Em cenário fragmentado, marcas precisam criar novos formatos, pensados para cada ambiente

Renata Fernandes, da Globo; Luis Camargo, IAB Brasil; Salomão Junior, da Magnite; e Breno Barcelos, do Google (moderador)

As novas fronteiras da mídia e a monetização das telas convergentes foram tema de debate nesta segunda-feira, dia 19 de agosto, no Congresso SET Expo, em São Paulo. O painel abordou as oportunidades de negócios e desafios de tecnologia no mundo das telas conectadas, num contexto onde as últimas fronteiras do offline estão se dissolvendo e a própria televisão está cada vez mais digital, e as principais oportunidades para as marcas se conectarem aos seus consumidores nessas jornadas fragmentadas. 

Diferentes stakeholders que fazem parte desse ecossistema participaram do papo. Diretora de produtos publicitários digitais da Globo, Renata Fernandes destacou que dentro da empresa, ao falar de TV aberta, é claro que a penetração dela num país como o Brasil, considerando especialmente sua gratuidade, é imbatível em termos de alcance. Mas eles têm valorizado para além disso a questão da simultaneidade. "Não é só sobre um volume de milhões de pessoas. Hoje, olhando na soma, vários meios e plataformas podem ter uma entrega para milhões de espectadores, dependendo do recorte. Mas quando falamos sobre entregar essa audiência ao mesmo tempo, não temos nada que chegue perto da TV aberta. Ela ainda tem muita importância dentro da cadeia estratégica de publicidade, principalmente para essa conexão entre audiência e marcas", afirmou. 

Uma vez que o ecossistema digital também traz uma série de vantagens competitivas – como segmentação, comunicação mais direcionada e estratégias que falem em momentos diferentes do funil de conversão -, o desafio é juntar, do ponto de vista de produtos publicitários, uma jornada única para as marcas. "É claro que um mundo mais abundante do ponto de vista de players e possibilidades, com mais lugares para anunciar, é rico para a cadeia como um todo, mas desafiador também. Hoje, a cadeia de veículos está hiper fragmentada. Coordenar essa fragmentação, ou seja, o volume de dinheiro que vai para cada meio ou plataforma, e depois ainda coordenar tudo isso num pós-venda para ter uma visão integrada entre agência e anunciante entenderem se aquele investimento teve retorno, é um grande desafio", apontou. Para Fernandes, outro ponto sensível é o fato de que os usuários não estão em um lugar só, o que significa que a mesma pessoa é impactada e reimplantada em diferentes momentos da jornada.

A Globo, enquanto empresa com muitas janelas e pontos de impacto com o consumidor, tem trabalhado nesse sentido. Há anunciantes que começam na TV aberta e depois vão migrando para a Pay TV e o digital, e vice-versa. "O que buscamos essencialmente é simplificar esse mundo que está cada vez mais complexo para o anunciante. É um cenário de muitas oportunidades, mas marcado por essa dificuldade de agregar informações". Salomão Junior, vice-presidente da Magnite, observou que essa fragmentação traz como vantagem a oportunidade para pequenos e médios anunciantes que querem entrar em grandes veículos como a Globo, uma vez que agora as possibilidades de janela são mais variadas e possuem diferentes números de alcance e engajamento de público. Já Luis Camargo, presidente do Comitê de Vídeo Digital do IAB Brasil, complementou que, para o consumidor, tanto faz qual é a plataforma – se ele está consumindo TV aberta, FAST ou VoD, por exemplo – essas diferenças importam mesmo para os anunciantes, que precisam resolver esse quebra-cabeça de múltiplas métricas. 

Marcas ganhando o ambiente de streaming  

O ecossistema de streaming, que por muito tempo foi composto em grande maioria por plataformas que funcionavam no modelo de assinaturas, hoje está migrando para um modelo com anúncios – ou mesmo híbrido. Do lado da indústria, a diretora da Globo avalia o movimento de forma positiva. O Globoplay – que ano que vem completa dez anos – nasceu com anúncios, muito por conta da Globo ser uma empresa de mídia que sempre lidou lado a lado com a publicidade. Ele também surgiu como forma de aposta nesse mundo de subscription, que é um modelo de negócio importante, mas ainda assim ela destaca as boas possibilidades com o mercado anunciante nesse espaço. "Sempre olhamos para o mundo do streaming sabendo que uma hora a publicidade ia chegar. Produzir conteúdo de qualidade é caro, então é difícil sustentar só com o modelo de assinatura. A chegada da publicidade nesse ambiente é rica para a cadeia como um todo. Para o usuário, é mais possibilidade de escolha – o streaming trouxe essa mindset do usuário no controle de tudo, do que quer ver, onde, como e quando, e as opções de assinaturas com anúncios reforçam esse ponto. Já para as marcas isso é rico porque também dá mais possibilidades, especialmente nesse ambiente de streaming que é mais íntimo, onde as pessoas ficam mais imersas no conteúdo", analisou. 

A partir daí, Fernandes entende que o grande desafio para as marcas está nos formatos, isto é, como criar formatos próprios para esse ambiente: "A busca é por formatos menos intrusivos, que não interrompam a experiência do usuário. A publicidade não precisa ser incômoda. Se ela de fato conseguir passar a mensagem que quer, pode ser muito útil. Afinal, somos todos consumidores". 

Camargo observa que, hoje, estar em todos lugares ao mesmo tempo é uma realidade, e que deve funcionar como provocação para as marcas. "Elas precisam saber como o consumidor está se comportando diante das telas – não só da TV, mas de todo esse contexto. Temos que entender quais são as novas possibilidades de comunicar", comentou, adiantando que, em breve, o IAB vai lançar um estudo sobre isso, trazendo possibilidades e cases que já existem. "Hoje, você tem que testar. Os cases recentes que tiveram mais impacto foram aqueles no qual as marcas toparam, junto dos veículos, experimentar coisas novas e aprender com essas experiências. Movimentos de testes e aprendizados nos ajudam a desbravar grandes oportunidades".

Salomão Junior, por sua vez, chama a atenção para a qualidade dos anúncios. "Vejo muito, especialmente nessas grandes plataformas de streaming, a preocupação de manter a qualidade tanto da publicidade quanto do conteúdo. Os breaks são pensados e bem organizados. As empresas já se preocupam em não colocar mais de um anúncio de uma mesma categoria no mesmo break, por exemplo", exemplificou. "No canal FAST é mais complexo porque você precisa respeitar o tamanho do break. No VoD, já é mais fácil, você pode usar o contexto. A maioria das plataformas tem pelo menos algum dado de login ou do device que consegue qualificar um pouco mais aquela entrega. Existe uma preocupação com isso. Mas no fim das contas o importante é o retorno financeiro, então tenho visto esse balanceamento entre boa qualidade e pagar as contas", completou. 

Distribuição: competição, mas parcerias também

Outro desafio passa pela distribuição. Camargo relembra que, antes, existia somente a grade linear, com começo, meio e fim, e que no digital o cenário é diferente – e cheio de nuances. Ele cita o fato de que hoje, quando um consumidor liga sua Smart TV, quem decide e recomenda o que ele irá assistir, pelo menos em um estágio inicial, é a própria TV – Samsung ou TCL, por exemplo, que são os sistemas operacionais líderes: "A dinâmica para o consumidor de descobrir conteúdo não está necessariamente em quem produz o conteúdo, e sim no sistema operacional. Essa dinâmica de consumir e o papel que a televisão em si tem nessa jornada muda, e é importante que quem produz entenda essa variante". 

Para ele, lojas de aplicativos são verdadeiras ferramentas de marketing. "O papel delas é, da melhor forma possível, entender o que o consumidor está buscando e disponibilizar esses dados para os donos do conteúdo, como a Globo, para deixar esse processo de descoberta mais fácil. A relação de quem produz conteúdo com as lojas é de shopping. Você precisa ter seu conteúdo 'na promoção', uma série de coisas para atrair esse consumidor. A plataforma que dá isso para esse ecossistema ou são as lojas de aplicativos ou os próprios televisores com sistemas operacionais", opinou. 

Fernandes traz a máxima de que o conteúdo é rei e a distribuição é rainha e garante que isso não é dito à toa: "É um mundo de parcerias. Somos frenemies – às vezes competimos, às vezes nos alavancamos. As coisas ficaram muito complexas do ponto de vista de relações e não há perspectiva de que esse mundo fique mais simples. Produtores de conteúdo se alavancam das plataformas de distribuição e vice-versa. E tem também todos os layers de sistemas operacionais. Tudo é muito interligado. As empresas aprenderam a trabalhar juntas e entender em quais momentos competem e em quais fazem parcerias". 

Mensuração e métrica 

E nesse cenário de fragmentação, as métricas também se tornaram mais complexas. "No mundo digital, o ganho que temos desse ponto de vista é inegável. Trabalhamos com dados censitários e um maior conhecimento sobre quem é o usuário, e assim conseguimos trazer um olhar mais individualizado, pensado para cada jornada. No entanto, se não tivermos parametrização, há o risco de cada um correr para um lado", mencionou Fernandes. "Cada plataforma ou meio tem uma métrica. E, muitas vezes, métricas que não necessariamente geram números absurdos. Estamos hoje na era dos bilhões – de views, de minutos assistidos – mas o que isso quer dizer na prática?", questionou. Ela ressaltou que essa avaliação é importante para que as métricas estejam associadas a geração de valor – no fim das contas, elas precisam ajudar a responder desafios de negócio. "Se forem só números para impressionar e dizer que alcança bilhões, aquilo pode ficar vazio e não ajudar em nada. Pelo contrário: atrasam as estratégias porque dão a impressão de sucesso, quando na verdade os desafios não estão sendo endereçados por aqueles números. Precisamos discutir o que é necessário nesse sentido. Temos visto empenho dos institutos de pesquisa, por exemplo, e acho que devemos falar mais sobre isso". 

Para Camargo, a conversa parte do ponto de que não existe métrica única. "Cada uma serve para justificar um retorno e um valor. Temos que chegar mais próximo do que é comparável – de onde estou saindo e para onde vou. Mas, mais do que isso, precisamos saber o que queremos construir, isto é, quais os objetivos da marca. E não há métrica única que resolva todos os problemas que ela tem. Até porque consumimos em lugares diferentes", argumentou. "Se não dá para medir, não dá para melhorar. A partir do momento que tenho mais métricas disponíveis consigo agir de forma mais eficiente dentro desse ecossistema. É um trabalho de construção e desafio nosso". 

Fernandes conclui que, no final, as métricas precisam conversar. A cadeia de investimentos publicitários está em diferentes plataformas e continuará assim. Por isso não tem como ter uma métrica para juntar todas essas plataformas – mas elas minimamente precisam conversar, até porque as estratégias se complementam. "Se essa discussão não acontecer vamos continuar no mundo fantasioso dos bilhões, o que não necessariamente fala sobre o seu desafio de negócio". 

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