Com modelo de negócio, valor de produção e resultados, "Arca de Noé" abre novos caminhos para animação brasileira

Felipe Sabino e Daniel Greco, do NIP Estúdio (Foto: Divulgação/ @Cajubentoo)

Nesta quinta, 20 de março, o segundo dia do Lanterna Film Market, braço de mercado do Lanterna Mágica – Festival Internacional de Animação, abriu com o estudo de caso da animação brasileira "Arca de Noé", com a participação de Felipe Sabino e Daniel Greco, do NIP Estúdio, que afirmaram ter sido a obra o maior feito de sua história.

O processo de adaptar a obra de Vinicius de Moraes para o audiovisual começou anos atrás por iniciativa de sua filha, Suzana, e a escolha do formato de animação veio dela mesma, que acreditou que seria esta a melhor forma de criar conexão com as crianças. A entrada de Walter Salles na produção aconteceu em 2010, logo no início, e foi ele quem trouxe o diretor Sérgio Machado, seu assistente em "Central do Brasil", para o projeto. Na sequência, a produtora Gullane chegou ao time e, assim, formou-se o primeiro grupo que trabalharia em "Arca de Noé".

A trajetória de reunir recursos e compor o orçamento do longa foi extensa e começou com um edital de desenvolvimento conquistado em 2011. Na época, a Gullane trabalhava em sua primeira animação, "Uma História de Amor e Fúria", e passou a se dedicar com mais afinco ao "Arca" em 2014 – mesmo ano em que o NIP entrou no projeto e formou a composição Gullane e Vídeo Filmes como produtores e o NIP na produção associada. "Nosso primeiro exercício foi alinhar entre nós uma visão única de qual filme queríamos fazer. Acabamos ficando no meio entre um filme de arte e um comercial. Foi uma não-resposta, mas que acabou se tornando um norte", contou Greco.

Na sequência, foram elencados os principais desafios a serem enfrentados, como uma estética comercial 3D com originalidade artística; uma quantidade enorme de personagens e cenários gigantescos para trabalhar; efeitos visuais pesados, como chuva, dilúvio e a inundação da Arca; animais com pelos, tanto secos quanto molhados; multidões de animais; planos com alto valor de produção; um musical que honrasse a obra de Vinicius de Moraes; e diretor e produtores que, até então, eram especializados em live-action. Fora os desafios imprevistos, como a Covid e o lockdown e a paralisação da Ancine no meio do caminho.

"No Brasil, eram poucos os estúdios que se aventuraram a produzir conteúdos de animação em longo formato. Dentre eles, a maioria fez propriedades próprias, e não prestação de serviço. Esse era o cenário do momento e que serviu como premissa para montarmos nossa estratégia – que foi basicamente decidir que a fabricação da animação seria feita por uma composição de empresas e o NIP seria o centralizador disso tudo. Essa leitura do mercado que fizemos balizou o tipo de estratégia que desenhamos para o filme", revelou o produtor.

Financiar um projeto colossal foi complexo – em outubro passado, Fabiano Gullane, da Gullane Entretenimento, detalhou durante uma palestra na 23ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis toda a composição de orçamentos e o modelo de negócio – até então inédito no Brasil – que eles adotaram. No painel desta quinta, Greco complementou: "Nosso orçamento bem acima do teto das leis de incentivo nos levou de cara para um modelo de coprodução internacional". Do valor total, 50% foi oriundo de recursos brasileiros, 25% veio diretamente do estúdio indiano Symbiosys, coprodutor da obra (que foi a primeira coprodução Brasil-Índia da história) e os outros 25% de pré-venda – 17 países pré-compraram o longa para exibição, bem antes de finalizado.

Vertente internacional x Identidade cultural

"A 'Arca' tinha a ambição de abrir novos caminhos para a animação brasileira no sentido de ser pioneira na forma de novas operações de orçamento e composição mas também porque queríamos fazer uma obra grandiosa, dessa magnitude e valor de produção", definiu Sabino.

O produtor contou que o projeto já nasceu internacional por diversos motivos. Dentre eles, porque havia essa aspiração de obter destaque no mercado global, de ser esteticamente palatável a um público amplo, por demandar coprodução internacional e por ser animado inicialmente em inglês – afinal, muita gente da equipe só entendia o idioma e precisava compreender o que estava sendo dito no filme que estavam fazendo – e, só depois, dublada em português. "Isso tudo acabou criando uma contradição inerente ao projeto. Outra premissa básica era fazer um filme independente brasileiro, com autores, atores e músicos brasileiros, fazendo uma homenagem a um ícone brasileiro. Portanto outro desafio foi assegurar que todas as nossas decisões visassem manter a identidade cultural do Brasil", destacou.

Força da pré 

Em sua fala, Sabino ainda detalhou as diferenças da produção de animação e de live-action, que são diversas. No caso dessa animação, a pré-produção precisava ser a etapa mais importante do processo. "Foi um movimento natural da indústria da animação se organizar para antecipar processos criativos. O tempo de desenvolvimento da animação é bem maior do que o do live-action. Tem que ser uma etapa longa, que vai chegar ao fim com o roteiro concluído e o plano de produção finalizado. Todas as ideias têm de ser concluídas antes da produção, que deve servir só para a parte de manufatura mesmo, e a pós para o refinamento", explicou. "Controlar a pré é controlar o filme, e por isso os autores precisam ser capazes de antecipar suas decisões", ressaltou. Foi justamente a partir desses insights que o diretor Alois Di Leo chegou para dividir a direção com Sérgio Machado. "A parceria criativa dele com o Sérgio deu a dinamicidade que o projeto precisava, no sentido de antecipar as decisões e ter esse controle", disse o produtor.

Resultados 

O longa se tornou a animação brasileira mais vista no mundo conforme o objetivo inicial. Vendido para 72 países, o filme já arrecadou US$ 5 milhões – sendo que ainda há importantes territórios em aberto, como Estados Unidos, Canadá e Japão. Do lançamento nacional, destaca-se a pré estreia na Mostrinha do ano passado – a primeira edição do braço da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo voltado para crianças. Segundo os produtores, foi o maior lançamento de animação da história do Brasil (R$ 4 milhões investidos na campanha), com cobertura de mídia em TV nacional, ações com influenciadores e elenco (foram mais de 20 artistas, como cantores, cantoras, atores e atrizes, no time de dublagem) e mais de 750 salas na estreia, somando 375 mil espectadores. A comercialização ainda está ativa. A animação está disponível em VoD pelo Prime Video, Apple TV+, YouTube e Google Play (em todos eles somente para compra ou aluguel) e em breve deve estrear no Telecine, na Pay TV, e no catálogo do Globoplay, via streaming.

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