O produtor de animação Reynaldo Marchesini, da Flamma, responsável por produções como "Princesas do Mar", o desenho animado do "Sítio do Picapau Amarelo" e "Lupi e Baduki", que estreou na Max e no Discovery Kids em junho do ano passado, ministrou na tarde desta quarta, 19, um painel sobre "pitching de impacto" no Lanterna Film Market, braço de mercado do Lanterna Mágica – Festival Internacional de Animação, que acontece em Goiânia/GO ao longo da semana.
Marchesini contou histórias sobre pitchings que ele já fez no passado – "Princesas do Mar", por exemplo, primeira propriedade intelectual da Flamma, foi apresentada no MIPCOM em outubro de 2004, apenas quatro meses após a criação da produtora. Na ocasião, o produtor apresentou o projeto 23 vezes, em três dias e meio. Ali, fechou um contrato de coprodução internacional com uma produtora da Austrália que, posteriormente, trouxe um estúdio espanhol para fechar o time. Foram 104 episódios de 11 minutos de duração cada e a série foi comercializada para 128 países. Ao final da primeira temporada de "Princesas do Mar", ele começou a pensar em quais propriedades brasileiras gostaria de estar envolvido, para além de seus projetos originais. Chegou então ao "Sítio do Picapau Amarelo", uma propriedade do Grupo Globo, e fez um pitching sobre uma série animada do projeto. A área comercial da empresa se animou especialmente com as possibilidades de licenciamento de produtos. Na época, a Globo nunca tinha feito uma animação seriada como coprodutora.
O produtor esclareceu que a Flamma é uma produtora, e não um estúdio de animação: "Quando criei a empresa, o objetivo era produção de conteúdo de animação brasileira. Se fôssemos um estúdio, ficaríamos presos a uma técnica específica e ainda acabaríamos precisando fazer publicidade e prestação de serviços para fechar as contas. Então a Flamma cria os projetos e se associa a estúdios para realizar as obras".
Retomando o pitching do "Sítio", Marchesini contou que o valor que a Globo investiria não seria o suficiente para completar os custos de produção. Então ele buscou o Cartoon Network e fez um novo pitching: desta vez oferecendo a pré-compra do conteúdo. "Ou seja, nós fazemos pitchings em vários momentos – para complementar orçamento, viabilizar uma nova temporada – e não só para vender uma ideia", pontuou. O Cartoon topou o negócio e aportou o valor necessário. No fim, a série contou com três temporadas de 26 episódios de 11 minutos cada.
Direitos e venda dos projetos
No ano passado, a Flamma estreou "Lupi e Baduki", série da qual Marchesini assina a criação, na Max e Discovery Kids. O projeto foi criado em 2014, o pitching que levantou o dinheiro aconteceu em 2021 e a série estreou em junho de 2024. "Isso comprova como animação demora, é cara e difícil de vender", brincou o produtor. Ele ressaltou que, na ocasião do acordo com a WBD, foi questionado se queria um conteúdo "Max Original" ou viabilizado via leis de incentivo. "O projeto é inspirado nos meus filhos. Por conta disso, queria ter os direitos patrimoniais sobre a obra. Se topasse fazer um conteúdo original deles, os direitos não seriam meus. Essa é uma diferença muito importante", salientou.
Marchesini, que tem larga experiência no assunto, afirma que não tem uma ciência exata para o pitching, e sim caminhos que funcionam melhor. Ele apresentou uma pirâmide que elenca o que é mais importante na hora de apresentar o projeto – mas afirmou que, nos últimos três anos, alguns tópicos acabaram trocando de lugar. Em primeiro lugar – e isso não mudou – vem a obra, isto é, o conceito, o tema, o gênero, o tom, os personagens, o universo, a arte, a técnica e tudo o mais que define aquele projeto. Em segundo, está a originalidade – procurada por 99% dos players, segundo o produtor. Depois vem o público, isto é, para quem ela é destinada, qual faixa etária; a equipe, com os nomes e empresas já envolvidos no projeto, e de preferência pelo menos alguém no time que já tenha trabalhado com aquele gênero/formato; o player, uma vez que é necessário que o projeto se encaixe no Dna daquele canal ou plataforma, estando conectado ao público que ele tem e suas premissas e valores; o formato – e aí também é importante pensar em quem é o player, para entender qual formato tem mais a ver com seu perfil; e, no fim, a viabilidade, que passa pelo desenho de produção e o modelo de negócio. "A primeira pergunta dos players é quanto custa para produzir e como você pretende viabilizar. Ou seja, não basta entender tudo sobre a história, os personagens, a narrativa e o universo. Tem que ter orçamento, cronograma e saber como você conseguirá o dinheiro", enfatizou.
Transformação do mercado
Mas a mudança importante na ordem desses tópicos está especificamente em dois deles: o player e a viabilidade, que subiram e, hoje, para Marchesini, aparecem logo após a obra, que está no topo das prioridades na hora de apresentar um projeto, e a originalidade, que segue fundamental. Ele justifica: "A viabilidade e o player saíram lá debaixo e vieram para cima porque o mercado está sem dinheiro. Está mais difícil viabilizar grandes quantidades de projetos. Depois do boom da pandemia, a indústria de streaming enfrenta um cenário de crise, de perda de assinantes, e as plataformas se sentem receosas por conta da nuvem da regulamentação se aproximando. É um momento de indefinição. É claro que a regulamentação será excelente, mas a indefinição é ruim. Hoje, esses players fazem essa gestão de risco".
Dicas gerais
Por fim, o produtor deu algumas dicas gerais para quem vai apresentar um pitching. Em relação à originalidade, ele sugeriu apresentar o projeto para pessoas que não sejam da área para ver se elas associam sua obra a alguma que já conhecem. "É possível fazer associações, claro, isso é até bom. No pitching, você pode levar referências de outras coisas. Mas se o seu conteúdo é facilmente e diretamente associado a outro, aí não é legal".
Sobre o público, ele destacou que isso é muito importante especialmente ao falar com um executivo de canal de Tv paga. "Eles têm uma faixa etária muito definida. Então é essencial saber posicionar o projeto, principalmente falando de público infantil. Nesse sentido, vale a dica de contratar um consultor pedagógico. Quanto mais baixa a faixa etária, mais importante a presença desse especialista. E precisa ser alguém que tenha experiência com entretenimento", assinalou.
A respeito de orçamentos, ele indica para os produtores que ainda não têm certeza qual será o valor do projeto que olhem no site da Ancine em busca de referências, isto é, para checar quanto custaram projetos semelhantes em números de episódios e técnica utilizada, por exemplo.
"O segredo do pitching é o conceito que conecta a história com a audiência – e isso passa pela premissa, originalidade, seus diferenciais, sua motivação", concluiu o produtor. Como exemplo, ele citou a série "Irmão do Jorel", cujo conceito que conecta está no próprio nome: uma pessoa que se sente à sombra da outra a ponto de às vezes nem lembrarem seu próprio nome. "Muita gente enfrenta isso em casa ou em outros espaços", apontou. Outro exemplo foi o próprio "Lupi e Baduki", onde os personagens principais foram inspirados nos filhos de Marchesini, que são muito diferentes entre si mas sempre se deram bem – uma premissa facilmente identificável também.