Depois que algumas associações e sindicatos ligados ao setor cinematográfico e audiovisual – ABRA, Abraci, APACI, Abranima, Abragames, Sindicine e STIC – publicaram na última sexta, 15, uma carta com críticas à condução das políticas audiovisuais conduzidas pelo Ministério da Cultura, foi a vez do SIAESP (Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo) e do SICAV (Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual) também escreverem sua própria carta aberta do cinema e audiovisual brasileiro, destinada ao presidente Lula, ao vice-presidente Geraldo Alckmin e à ministra Margareth Menezes, entre outras autoridades. O texto foi escrito após a realização conjunta na última semana da Assembleia Geral Extraordinária e tem como objetivo principal manifestar as preocupações das empresas produtoras associadas aos dois sindicatos em relação ao rumo atual da política de investimento na produção do cinema e do audiovisual brasileiro implementada pelo Ministério da Cultura e Ancine por meio do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual).
A carta relembra o tamanho do setor em termos de empregos, presença no PIB brasileiro e número de produtoras e afirma que, para os sindicatos, o redirecionamento dos recursos do FSA, com a aprovação do Plano Anual de Investimentos e através dos recentes editais, traz "enormes preocupações e prejuízos para a indústria, consequentemente para as nossas empresas, sediadas nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, portanto as diretrizes aprovadas desconsideram a importância econômica e cultural destes Estados e sua força na produção do cinema e conteúdos audiovisuais". Nesse sentido, o texto traz alguns números, como a concentração de 90% das salas de cinema do país no Rio de Janeiro e São Paulo e a porcentagem de 62% das empresas produtoras do Brasil nos mesmos estados, segundo dados da Spcine.
Para os sindicatos, representados na carta por André Sturm, presidente do SIAESP, e Leonardo Edde, presidente do SICAV, o Brasil e a sua indústria precisam enfrentar a concorrência mundial, a ganância do poder econômico internacional e implantar políticas públicas novas para o audiovisual que sejam eficientes, rápidas e que supram as demandas dos produtores.
Em anexo, a carta traz um relatório sobre as consequências das atuais políticas públicas para a indústria audiovisual brasileira. No documento, afirma-se que os recursos do FSA estão sendo loteados, sem critério técnico, de forma muitas vezes subjetiva, atendendo a interesses políticos em detrimento do fortalecimento da cadeia produtiva como um todo. "Entendemos a importância da regionalização da produção e da implementação de Políticas Identitárias; somos, enquanto brasileiros e profissionais do setor, totalmente a favor. O que não podemos aceitar é o desvirtuamento da política atual que coloca em risco o Cinema Brasileiro como um todo. Não nos sentimos espelhados enquanto segmento produtivo", diz o relatório.
Com argumentos diversos, o texto declara essencialmente que as recentes decisões de investimentos ignoram o histórico positivo de empresas produtoras já consolidadas no mercado, o que colocaria em risco todo o segmento de ponta do setor. "Estamos na iminência de uma desindustrialização. A pulverização da destinação dos recursos, a definição de linhas e requisitos profissionais dos editais em curso, se fizeram de forma irresponsável e subjetiva; não foram baseados em qualquer estudo de impacto econômico", defendem os sindicatos, que citam ainda a regulamentação da Lei Paulo Gustavo, que para eles não observou critérios mínimos de capacidade e gestão dos proponentes, e o recente resultado do edital de coprodução internacional, que, ainda segundo ambos, contemplou empresas que jamais produziram em detrimento de empresas produtoras tradicionais do ramo.
Em um dos trechos, para reforçar esse ponto de vista, a carta questiona: "É possível imaginar um avião sendo pilotado por uma pessoa sem qualquer formação ou experiência? Ou uma cirurgia ou mesmo um atendimento médico ser exercido por quem não tem formação e experiência, mas que cumpre os quesitos da diversidade?". E acrescenta: "somos apoiadores dos editais para inclusão e capacitação de novas empresas produtoras e novos realizadores, porém, não em detrimento absoluto do nosso crescimento empresarial e cultural". Confira a carta na íntegra aqui.
Entidades defendem desconcentração de recursos
Pouco tempo depois, nesta terça, 19, entidades fora do eixo Rio-São Paulo, juntamente de outras de atuação em âmbito nacional, também emitiram uma carta aberta endereçada ao presidente e aos ministros e ministras de Estado "em defesa de uma indústria audiovisual realmente nacional". Assinam a carta a APAN (Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro), API (Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro), CONNE (Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste), FAMES (Fórum Audiovisual de Minas Gerais, Espírito Santo e Sul do Brasil – PR, SC e RS), SINDAV (Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais), SINAES (Sindicato da Indústria Audiovisual do Espirito Santo), SIAPAR (Sindicato da Indústria Audiovisual do Paraná), SANTACINE (Sindicato da Indústria Audiovisual de Santa Catarina), SIAV (Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul) e SIAMA (Sindicato da Indústria do Audiovisual do Maranhão).
A carta das entidades considera evidente que a indústria audiovisual mundial atravessa um ciclo desafiador de profundas transformações, que impactam não somente na produção e no consumo de conteúdo, mas naquilo que é a base do mercado: a propriedade intelectual. "É verdade que o Brasil está por demais atrasado em várias regulações, entre elas a remuneração do direito autoral em meios digitais e, claro, a das plataformas de VoD/Streaming. E há uma enorme e racional preocupação com o impacto da reforma tributária em nosso setor, apenas para elencar alguns pontos de máxima atenção", pontua. "Entretanto, nosso objetivo não é transformar a Esplanada em um espaço de reivindicações com interesses localistas ou privados. Tampouco buscamos questionar conquistas históricas e amplamente reconhecidas do audiovisual brasileiro, que promoveram a democratização do fomento e potencializaram o setor em nível nacional", prossegue o texto.
As associações entendem que, a julgar por manifestações recentes de entidades representativas de apenas parte do setor e que não buscam o consenso – fazendo uma indireta menção à carta dos sindicatos de Rio e São Paulo – "há uma franca disputa pelo projeto nacional do audiovisual brasileiro". O material afirma em todo e qualquer setor há aqueles que advogam por manter a concentração de recursos públicos em poucas empresas, sob múltiplos pretextos, muitas vezes falaciosos, que vão de ameaças de desemprego até a desindustrialização, tentam assim impor valores e subjetividades a produtos e processos. "Geralmente, essas alegações vêm de grupos que já possuem o maior conjunto de oportunidades para seu crescimento, beneficiando-se da sobreposição de distintos mecanismos de fomento. No audiovisual, esses grupos tiveram um impacto significativo no projeto nacional do audiovisual que se instalou após 2016. Esse projeto gerou distorções no mercado, enfraquecendo diversos elos da cadeia e rompeu com um ciclo virtuoso e plural do fomento. Como consequência, milhares de empresas produtoras independentes emergentes – que surgiram ou foram fortalecidas no virtuoso período após a criação do FSA até 2016 – foram excluídas das políticas públicas. Nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, houve um verdadeiro desinvestimento neste tipo de empresas, em detrimento da concentração em algumas poucas já estabelecidas, comprometendo não só a diversidade, como também o desenvolvimento do setor".
A carta também relembra importantes momentos históricos e rebate a teoria de que as cotas regionais estipuladas no Plano de Ação 2024 do FSA vão destruir a indústria audiovisual brasileira. "Essa afirmação não se sustenta. Primeiro, porque de 2014 a 2018, apenas dois estados receberam pouco mais de 50% dos investimentos do FSA. Segundo, porque refere-se a uma indústria audiovisual concentrada nesses estados, que tampouco representa o complexo e diverso mercado audiovisual brasileiro". Ela também defende a importância das cotas raciais e os resultados que elas, junto de ações afirmativas promovidas pelo MinC, desempenharam papel fundamental na viabilização de obras que contribuíram com a internacionalização do audiovisual brasileiro, com prêmios e audiência. "Dessa forma, ao abordar a performance do audiovisual brasileiro, é fundamental observar esses aspectos, bem como adotar métricas que capturem a diversidade e complexidade dos resultados alcançados".
O texto encerra com uma lista de pontos de atenção, que passa pela urgência da regulamentação do VoD, renovação da Lei do Audiovisual, previsibilidade nas ações da Ancine, aumento do orçamento total do FSA com a diminuição do valor contingenciado pelo Governo e criar e apoiar mecanismos que impeçam a ultra concentração de recursos públicos, entre outros. Confira a carta na íntegra aqui.