Lei do SeAC pode mudar para incluir obrigação de carregamento de retransmissoras de TV

À medida em que se analisam as emendas apresentadas à MP 1.018/2020, que trata da desoneração do Fistel para estações VSAT, mais "jabutis" aparecem, ou seja, alterações em regras que não têm relação com o objeto da Medida Provisória. E um deles tem um impacto significativo para as operadoras de TV por assinatura. O texto aprovado pela Câmara muda sensivelmente o escopo dos canais obrigatórios que precisam ser carregados pelas operadoras de TV paga. Isso porque uma das emendas altera a Lei 12.485/2011 (Lei do SeAC) e passa a enquadrar retransmissoras de TV, e não apenas geradoras, entre os radiodifusores que podem exigir o carregamento de seus sinais pelas operadoras do Serviço de Acesso Condicionado (TV por assinatura). A diferença entre geradoras é que estas são concessões de TV e podem produzir programação própria e vender comerciais. Já as retransmissoras, como o próprio nome diz, apenas retransmitem os sinais de geradoras, sem conteúdo próprio (exceto na Amazônia Legal).

Atualmente, a regra da Lei do SeAC prevê que as geradoras analógicas devem ser carregadas nas praças em que operam. No caso de já estarem digitalizadas, elas podem negociar um valor pela distribuição ou, não havendo acordo, podem exigir o carregamento gratuito. Caso haja alguma limitação técnica, cabe à Anatel decidir o que fazer. Para as operadoras que usam o cabo como tecnologia de distribuição essa regra nunca foi problemática porque como a operação é local, basta levar os sinais das geradoras daquela cidade. Mas para as que operam DTH seria impossível, pois são mais de 800 geradoras nacionalmente. Por isso a Anatel estabeleceu uma regra na Resolução 581/2018, que prevê um limitador: só devem ser carregados aquelas geradoras "pertencente a um conjunto de estações, sejam geradoras locais ou retransmissoras, e caracterizado pela presença em todas as regiões geopolíticas do país, pelo alcance de, ao menos, um terço da população brasileira e pelo provimento da maior parte da programação por uma das estações para as demais". Existem 16 geradoras nessas condições, que são chamadas de "redes nacionais" (apesar desse termo não ter uma definição jurídica).

O que a mudança trazida na MP do Fistel faz é alterar a Lei do SeAC para que as "as retransmissoras (…) pertencentes a um conjunto de estações, sejam geradoras locais ou retransmissoras, com presença em todas as regiões geopolíticas do país, e pelo alcance de, ao menos, um terço da população brasileira com o provimento da maior parte da programação por uma das estações" tenham o mesmo tratamento legal das geradoras locais.

Na prática, o efeito é multiplicador da quantidade de emissoras que poderiam pleitear esse direito junto às empresas de TV paga. Empresas de radiodifusão que hoje operam apenas como retransmissoras poderão reclamar um lugar à mesa com as operadoras de cabo e DTH para negociar a sua distribuição e, não havendo acordo, poderão exigir o carregamento gratuito.

As operadoras de TV paga poderão alegar impossibilidade técnica e o assunto será jogado para a Anatel, que provavelmente usará a regra já existente: exigir a distribuição apenas das 16 redes nacionais. Mas as emissoras ganham poder de barganha e, mais importante, ganham carregamento gratuito caso não haja acordo comercial. Hoje, algumas operadoras de TV a cabo cobram para distribuir retransmissoras de TV quando elas não se enquadram nas previsões legais.

Para as operadoras de DTH as implicações devem ser menores porque elas já são obrigadas a pedir uma exceção por conta das limitações técnicas e já seguem a regra das 16 redes nacionais. Mas para as operadoras de cabo o cenário será novo e de negociação complexa.

O paradoxo é que esta ampliação de obrigações decorrente da mudança na Lei do SeAC surge justamente em um momento em que a Anatel tem defendido uma desoneração regulatória dos serviços de TV por assinatura para torná-los mais competitivos em relação aos serviços de streaming.

As 16 "redes nacionais" definidas pela Anatel em regulamentação são: 

  • Band
  • Canção Nova
  • Globo
  • Ideal TV
  • Rádio e TV Aparecida
  • Record
  • Record News
  • Rede Brasil de Televisão
  • Rede Internacional de Televisão
  • Rede CNT
  • Rede RBI
  • Rede TV!
  • Rede Vida
  • SBT
  • TV Cultura
  • TVCI

Para as operadoras de TV paga, o tema é delicado e potencialmente ruim, mas está sendo ponderado no contexto dos benefícios que a MP do Fistel também está trazendo ao setor: liberar os serviços de vídeo-sob-demanda (VoD) do pagamento da Condecine-Título. Mas há quem avalie que a uma obrigatoriedade de carregamento de canais não pode ser criada para outorgas já estabelecidas, e uma judicialização é provável caso a MP 1.018 venha mesmo com estas alterações. Lembrando que ela foi aprovada na Câmara mas ainda depende de aprovação no Senado.

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