A ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas realizou, a partir de dados internos da própria associação, um mapeamento do perfil dos roteiristas no Brasil. A conclusão principal é que esses profissionais são mal pagos e desvalorizados pelos setores público e privado, ao passo que a pesquisa revela que 40% dos roteiristas não obtiveram renda com roteiros em 2024 ou receberam pouco mais de um salário mínimo mensal pelo trabalho.
"A situação ameaça a qualidade e a sustentabilidade de todo o ecossistema audiovisual, uma vez que estes profissionais e os roteiros que escrevem são a base de tudo que vemos nas telas. São eles que criam e desenvolvem as histórias de filmes, séries, documentários, realities, programas antes do início da etapa de produção, garantindo ainda planejamento e economia aos projetos", afirma a ABRA em comunicado.
O quadro de desvalorização da categoria é ainda mais grave nos recortes de pessoas fora do eixo Rio-São Paulo, onde mais da metade dos profissionais não conseguiram sobreviver em condições dignas trabalhando apenas como roteiristas, e entre pessoas trans, em que o percentual alcança 73%. "Um diagnóstico que aponta que políticas para aumentar a diversidade no audiovisual, tanto no setor privado como público, podem não estar valorizando financeiramente esses profissionais", aponta a associação.
Este, que é o segundo Mapeamento ABRA sobre roteiristas no Brasil, colheu dados de 559 pessoas associadas à entidade em 2024 e indicou ainda uma piora das condições de trabalho ao comparar de maneira inédita os resultados com o primeiro levantamento, realizado em 2022. O percentual de roteiristas CLT caiu praticamente pela metade – 10% em 2022 para 5% em 2024 – e até mesmo profissionais fixos, mas contratados como pessoas jurídicas, tiveram redução de 13% para 9%. Os roteiristas que trabalham exclusivamente com roteiro caíram de 35% para 26% – em 2024, um terço declara ter de se dedicar a um segundo trabalho remunerado por necessidade.
O levantamento mostra que a maior parte da categoria é autônoma e contratada como pessoa jurídica por produtoras audiovisuais para a prestação de serviços de roteiro a diferentes players. Os contratos, no entanto, apresentam cláusulas abusivas, na avaliação da ABRA, o que levou a um pedido de mediação da associação ao Ministério Público do Trabalho. No último dia 24 de setembro, o MPT no Rio de Janeiro abriu inquérito civil para apurar cláusulas abusivas impostas em contratos viabilizados por produtoras brasileiras com seis plataformas de streaming.
"Os dados do mapeamento indicam que a indústria audiovisual brasileira reduziu uma profissão crucial para o desenvolvimento das obras audiovisuais a uma atividade secundária e que mesmo os profissionais que estão trabalhando estão em uma situação de insegurança e vulnerabilidade", analisa André Mielnik, presidente da ABRA. "Neste ano, um roteiro brasileiro, 'Ainda Estou Aqui', de Heitor Lorega e Murilo Hauser, foi premiado no Festival De Veneza, mostrando a potência dos profissionais brasileiros. Não podemos seguir com um quadro em que grande parte da categoria está submetida a contratos abusivos e predatórios", ressalta Thaís Olivier, vice-presidente da associação. Vana Medeiros, diretora de Associados da ABRA e responsável pela pesquisa, conclui: "O estudo mostra que a precarização da nossa profissão é ainda mais grave entre roteiristas de grupos mais vulneráveis, o que coloca em xeque a permanência desses profissionais no mercado e o objetivo de contar histórias mais diversas".