A criação no Brasil de uma contribuição para big techs com uso intensivo da rede (o chamado “fair share” na cadeia de telecom, ou contribuição justa) é encarada pelas principais emissoras de TV do País como um risco para estratégias de streaming e TV 3.0 dos grupos de mídia.
O assunto foi abordado nesta terça-feira, 20, durante a SET Expo 2024, realizada esta semana em São Paulo. No evento do setor da radiodifusão, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) explicitou receios que levaram a cadeia a se alinhar com as big techs contra a possível cobrança sobre grandes geradoras de tráfego.
Diretor geral da entidade, Cristiano Lobato Flores explicou que o mecanismo poderia colocar em risco a própria migração para a economia digital da cadeia – em curso por meio de streamings próprios e da implementação da TV 3.0. “O ambiente digital é fronteira e terreno de atenção para o modelo de TV aberto”, lembrou o dirigente.
Neste sentido, há temor que as próprias emissoras de TV se tornem sujeito passivo da contribuição, a depender do crescimento de plataformas como o Globoplay, da Globo, ou o +SBT, do SBT. No limite, um serviço do gênero próximo de se tornar “heavy user” poderia até mesmo avaliar se vale a pena crescer mais e assumir eventuais custos, diz Flores.
A preocupação com o fair share também vale para a TV 3.0, vista pela radiodifusão como oportunidade de agregar modelos de negócio do mundo digital (como segmentação e maior interatividade). No padrão está prevista uma integração dos canais de TV com as redes de Internet, o que também deve aumentar o consumo de tráfego induzido pelas emissoras.
Vale notar que além da Abert, a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel) também está contra a criação da cobrança para usuários intensivos das redes. Na última semana a entidade ingressou na Aliança pela Internet Aberta (AIA), que agrega uma série de segmentos contrários ao fair share, incluindo as grandes plataformas.
Divergências
Diretor executivo da AIA e também presente na SET Expo, Alessandro Molon reiterou a discordância com a criação da contribuição. “Essa é uma solução equivocada para um problema que não existe no Brasil“, afirmou o ex-deputado federal.
Segundo ele, a instituição do mecanismo – ou a “taxa de rede”, como prefere – significaria uma cobrança dupla para usuários finais. Isso porque ela refletiria em aumento no preço de serviços como o Netflix para assinantes que já pagam banda larga para acessar conteúdo.
O diretor da Aliança também recordou premissas dos estudos já apresentados pela coalizão à Anatel. Entre elas, a projeção de menor ritmo de crescimento de tráfego nos próximos anos, o retorno sobre capital investido satisfatório na cadeia de telecom e contribuição das big techs em investimentos em data centers, cabos submarinos e CDNs.
Já o presidente executivo da Conexis, Marcos Ferrari, questionou a metodologia utilizada nas conclusões da AIA. A previsão que o crescimento do tráfego vai desacelerar e a comparação da lucratividade de telecom com setores de infraestrutura menos intensivos em capital, por exemplo, são premissas que a cadeia não concorda.
Ferrari também afirmou que o setor de telecom não defende a criação de uma “taxa” para as big techs, mas a possibilidade de se estabelecer diálogos entre as empresas de Internet e de telecom (o que abriria espaço para possíveis acordos). Para isso, a Conexis defende uma atuação regulatória da Anatel sobre o tema.
“Para o uso sustentável da rede, é necessário que haja outros financiadores para usuário final ter serviços melhores, [inclusive] com clareza de onde reclamar”, apontou Ferrari. Ele relata como um dos problemas para a cadeia o momento em que o usuário não consegue saber de onde vem a falha, direcionando reclamações sobre big techs para as operadoras.
“Um dia que WhatsApp fica fora do ar são cinco mil pessoas a mais no call center para uma operadora. É um custo regulatório”, afirmou Ferrari. Um caráter finito e escasso da capacidade das redes de telecom também foi pontuada pelo dirigente, que classificou como “efeito carona” a dinâmica das big techs se valerem da infraestrutura sem pagar nada.
Cronograma
Na Anatel, contudo, o tema do fair share ainda tem um longo caminho pela frente. Conselheiro da agência presente na SET Expo, Artur Coimbra afirmou que a agência espera para o final de 2024 o relatório sobre a segunda tomada de subsídios realizada sobre o tema.
A partir do documento que será tomada a decisão sobre a instituição ou não da cobrança para as big techs. No caso do fair share prosperar, um regulamento para o tema ainda precisaria passar por consulta pública própria em 2025, notou Coimbra. “Isso na hipótese de identificação de problema e de uma proposta normativa”, observou.