Christian de Castro pede menos enfrentamento por parte do setor e culpa gestões anteriores pelo atual cenário

Na última terça-feira, 20, primeiro dia do Gramado Film Market, braço do Festival de Cinema de Gramado voltado ao mercado, a produtora Mariza Leão, responsável por sucessos da cinematografia nacional como a franquia "De Pernas Pro Ar", que protagonizou uma das maiores polêmicas recentes do audiovisual brasileiro, comandou um painel sobre o panorama entre o setor no Brasil e na Argentina ao lado da produtora latina Paula de Luque. Na ocasião, Mariza criticou as recentes declarações de Christian de Castro, diretor presidente da Ancine, que pediu às produções brasileiras capacidade de conquistar o público para não enfrentarem situações como essa da qual o filme foi vítima. Nesta quarta, 21, o próprio Castro comandou um painel, onde discorreu sobre suas recentes afirmações, bem como os planos futuros da Ancine e como a agência enxerga o atual momento.

Christian abriu a apresentação dizendo que a estrutura do nosso audiovisual está baseada em marcos legais muito bem estabelecidos, e que qualquer mudança de estrutura em uma agência reguladora demanda uma mudança legal. Em seguida, o diretor fez um resumo das principais frentes de atuação de sua gestão, ressaltando que foi feito um "turnaround" completo da instituição, diminuindo gastos, como custos de contratos e servidores terceirizados. Outros destaques por ele apontados foram a ampliação do número de servidores em cargos de gestão e assessoria, mais servidores efetivos em cargos estratégicos para operação, fomento e regulação de mercado; empoderamento das áreas técnicas, com uma delegação de maior autonomia de deliberação; e uma gestão baseada em dados, a exemplo da nova metodologia de pontuação automática do FSA.

Ao abordar os dados positivos do setor, tais como o aumento do número de salas de cinema, Castro falou indiretamente da questão da cinematografia nacional: "Apesar do número crescente de salas, ainda temos uma sala para 65 mil habitantes. É muito pouco. Precisa ter competitividade para o filme brasileiro entrar no cinema.".

Um dos diagnósticos declarados pelo diretor foi o seguinte: o aumento do número de projetos colapsou a operação da Ancine. Segundo ele, não houve tecnologia ou servidores que fossem capazes de suportar esse aumento. "É um volume de projetos enorme para processar, aprovar, acompanhar, prestar contas, contratar. Precisaria de um servidor, de gente para dimensionar o sistema.", disse. "O FSA priorizou a produção e a modalidade de investimento. Foi dimensionado como investimento retornável, o que não se comprovou. O aumento das produções não foi acompanhado pelo aumento de resultados. 40% dos títulos comercialmente nas salas de cinema são brasileiros, mas o market share nacional de público é praticamente constante – por volta de 12, 14, 16% – ou seja, não acompanha, não reflete na receita. A gente aumenta o investimento mas não corresponde na ocupação de mercado. É isso que o tesouro enxerga: eles não veem como investimento porque não tem retorno.", completou. Para Castro, a agência entendeu que é necessário ajustar a capacidade operacional, isto é, o plano de ação do TCU. "A capacidade operacional da agência foi ao limite. É com isso que estamos lidando desde o ano passado.".

Planos futuros

É de conhecimento geral que os planos da Ancine seguem tópicos como incremento de força de trabalho por meio remoção de ofício e reestruturação das áreas de fomento; Revisão das INs 125 e 124; automação das atividades do processo de prestação de contas por meio do Sistema de Triagem Financeira; e Alterações na tese de investimento do FSA. O diretor comentou ainda sobre os problemas regulatórios: "No comparativo com o contexto global do ecossistema da comunicação audiovisual, nossa regulação está atrasada em muito tempo. Ela ainda não aborda streaming, estamos restritos ao ambiente linear. Os gigantes de TI e os serviços de streaming mundiais estão atrás de conteúdo, estamos presenciando fusões de grandes companhias motivadas pelo ganho de conteúdo. O mundo inteiro está atrás disso. É um jogo global, a competitividade só aumenta. Nosso regramento restringe modelos de negócios: é super regulado de um lado e carente de regulação do outro.".

Diante de tendências elencadas, como verticalização internacional, profusão de modelos de negócios e de entrega de conteúdos, ambiente de inovação afetado por disrupção tecnológica e novos investidores e novas estratégias para diminuição de riscos de lançamentos por meio de análise de dados, a Ancine apresenta um prognóstico de aumento da competitividade e faz um comparativo entre a "lógica até então" e o "futuro". No primeiro tópico, estariam aporte projeto a projeto, lógica de investimento e aporte em produção; no outro, aporte em empresas, lógica de crédito (financiamento) e fortalecimento da infraestrutura e das empresas brasileiras, tornando-as mais competitivas frente às estrangeiras. Castro detalha: "Precisamos olhar para as empresas. As produtoras independentes não têm estrutura de capital para bancar esse negócio, que é tão intensivo em capital. Ninguém banca orçamento de série sozinha. Não temos cinco produtoras que conseguem fazer isso. Em outro país, elas estariam entre as dez maiores empresas em termos de valor de mercado. Mas aqui, elas não têm capacidade de crescer, não alavanca capacidade de crédito porque tem pouca estrutura de capital. Não dá para viver mais só de recurso. Se fosse investimento, retornava. Essa é a lógica do termo 'investimento', ele pressupõe recuperação de recursos somada ao retorno.".

Fica claro que os planos da atual diretoria da agência são bastante calcados no discurso econômico. Para Castro, o aumento da competitividade se daria a partir de pontos como alavancagem dos modelos de negócios, das empresas brasileiras e das obras audiovisuais brasileiras. No que diz respeito aos modelos de negócio, a alavancagem se daria por meio de ações como supressão dos artigos quinto e sexto da Lei 12.485/2011, distinção definitiva entre o ambiente de internet (SVA) e a Lei do SeAC e ampliação da proposta de regulação de VoD, incluindo não só streaming, mas conteúdos lineares. Já em relação às empresas, as iniciativas girariam em torno de tópicos como investimento em tecnologia, empresas via FIP e capacitação; aumento de previsibilidade e autonomia; alavancagem financeira e operacional; e criação de portfólio de propriedade intelectual. E, por fim, a alavancagem de obras se daria pelo aumento do valor aportado em obras audiovisuais, buscando competitividade face ao produto internacional, tanto no mercado doméstico quanto no externo; aumento dos limites de aporte via Artigos 3º e 3ºA; prorrogação dos benefícios fiscais previstos nos Artigos 1º e 1ºA; e flexibilização dos requisitos para obras serem consideradas brasileiras.

Embate com os produtores

O clima durante o painel não foi ameno. Os produtores audiovisuais presentes, em sua maioria da região Sul do país, questionaram as paralisações de recursos por parte da agência, criticando a atual gestão e as recentes medidas adotadas, que alguns chamaram de "indecentes" e "indignas" para o setor.

Diante dos comentários, Castro declarou: "Se a Ancine está paralisada, é porque a operação foi errando ao longo do tempo, porque se aprovou mais projetos do que a agência tinha capacidade de aprovar. O atual momento é fruto de um processo que vem acontecendo há mais de dez anos, não é algo de agora. A máquina não tinha como aguentar. Hoje, queremos consertar isso. O que estamos fazendo hoje é correr atrás de recuperar o que foi feito de errado no passado. Não sou eu quem está dizendo, o diagnóstico está nos relatórios do TCU. São os órgãos de controle do Governo que, analisando as gestões anteriores, enxergaram esse problema. Lutamos justamente para não deixar esse processo parar. Eu sou um produtor independente, só 'estou' diretor da Ancine. Eu sei que o cenário é difícil. Estamos atrás de uma forma de fazer o negócio andar e trabalhamos todos os dias para isso.".

Alguns dos presentes questionaram Christian a respeito do que poderia ser feito, por parte dos produtores, para, como ele disse "fazer o negócio andar". A resposta do diretor foi: "Estabelecer um discurso de menos enfrentamento e tentar compreender as motivações. O enfrentamento é uma alternativa ruim. Que tal conversar? Apresentar argumentos? Não é um jogo de medir forças, e sim de diálogo. Nossa governança é aberta.".

4 COMENTÁRIOS

  1. "Turnaround", ou seja, colocar nos cargos de comando só quem sofreu busca e apreensão pela Polícia Federal e tenha tido conduta desidiosa em análise de prestação de contas pelo TCU, ainda colocando como Secretário Executivo responsável pelo Plano de Ação, quem aprovou indevidamente as contas do "A Deriva".
    Deixou o ano de 2019 sem cota de tela por ter arrasado com a Superintendência de Mercado por perseguição pessoal a servidores.
    Aliás, até o presente momento não se solucionou o problema da prestação de contas, nem sequer uma nova Instrução Normativo, isso depois de mais de uma ano sem nada fazer.
    Cortou uns postos de trabalho de vigilante e garçom, aumentou outros de secretário, como se fosse uma grande economia.
    A gestão anterior, Debora Ivanov, cortou os postos de motorista, economia muito mais significativa, e não atacou Diretores ou servidores de gestões anteriores.
    Sobre as pseudo-remoções, muitos servidores já saíram da CPC, não houve nenhum plano de capacitação para os servidores removidos, foram simplesmente jogados, muitos escurraçados da área-meio.
    Christian só engana aqueles que com ele se alinharam por cargo em comissão e por cursos no exterior.

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