Nas agências reguladoras, há uma norma que determina que qualquer regulamento que impacte agentes externos deve ser submetido a consulta pública. É nesse processo que os prós e contras da proposta devem ser discutidos, sendo que essas normas geralmente se baseiam em um estudo de impacto regulatório (AIR), que também passa previamente por consulta pública.
Graças à Lei das Agências, os diretores possuem mandatos fixos, o que garante certa estabilidade institucional.
Além disso, assim como o Banco Central, as agências reguladoras têm autonomia administrativa e financeira, o que permite que suas decisões sejam pautadas por regulamentos técnicos e baseadas em AIRs. Essa autonomia foi crucial, por exemplo, durante a aprovação da vacina contra a COVID 19 no governo Bolsonaro. Sem essa independência, o processo poderia ter sido influenciado por pressões políticas, comprometendo a saúde pública.
Os presidentes e diretores das agências, em teoria, deveriam reunir uma série de qualificações importantes para exercerem suas funções de maneira eficaz:
- Eles precisam dominar a área específica de atuação da agência, seja energia elétrica, telecomunicações, saúde, seguros, entre outras.
- Ter experiência em gestão, seja no setor público ou privado, é essencial para a boa condução dos trabalhos.
- Devem ser capazes de tomar decisões estratégicas que tragam benefícios tanto ao setor regulado quanto à sociedade como um todo.
- A comunicação eficaz com empresas, consumidores e outras instituições governamentais é crucial para o sucesso da agência.
- Manter altos padrões de ética e integridade é vital para garantir a confiança pública e a transparência das operações.
- Compreender as leis e regulamentos que regem a área de atuação da agência é imprescindível para aplicar e fiscalizar as normas adequadamente.
Diante disso, é difícil entender a contradição que estamos presenciando. O governo atual considera a possibilidade de alterar a lei das agências para que os mandatos dos diretores coincidam com os do Presidente da República, o que colocaria em risco a autonomia das agências.
Se o governo está reclamando da atuação dos diretores, é porque eles não estão exercendo suas funções de forma técnica e imparcial, como deveriam, sem influência política de nenhum governo. E essa imparcialidade é justamente o que garante que essas autarquias mantenham sua autonomia administrativa e financeira, o que é fundamental para evitar sua politização.
Embora haja um consenso de que as agências reguladoras precisam de reformas para aprimorar sua eficiência e transparência, não acredito que o problema esteja no fato de os diretores terem sido nomeados por governos anteriores obedecendo a alternância dos mandatos.
A verdadeira razão por trás dessa percepção negativa, a meu ver, é que alguns diretores nomeados não possuem as seis qualificações essenciais mencionadas. Um exemplo claro é a recente indicação de Patrícia Barcelos, atualmente diretora de Políticas e Regulação da Educação Profissional e Tecnológica do MEC, para ocupar uma vaga como diretora da ANCINE. Como pensar uma especialista em educação pensando no mercado e na indústria audiovisual? Será que no Brasil não temos algum especialista na área que seja alinhado com esse governo? Não é possível! Aqui faço apenas uma observação: não há nada de cunho pessoal no meu exemplo. Como atuo na área do Audiovisual, é o exemplo que tenho para demonstrar essa contradição.
Para mim, isso revela uma incoerência nas ações do governo, contrastando com o que se espera de uma agência reguladora. Deve ser ou não uma autarquia de Estado? Com autonomia financeira e administrativa, ou não? Atuando em favor do desenvolvimento do mercado que ela regula para o gozo da população brasileira, ou não?
*Vera Zaverucha é consultora de Legislação Audiovisual e ex-diretora da Ancine.