Laryssa Prado é doutoranda em Multimeios, mestra em Comunicação e pesquisa a animação brasileira sob o recorte das questões de gênero, principalmente no que tange à representação das mulheres. Nesta quarta, 19 de março, ela participou do painel "Mulheres na Indústria de Animação", que abriu a programação do Lanterna Film Market, braço de mercado do Lanterna Mágica – Festival Internacional de Animação que acontece até domingo, 23, em Goiânia/GO.
Em seu mestrado, Prado estudou três séries de animação infantil nacionais – "O Show da Luna!", "Meu AmigãoZão" e "Irmão do Jorel" – para entender o processo de construção das personagens femininas e todo o entorno dos projetos partindo desse viés e, agora, no doutorado, analisa filmes autorais de mulheres a partir da estética feminista. A especialista faz parte do movimento Mulher Anima, que surgiu em 2019 inicialmente como um grupo de pesquisa e, atualmente, tem como objetivo ser um ponto de referência para centralização de atividades e conteúdos (em diversos formatos e linguagens) relacionados à participação das mulheres na animação no Brasil, promovendo também uma rede de comunicação e debate. Ela também é fundadora do Brazilian Animation, projeto de divulgação de animações brasileiras que já soma sete anos de história.
"Trabalhar com dados é o que podemos trazer de mais exato. E os números importam quando falamos sobre a história das mulheres na animação. É cientificamente comprovado que quando existem mais mulheres nas equipes de produção os conteúdos são mais diversos – e não só em relação a gênero, mas também raça e classe, entre outros recortes", pontuou. Nesse sentido, ela trouxe uma pesquisa divulgada em 2015, intitulada "Eu Sou a Animação no Brasil" – trata-se da primeira pesquisa que mapeou a animação enquanto estrutura produtiva no território nacional. Os dados foram coletados entre novembro e dezembro de 2014.
O que ficou do estudo como mensagem principal é um cenário de apagamento e invisibilidade das mulheres. A análise identificou, por exemplo, que 55% dos homens são sempre remunerados contra 46% das mulheres e que 49% dos homens têm a animação como principal fonte de renda contra 46% das mulheres – em paralelo, apontou ainda que 73% das mulheres afirmaram ter formação superior ou acima (pós, mestrado, doutorado) contra 67% dos homens.
Entre outras pesquisas, ela citou o Formulário Animação para Todos e Todas, de 2018, encabeçado por Rosaria Moreira, que teve como principal insight o fato de que muitas mulheres já trabalharam em projetos com equipes só de homens e pouquíssimas já haviam trabalhado em times só de mulheres. Ainda em 2018, no Anima Fórum, uma mesa redonda discutiu as mulheres na animação com foco em representatividade e mercado. O painel apresentou os resultados do formulário de Moreira, dados adicionais e relatos – entre os temas, assédio físico e moral, salários menores e roubos de ideias e propriedades intelectuais. "Foi o primeiro momento na história da animação no Brasil que refletimos a experiência dessas mulheres, com seus problemas e desafios", lembrou.
Voltando à sua própria pesquisa de mestrado, na qual Prado analisou as três séries de animação infantil nacionais, ficou claro que havia uma representatividade maior de homens nas funções-chave, tanto de decisão quanto criativas. A pesquisadora contou que entrevistou homens das equipes e colheu depoimentos que ela chamou de preocupantes. "Entendi que existe um morde e assopra. A maioria diz que não tem preconceito, mas na prática não dá espaço. Alguns dizem que tentam criar espaço, mas que as mulheres não se candidatam ou não têm aptidão", exemplificou.
Um estudo mais recente, este de 2023, do Gemaa, núcleo de pesquisa que desenvolve estudos sobre ação afirmativa e a representação de raça e gênero em instituições e mídias, analisou a Diversidade de Raça e Gênero no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (2002-2023). Os resultados demonstram o predomínio de pessoas brancas em todas as competições, com maioria substantiva de homens brancos nos postos de direção e roteiro. Por outro lado, pessoas pretas, pardas ou indígenas (PPIs) se destacam como casos individuais excepcionais, assumindo a liderança de homenageados entre os elencos. Outro dado relevante é que nenhuma mulher preta, parda ou indígena (PPIs) dirigiu ou roteirizou filmes de grande público no Brasil nas últimas décadas.
São muitos os caminhos possíveis, mas Prado enfatiza, para além da importância dos dados, a necessidade da academia e das universidades se aproximarem mais do mercado, visando justamente analisar a situação e cobrar mudanças. Sobre o trabalho da Mulher Anima, ela reforçou: "Queremos nos tornar um espaço onde as mulheres da animação brasileira possam se encontrar e divulgar seus trabalhos. É um trabalho voluntário, sem vínculo com nenhuma instituição, e está crescendo. Ele é aberto para quem quiser participar. Precisamos de colaboração especialmente nesse ponto de nos enviarem informações para que possamos levantar quem são as mulheres animadoras e o que elas têm feito".