A Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan) marcou presença no Festival de Cannes em maio de 2025 com o lançamento da campanha "Cinema Negro é Cinema Brasileiro". Esta foi a primeira vez que a presença negra brasileira no festival contou com uma ação coletiva articulada pela entidade. Com 21 associados participando de diferentes atividades da programação, a iniciativa buscou reafirmar o compromisso da Apan com a Reparação Histórica e a defesa da ampliação das políticas públicas voltadas à diversidade no setor audiovisual.
A ação da Apan em Cannes ocorre em um contexto global de avanço de discursos antidemocráticos e de ataques à diversidade, mobilizando redes e talentos para reforçar a pluralidade como central para o cinema brasileiro. "A presença da Apan no festival é reflexo direto da atuação da entidade como uma das principais articuladoras do audiovisual negro no Brasil e na América Latina. A ação deste ano em Cannes é um chamado à indústria, festivais e políticas públicas, dando um recado importante ao público e reafirmando a importância da diversidade que faz do Brasil um país de referência na defesa dos valores democráticos, plurais e antirracistas", afirmou Keyti Souza, diretora administrativa da Apan, durante uma mesa oficial no dia 18 de maio.
A campanha "Cinema Negro é Cinema Brasileiro" materializou-se com a exibição de um vídeo manifesto que abriu falas de associados no festival. O vídeo, com imagens de filmes negros e indígenas, apresenta a Reparação Histórica como um compromisso urgente do setor e denuncia os apagamentos no audiovisual brasileiro. Esta pauta está conectada a discussões em instâncias como a ONU, OEA e o Fórum Permanente da População Afrodescendente.
Um dos focos da campanha é a ampliação das Ações Afirmativas, defendendo o conceito de "Empresas Vocacionadas para a Reparação Histórica". Esta tipologia refere-se a empresas geridas por 51% ou mais de pessoas negras e/ou indígenas, dedicadas à produção de conteúdos audiovisuais que desconstroem estereótipos pejorativos. O conceito visa direcionar Políticas Afirmativas também para agentes econômicos de alto impacto social.
Diversos associados da Apan apresentaram projetos e obras no festival. No Marché du Film, foram destacados "Anna en Passant", longa-metragem de animação de Fernanda Salgado (MG) em pós-produção; "Tempestade Ninja", longa-metragem em desenvolvimento com roteiro e direção de Higor Gomes e produção da Ponta de Anzol; "Criadas", com roteiro e direção de Carol Rodrigues (SP) e produção da Gato do Parque e Volta Filmes, em parceria e coprodução com Telecine e Canal Brasil; e "Não estamos sonhando", de Ulisses Artur (AL), com produção da Céu Vermelho Fogo Filmes e distribuição da Fistaile, de Talita Arruda (BA).
No CannesDocs, foram apresentados "El vol de la Cigonya", de Matheus Mello, uma coprodução Catalana-Catariana, e "Eu Ouvi o Chamado: Retorno dos Mantos Tupinambá", com direção de Myzra Muniz e Robson Dias em parceria com Célia Tupinambá. Na seção AfroCannes, foi exibido "Meu Pai e a Praia", de Emerson Dindo.
Participaram de painéis Viviane Ferreira (BA), Keyti Souza (BA), Bethânia Maia (DF), Chica Andrade e Juliana Vicente (SP), da Preta Portê Filmes. Juliana Vicente também apresentou os filmes "Cores de Maio" e "Construindo a Rainha", ambos com direção sua e produção executiva de Diana Costa, participou de uma mesa sobre coprodução com a África do Sul com Keyti Souza e foi destaque como "Spotlight Producer" no Producers Network.
A campanha parte do princípio de que "não existe cinema brasileiro sem o protagonismo de seus povos originários e da população negra". O manifesto da APAN afirma: "Na trajetória do Brasil, os povos indígena e negro tiveram suas culturas, crenças e saberes apagados e desacreditados. 'Isso é coisa de preto', diziam. 'Isso é coisa de indígena', falavam. Como se estar associado às nossas identidades tornasse tudo menor, menos digno. […], Mas com luta e resistência, os tempos mudaram." O texto também questiona tentativas de silenciamento no audiovisual: "Dizem por aí que o cinema que fazemos é 'filme de indígena', 'filme de preto'. Mas o que seria do Brasil sem as histórias, os rituais, os ritmos e os saberes dos nossos povos?". A resposta é reiterada: "Cinema Negro é Cinema Brasileiro".
A campanha, com narração da atriz Jamile Kasumbá, contou com o apoio de Empresas Vocacionadas para a Reparação Histórica, realizadores negros e indígenas, além da Tambellini Filmes e Ello Estúdios, que cederam imagens. Entre os parceiros e realizadores envolvidos estão Casa de Criação Cinema, Filmes de Plástico, Lata Filmes, Odun Filmes, Ori Imagem, Oxalá Produções, Pretaporte Filmes, Rosza Filmes, Tem Dendê, e coletivos como Dajekapapeypi. Cineastas da Katahirine – Rede Audiovisual de Mulheres Indígenas, como Michele Kaiowá, Sophia Pinheiro, Olinda Yawar Wanderley, Graci Guarani e Bárbara Matias Kariri, também são parceiras.
A campanha "Cinema Negro é Cinema Brasileiro" seguirá sendo difundida após o Festival de Cannes, com o objetivo de convocar o setor audiovisual e a sociedade a se engajarem na valorização das narrativas negras e indígenas. A Apan, fundada em 2016, atua no fortalecimento de profissionais negros no setor, promovendo formações, redes de apoio e ações de incidência política com foco na equidade racial e democratização do acesso aos meios de produção cultural.