O Ministério da Cultura encerrou essa semana em Brasília a última etapa de diálogos regionais sobre o Plano de Diretrizes e Metas (PDM) 2025-2034, uma das ferramentas mais estratégicas para o futuro do audiovisual brasileiro. O PDM é um plano de longo prazo que traça diretrizes e metas para políticas públicas, definindo parâmetros para programas e projetos no setor audiovisual no Brasil e sendo de responsabilidade da Secretaria do Audiovisual e do Conselho Superior de Cinema.
O último PDM contemplou o período de 2011 a 2021, e desde então o setor audiovisual ficou sem um norte claro para avaliar progressos e definir novos rumos. Embora o PDM 2011-2021 não tenha sido completamente avaliado pelo Governo Federal, dificultando uma análise mais precisa dos avanços e limites da década passada, os dados do Anuário Estatístico do Audiovisual Brasileiro 2022 da Ancine nos oferecem uma base para discutir os desafios e oportunidades para o desenvolvimento do audiovisual nos próximos 10 anos. Ao extrair e analisar alguns dados do anuário cabe destacar três questões que chamam a atenção:
Retração econômica do audiovisual – Praticamente todos os indicadores econômicos do audiovisual apresentaram retração no período (2013 – 2022). A análise dos dados mostra uma queda significativa nos indicadores de emprego, empresas ativas, renda do trabalho e valor adicionado no setor audiovisual. Essa retração persiste mesmo quando excluído o impacto direto da pandemia, evidenciando a necessidade de políticas robustas para revitalizar o setor e a proposição de uma estratégia de desenvolvimento industrial. Cabe destacar que, para além da pandemia, o Brasil como um todo foi impactado por um período de forte retração do seu PIB entre 2015 e 2016.
Produção cinematográfica: crescimento sem impacto proporcional – Embora a produção de filmes brasileiros tenha aumentado no período, o retorno econômico e de público não acompanhou esse crescimento. Em 2013 os filmes brasileiros representaram 32% das obras lançadas em salas de cinema. A participação diminuiu nos anos seguintes, mas logo se recuperou, com filmes nacionais representando 45% dos lançamentos em 2022. Porém, nesse mesmo ano, apenas 4% da receita de bilheteria veio de filmes brasileiros. Ou seja, a cada 100 filmes lançados no Brasil, 45 foram filmes brasileiros, mas a cada R$100 gerados nas bilheterias, apenas R$4 foram fruto de obras nacionais. A produção aumentou, mas o alcance social e de mercado continua desafiador.
TV paga como janela de difusão do audiovisual nacional – A TV por assinatura viu sua base de assinantes diminuir drasticamente, despencando de aproximadamente 18.8 milhões de assinaturas em 2016 para 12.5 milhões em 2022. Cabe o debate dos motivos e dos impactos da ampliação do mercado de VOD no período, mas o fato é que mesmo com essa redução em sua base, a presença de obras brasileiras, independentes ou não, obteve um sólido crescimento na programação dos canais. O que pode ser associado ao sucesso da regulação desse mercado a partir de 2011 por meio da Lei de Serviço de Acesso Condicionado (Lei nº 12.485/2011), nos fazendo pensar sobre o futuro dessas janelas e canais enquanto oportunidades para a difusão do audiovisual brasileiro.
Os pontos aqui levantados, de forma alguma pretendem esgotar o debate, mas levantam um ponto central: mesmo com os esforços de fomento à produção, o cinema brasileiro ainda enfrenta grandes desafios. O foco quase exclusivo em editais para produção enquanto política audiovisual e o aumento do número de filmes não tem garantido maior alcance social ou impacto econômico necessário para o pleno desenvolvimento industrial do setor. Esse diagnóstico aponta para a reflexão de que é uma ilusão pensarmos que apenas o recente incremento descentralizado de recursos para a produção, como os destinados por meio da Lei Paulo Gustavo entre outros editais, significará o aumento do alcance e impacto socioeconômico do audiovisual brasileiro. Além disso, a falta de regulação e de dados sobre o mercado de VOD dificultam uma avaliação mais completa do cenário.
Portanto, é fundamental para o exercício de formulação do PDM 2025 – 2034, que sejam reconhecidos esses gargalos, definindo objetivos e metas que possam ser implementadas por meio de uma política audiovisual brasileira ampla e ambiciosa. Embora seja importante reconhecer os inegáveis avanços do último período, como a regulação da TV paga e a nacionalização e ampliação da produção brasileira, é igualmente crucial enfrentar os desafios remanescentes do passado, enquanto se projetam as novas oportunidades que as transformações tecnológicas e de comportamento estão proporcionando à sociedade.
Muito boa a reflexão!
"é uma ilusão pensarmos que apenas o recente incremento descentralizado de recursos para a produção […] significará o aumento do alcance e impacto socioeconômico do audiovisual brasileiro". Trocando em miúdos, o que falta ao cinema brasileiro é público. Consequência do péssimo produto entregue. É como numa feira: se o tomate está caro, as pessoas compram pouco (mas ao menos compram); mas se o tomate está podre, ninguém quer.