"Abrir espaço para filmes independentes é uma questão política", diz Adhemar Oliveira

Nesta quinta-feira, dia 21 de outubro, o Reach – braço do BrLab voltado às discussões de audiência e mercado – promoveu uma conversa aberta com o exibidor Adhemar Oliveira no encerramento da edição de 2021 do evento. Durante o papo, Oliveira relembrou o início de sua carreira na área e refletiu sobre o futuro das salas de cinema. 

"O mercado de exibição lá atrás era carteirizado. Quem não estava dentro desse mercado não se estabelecia. Boa parte dos filmes independentes, especialmente os brasileiros, não entravam nesse hall. Houve um casamento entre iguais nesse sentido: a gente fazia pré-estreia de filmes brasileiros e tentava colocar aqueles que, comercialmente, Não tinham uma vida de longo alcance. Fizemos uma aliança com o cinema brasileiro e apostamos em títulos renegados no mercado, Em 94, passamos oito filmes brasileiros. Fomos a ponta da lança com essa postura de acreditar no produto", contou. "Sempre quis mostrar que esse filme independente tem lugar em qualquer cinema – foi quando criamos o conceito de artplex. Abrir espaço para filmes independentes é uma questão de política de programação", defendeu. 

O exibidor reforça: "Se eu quero exibir um filme brasileiro, esse é um ato político e econômico. Cria espectador, faz o dinheiro circular, cria um campo de debate de ideias e estéticas, vende o país pra fora. Abraçar o filme brasileiro é abraçar uma comunidade de pensamento local. Minha tentativa sempre foi construir um circuito o mais amplo possível para esse tipo de filme. E casar esses filmes com os comerciais é o que torna esse circuito independente". 

Mudanças na comunicação dos cinemas 

Oliveira, que está nesse mercado há mais de 30 anos, pontuou algumas mudanças marcantes que viu acontecer na dinâmica das salas de cinema com o passar do tempo – entre elas, as formas de comunicação dos filmes. Antes, os cinemas anunciavam em suas fachadas o que estava passando e as filas na porta indicavam o sucesso – ou não – dos filmes. "Hoje, nem tem fachada direito no cinema. E não tem fila, porque todo mundo compra ingresso pela internet", comenta. "Mas o que leva as pessoas a ver determinado filme continua parecido, como as críticas especializadas e os festivais. A pandemia até tentou mudar isso – os festivais passaram a ser online e, assim, deixaram de ser de tal cidade para ser do mundo tudo. Festival era feito para despertar o desejo das pessoas assistirem a determinado filme e, agora, todo mundo pode assistir facilmente. Isso joga contra a indústria. Não sabemos como será com o fim da pandemia, se os festivais continuaram sendo chancelas para que as pessoas assistam aos filmes no cinema", reflete. 

O cinema como encontro 

"O que não mudou é que quem compra um ingresso de cinema ainda tem a ilusão do encontro, a vontade de encontrar com o desconhecido", afirma. "A experiência é totalmente diferente do que a de assistir a um filme em casa o que, agora, ninguém aguenta mais. No cinema, você está rodeado de desconhecidos. A única coisa que une o público no cinema é o olhar para tela, é o que faz a gente conversar entre si naquele ambiente. É um ritual que te coloca num momento de transformação. É a quebra da obrigação que o nosso cérebro tem hoje em dia de acompanhar cinco coisas ao mesmo tempo. O olhar pra tela em conjunto faz com que a gente veja uma nova obra. Espero que depois da pandemia a gente volta. Acredito muito nisso. A magia ainda está lá", descreve. 

Streaming: o novo elemento 

É claro que, durante a pandemia, o streaming foi um grande aliado do audiovisual – dos filmes especialmente. Oliveira não é contra as plataformas – ele, na verdade, as vê como um novo elemento do mercado: "As salas de cinema ainda são concentradas em determinadas cidades. Melhorou muito, mas elas ainda são. Por isso mecanismos como o streaming e a TV a cabo democratizam mais, em termos de acesso. Historicamente o papel das salas continua, mas esse jogo ganhou novos aliados para a exploração comercial dos filmes. O streaming é mais um elemento, assim como foi a TV e o DVD no passado". 

De qualquer forma, o exibidor considera cedo para tirar conclusões – afinal, ainda estamos num cenário pandêmico, o que interfere diretamente no nosso modo de pensar: "Acho que, no futuro, cinema e streaming encontrarão um equilíbrio. Mas esse tipo de pensamento, ainda em pandemia, é perigoso. Temos que esperar pra ver". 

Possibilidades para o futuro 

Apesar do cenário incerto, Oliveira é otimista em relação ao futuro. Ele diz não se fechar para novas possibilidades e aponta, por exemplo, a possibilidade de o cinema seguir pelo mesmo caminho da música: "A música hoje é disponibilizada para todo mundo mas ainda há aquele momento de ouvir junto, da aglomeração, nos shows. No cinema isso pode acontecer também, com os festivais fazendo esse papel dos shows. Os filmes de arte podem ser catalisadores disso. Acredito no filme, no cinema, no encontro do humano. E passar por crises exige mesmo muita criatividade". 

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