela Brasil, plataforma de streaming pública de conteúdo 100% nacional, com completos recursos de acessibilidade, em parceria com o Ministério da Educação, ainda este ano, no segundo semestre. "Atuamos em comum acordo com o MEC e pautamos ações para que essa plataforma seja o mecanismo de aplicação da Lei 13.006 nas escolas. São ações andando juntas. Acompanhamos o debate da regulação da lei, que está avançado, e o MEC acompanhou todo o desenvolvimento da plataforma. Tem uma série de dimensões e variáveis que precisam estar casadas, dado que o conteúdo vai para as salas de aula. Também é uma grande entrega deste ano, para se juntar a essa foto geral do nosso legado".