O sucesso do documentário "Clarice Niskier: Teatro dos Pés à Cabeça" em Gramado reacende a discussão sobre a divisão de recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) entre cinema e TV. O documentário vencedor desta edição do 52º Festival de Gramado foi contemplado pelo Prodav, ilustrando que o alcance superior da TV em relação ao cinema não é em detrimento da qualidade das obras geradas.
Pouco menos de 10% dos recursos do FSA destinados à produção no ano passado e no atual foram para o Prodav, linha do fundo que financia conteúdos para as programadoras de TV por assinatura, enquanto o restante foi destinado ao cinema. Essa distribuição não reflete o público potencial de cada janela de exibição.
O documentário produzido pela Forte Filmes foi proposto pelo diretor do canal Curta! Júlio Worcman. Ele levou a ideia à atriz e o longa foi viabilizado pela linha de apoio Prodav 6 do FSA para estreia no canal Curta!. "Viva a atriz Clá Niskier! Parabéns à diretora e produtora Renata Pascoal!", parabeniza Worcman.
Debate
Para o diretor do Curta!, diante da capilaridade da televisão no Brasil, fica evidente haver um equívoco importante na condução da política de fomento ao audiovisual pelo Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA).
Segundo ele, o colegiado vem "asfixiando o fomento à produção de conteúdos para televisão (Prodav) em benefício quase exclusivo das produções para cinema (Prodecine)". A janela de estreia cinematográfica se restringe a um circuito de 3,5 mil salas de cinema em operação no país. Já o documentário sobre a trajetória da atriz Clarice Niskier tem público potencial muito maior, uma vez que o canal Curta! abriu mão de seu direito de exclusividade, permitindo o licenciamento para exibições também pelo Canal Brasil e pela TV Brasil. "A audiência média destes três canais somados (tempo total assistido), em números informados pelas caixinhas da operadora de TV paga Claro, totaliza em média 48,9 milhões de horas por ano ou o equivalente a 32,6 milhões de espectadores de blocos de 90 minutos de conteúdo (como sessões de cinema) por ano", provoca Worcman. "Considerando que a média de pessoas que assistem juntas por residência assinante da operadora Claro é de 1,8 pessoas, podemos multiplicar os 32,6 milhões de sessões de 90 minutos nos três canais, chegando ao equivalente a 58,6 milhões de 'ingressos', apenas na operadora Claro, que atende perto da metade do mercado de TV paga no Brasil", completa.
Alcance
Segundo dados da Ancine, em 2023 foram lançados 161 títulos brasileiros nos cinemas, e a maioria deles não ultrapassou 10 mil espectadores. Em contrapartida, a TV exibiu 4.105 títulos brasileiros independentes. Destes, 946 foram produzidos entre 2022 e 2023.
Worcman lembra que 94% dos recursos do FSA são provenientes das empresas de telecomunicações e operadoras de TV por assinatura, que são obrigadas a distribuir canais brasileiros. Todos os canais distribuídos, por sua vez, são obrigados a carregar conteúdos independentes, que podem ser fomentados pelo FSA (tanto filmes como conteúdos para TV). "Com a realocação dos recursos do Prodav para o Prodecine, houve uma redução no fluxo de novos conteúdos para a TV paga", diz.
Worcman ressalta a importância de um financiamento equilibrado para a TV, capaz de alcançar grandes audiências e promover a diversidade de conteúdos. "A reativação de linhas de apoio à produção para TV, com autonomia para as programadoras e em fluxo contínuo, pode assegurar que histórias significativas continuem a enriquecer o panorama audiovisual brasileiro e permaneçam disponíveis em perenidade nas plataformas de streaming nacionais e independentes", finaliza.