Separar animação das demais produções audiovisuais pode nortear políticas públicas

(Foto: Divulgação/ @Cajubentoo)

As políticas públicas para a animação brasileira e goiana foram tema de painel nesta quinta, 20 de março, no Lanterna Film Market, área de mercado do Lanterna Mágica – Festival Internacional de Animação. Com a participação de representantes de associações e órgãos públicos, a mesa discutiu os avanços e desafios para o gênero no Brasil, além de caminhos e possibilidades que podem ser construídos a partir do diálogo.

Falando em prioridades para o setor, foi consenso entre os debatedores a necessidade de separar a animação do restante da gama de produção audiovisual – e isso vale para diferentes esferas, como editais, curadoria de eventos e verbas investidas, por exemplo. Para Flávio Gomes, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e diretor da Faculdade de Artes Visuais da instituição, esse será um primeiro passo rumo a mudanças efetivas. "Atualmente, os estudos sobre animação têm partido para um nível mais interessante. Temos no Brasil, mais especificamente no Paraná, um seminário científico que estuda especificamente a produção de animação – são doutores e mestres discutindo a animação no âmbito acadêmico. E estamos justamente nesse momento de discutir as diferenças entre a animação e a produção audiovisual em geral. Assim como a formação é diferente, o mercado também é completamente diferente", pontuou. Nesse sentido, ele salientou a importância da presença de animadores fazendo curadoria de projetos em editais, eventos e festivais.

Igor Bastos, de Minas Gerais, presidente da Associação Brasileira de Empresas Produtoras de Animação (Abranima), produtor audiovisual e diretor de animações como o longa-metragem "Placa-Mãe" (o primeiro longa-metragem de animação do interior de Minas Gerais), concorda com a demanda e menciona um diferencial importante da animação – o fato de que ela já nasce globalizada. "Precisamos olhar para a política audiovisual como uma política de desenvolvimento econômico, e a animação é muito potente nesse sentido. É por isso que tem tanto festival internacional de animação. Toda animação é dublada. Algumas nem têm falas – são ainda mais universais. Mas precisamos de um olhar estratégico porque produzir animação é caro. Se não olhamos de maneira estratégica, começamos a jogar dinheiro fora. Antes de lançar editais, é necessário ouvir o setor, entender qual a maturidade dele hoje e quais são as principais urgências. Sinto falta dessa construção de algo mais efetivo, que parta de um pensamento estratégico. E colocar a animação no meio de todo mundo não dá certo. Os editais precisam de avaliadores específicos para esse gênero, especialmente animação infantil". Na própria Abranima, já estão sendo planejados programas específicos de animação que possam integrar diferentes estados.

Camila Coelho, gerente executiva da Spcine, de São Paulo, participou do painel e, na abertura, destacou os dez anos que a instituição celebrará em 2025 e listou as principais frentes de atuação da empresa, como programas de financiamento, film commission, ações de formação, patrocínio e eventos, o Fórum Spcine, o Circuito Spcine e a plataforma de streaming Spcine Play. Ela contou que a história da Spcine com a animação começou logo após sua fundação, em 2015, quando foram lançados seus primeiros editais. Na ocasião, dois longas-metragens foram contemplados – entre eles o premiado "Bob Cuspe", de Cesar Cabral, que conquistou sua primeira verba de captação com esse edital. "Ao longo do tempo, fizemos algumas experimentações. Lançamos tipos de editais diferentes, como curtas-metragens, desenvolvimento, roteiro, complementação. De curtas-metragens é o que mais tem aderência. Separar as linhas para animação é uma discussão que sempre temos em pauta, pois sabemos que, assim, a disputa fica mais equiparada. Mas lançaremos editais todos os anos tentando garantir que nenhuma área fique descoberta", afirmou.

Em parceria com o estado de São Paulo, a Spcine lançou um dos seus editais mais bem sucedidos: o de cash rebate, onde cidade e estado investiram R$ 20 milhões cada. Esse edital, por exemplo, já separou produções de animação das demais. Nele, a animação é uma categoria específica. "Mas esse edital é mais para projetos de grande porte, normalmente coproduções internacionais, visando trazer recursos de fora para a cidade. Ainda não tivemos uma animação contemplada, mas ele é de fluxo contínuo, então ainda está aberto".

Trajetória e continuidade das políticas públicas

Para apresentar um breve panorama das políticas públicas – do Brasil e especialmente do estado de Goiás – e seu atual momento, Paulo G.C. Miranda, produtor da Mandra Filmes, moderou o painel e relatou: "A minha produtora é fruto direto dos investimentos do setor e, por isso, testemunhas do que acontece quando há políticas públicas e principalmente quando elas se mantêm. Desde 2016, quando começamos a produzir séries e longas-metragens, vimos como a continuidade dessas políticas afetou nossa empresa e tantas histórias ligadas a ela. Acredito que as pessoas só entregam seu máximo potencial quando constroem carreira, justamente a partir dessa continuidade. Hoje, Goiânia até exporta talentos, e tudo isso é fruto das políticas públicas. É um setor que gera emprego, renda, imposto. Todo mundo sai ganhando. Mas isso precisa ser mantido".

Yara Nunes, secretária de Estado da Secretaria de Estado de Cultura de Goiás (Secult), destacou que nos últimos três anos o estado tem conseguido fazer investimentos recordes no audiovisual, inclusive envolvendo animação. "E não somente fazendo a gestão dos recursos federais, mas também com recursos estaduais – leis de incentivo, fomento, apoio a produções, festivais e eventos. O Lanterna Mágica mesmo conta com o Programa Goyazes", citou. "Hoje, as empresas olharão para o setor com outros olhos. Ainda existem muitos desafios, mas conseguir empresas para patrocinarem nossas leis de incentivo é mais fácil do que era anos atrás. No cenário nacional, criou-se um estigma a respeito da cultura, e isso refletiu nos estados também. Mas agora estamos num movimento contrário, e o trabalho está chegando onde ele precisa chegar. Nossas políticas públicas estão conseguindo transformar", celebrou. Nos últimos dois anos, dois longas-metragens de animação foram realizados com recursos da Secretaria, além de vários outros projetos. "Significa que estamos tendo resultados. Temos consciência de que há muito para andar. Mas entendemos que só colhemos frutos quando plantamos sementes bem plantadas. As gestões mudam, e por isso os programas não podem ficar veiculados a elas. Eles devem continuar, independentemente da gestão", concluiu.

Gabriel Dutra Bastos, gerente de fomento do audiovisual e salas de cinema de Goiás, complementou a fala de Nunes e contou que o estado está finalizando um sistema para informar a Agência Nacional do Cinema (Ancine) sobre o desempenho dos projetos locais. Ele ressaltou ainda o trabalho que está sendo feito para implementar e reformar salas de cinema e a gestão de recursos da Lei Paulo Gustavo, da qual eles ficaram responsáveis por 70%. "O valor foi aportado em longas-metragens, curtas-metragens, séries, apoio a empresas… Buscamos todas as possibilidades que a lei oferecia. Muitos projetos de animação foram aprovados também. Temos trabalhado nesse fomento. Agora, estamos ansiosos com os arranjos regionais que estão para sair, cujo 70% do valor já foi aprovado para a região do CONNE. Serão R$ 210 milhões, num edital específico para o audiovisual, e gostaríamos de lançá-lo aqui no estado. Nossas principais missões hoje são fomentar o audiovisual, trazer editais e democratizar o acesso", definiu.

Bastos, da Abranima, também salientou a importância das políticas públicas – a Espacial Filmes, produtora que ele fundou, surgiu com dinheiro oriundo de edital, por exemplo – e evidenciou o estado de Goiás, que ele considera a grande potência do Centro-Oeste para a animação. O primeiro longa-metragem de animação da região, inclusive, foi feito em Goiás, assim como a primeira série. "Cruzando alguns dados, conclui que o estado arrecada R$ 70 milhões de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do audiovisual. Então quando a gente fala de uma política audiovisual temos que entender que não é só uma política de dar dinheiro para fazer filme, e sim uma estratégia que vai gerar emprego, renda, e que tudo isso retorna para o estado. É, mais uma vez, a importância de olhar pro audiovisual de maneira estratégica".

Para ele, essa visão passa por um planejamento sério, entendendo principalmente a realidade de cada estado e o que é possível fazer dentro dela. "Claro que nenhum governo ou prefeitura resolverá todos os problemas, mas tem coisas muito importantes que podem ter grandes impactos. Como o primeiro dinheiro de um projeto, por exemplo. Ele é o mais difícil de conseguir, mas depois que aparece, as conversas avançam".

Decisões de investimentos

Miranda entende que o poder público precisa estar sempre atento às oportunidades que estão surgindo e que podem ser exploradas. Mas, nesse sentido, ele questiona como decidir onde aportar o dinheiro diante de tantas demandas igualmente importantes, e qual será a melhor maneira de fazer essas escolhas. Para Nunes, da Secult, a única forma de fazer uma política pública efetiva é conversando, entendendo as pessoas que trabalham ali na ponta da cadeia. "Sempre buscamos esse diálogo para tomar decisões. Com os editais da Lei Paulo Gustavo (LPG), por exemplo, fizemos consultas públicas com representantes de diversos setores. É triste porque a gente sempre quer fazer tudo, mas esbarramos em diversos desafios. Um deles é a Secretaria da Fazenda e da Economia, que sempre olha para a cultura como gasto, e não como investimento", disse, enfatizando que não se trata de uma crítica a um gestor em especial, e sim uma visão mais geral mesmo. Ela ainda afirmou que o Ministério da Cultura prefere o eixo Rio-São Paulo, e que quando chegam até eles falando que são de Goiás, o trato é diferente. "Eles são mais fechados. Mas a gente bate na porta, grita mais alto", brincou.

Coelho concorda que a resposta sobre as escolhas de investimentos passa pelo diálogo – a Spcine inclusive tem um Comitê Consultivo (do qual a Abranima faz parte) justamente para ouvir demandas que nortearão os planejamentos. No entanto, ela pontua que existem desafios para além das escolhas e estratégias, que é o lado da gestão pública e os trâmites burocráticos. "Por isso pensar parcerias entre entes federativos é incrível. Temos que estreitar relações e explorar possibilidades. No edital do Cash Rebate, por exemplo, a parceria entre cidade e estado foi muito positiva. Esses entraves precisam estar no consciente das pessoas que participam e fazem parte das políticas públicas. E, para além da escuta, tentamos buscar o lado dos dados também, através de pesquisas", concluiu.

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