"Café com Pixel" debate financiamento híbrido para produções audiovisuais

Kátia Catalano e Thais Colli, ambas do escritório CQS/FV Advogados, se juntam a Samuel Possebon e Fábio Cesnik para debater o financiamento híbrido de produções audiovisuais, discutindo a combinação de fontes públicas e privadas de recursos para o setor.

O programa "Café com Pixel", realizado pelo canal Tela Viva em parceria com o escritório CQS/FV Advogados, dedicou um episódio a um tema específico: o financiamento híbrido de produções audiovisuais. Apresentado por Samuel Possebon, diretor editorial da Tela Viva, o programa contou com Fábio Cesnik, Kátia Catalano e Thais Colli, todos do CQS/FV Advogados, para discutir a combinação de fontes públicas e privadas de recursos. Excepcionalmente, o formato não foi uma entrevista, mas um debate focado neste assunto relevante para o mercado de produção atual.   

Fábio Cesnik contextualizou o tema, lembrando a trajetória recente do financiamento no audiovisual brasileiro. O setor passou por um período de forte investimento público, impulsionado pela lei da TV paga (Lei do Seac), seguido por um modelo híbrido com canais investindo diretamente e utilizando recursos públicos. Nos últimos anos, houve um ciclo dominado pelo investimento 100% privado das plataformas de streaming. Agora, observa-se um cenário de retração dos investimentos das plataformas, que se tornaram mais seletivas, e uma retomada do financiamento público, levantando a questão sobre as fontes de recursos para a produção nacional.   

Thais Colli, com experiência em canais de TV por assinatura e plataformas de streaming, avaliou o momento atual como uma nova transformação que exige criatividade nos modelos de negócio. Para ela, a composição de financiamentos público e privado surge como uma alternativa interessante diante da maior competitividade e menor volume de investimento privado. Esse modelo permitiria agregar valor aos projetos apresentados aos players, viabilizar um número maior de produções e diversificar as formas de aquisição de conteúdo pelas plataformas, que não ficariam restritas ao modelo de comissionamento onde detêm 100% dos direitos. Colli também apontou que o financiamento híbrido pode abrir espaço para conteúdos artisticamente diferentes e inovadores, já que as plataformas, ao correrem menos risco financeiro, estariam mais abertas a propostas que fogem dos gêneros de sucesso mais previsível. Questionada sobre a abertura das plataformas a modelos onde não detêm 100% da titularidade, Colli afirmou acreditar que elas já estão olhando para isso, embora de forma embrionária e variável entre as empresas.   

Kátia Catalano, especialista em direito público, analisou o arcabouço regulatório. Ela explicou que, embora não haja uma regra clara permitindo expressamente o financiamento híbrido, também não há proibição, navegando-se em "silêncios normativos" e lacunas nos editais. A condição de manter a obra como brasileira independente, com direitos patrimoniais majoritários para a produtora, permanece essencial ao usar recursos públicos. A estratégia depende do tipo de edital do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Editais para TV/VOD têm regras mais definidas sobre prazos e valores mínimos de licenciamento, que precisam ser observadas em licenciamentos subsequentes, potencialmente limitando a negociação com outros players se houver exclusividade inicial. Já editais para cinema exigem apenas que o licenciamento seja oneroso, oferecendo maior abertura para negociar janelas como VOD sem valores ou prazos mínimos predefinidos. Catalano percebe uma maior flexibilidade da Ancine em aceitar outras fontes no plano de financiamento, especialmente após a revogação do regulamento geral do Prodav. Ela argumenta que, mantendo-se a obra como brasileira independente e garantindo o retorno financeiro do fundo, não haveria prejuízo que justificasse uma negativa da agência.   

Sobre a necessidade de uma nova regulação para VOD que obrigue plataformas a investir em coprodução, os especialistas consideraram que o modelo híbrido atual já é possível sem ela. Uma nova lei poderia, contudo, adicionar mais fontes de recursos, como um estímulo específico para as plataformas usarem uma eventual nova tributação para financiar conteúdo. A regulação também poderia levar a Ancine a criar editais específicos para a janela VOD, hoje atrelada à TV, fortalecendo o modelo híbrido.   

O modelo híbrido, embora visto como embrionário, já tem aplicações práticas, com iniciativas partindo tanto de produtores que apresentam projetos já com essa estrutura quanto de players que sugerem o licenciamento em vez da produção original. Fábio Cesnik destacou a entrada de outras fontes, como programas de cash rebate estaduais e municipais (São Paulo e Rio de Janeiro) e a possibilidade de uma Film Commission federal. Ele também ressaltou a maior abertura para marcas investirem via leis de incentivo (como Lei Rouanet e Lei do Audiovisual – Artigo 1ºA) em conteúdos que irão para grandes plataformas, algo antes mais distante. Thaís Colli complementou, citando o aumento dos tetos de captação via Artigo 1ºA (de R$ 4 milhões para R$ 12 milhões) e Artigo 3º (de R$ 3 milhões para R$ 9 milhões), permitindo projetos de maior valor de produção com patrocínio de marcas, o que amplia o alcance e a qualidade do conteúdo associado à marca. Kátia Catalano acrescentou que editais recentes do FSA não impedem que um projeto aprovado em uma linha participe de outras, possibilitando acumular recursos de Swapt (Suporte Automático), Seletivo, Artigo 1ºA/3º e Funcines.   

O debate abordou ainda o potencial do modelo para diversificar o perfil das produtoras, incluindo players regionais e menores. Catalano mencionou que a indução regional é pauta constante no Comitê Gestor do FSA e critério nos editais. Cesnik ponderou que produtoras menores, que antes teriam dificuldade em negociar com grandes plataformas devido a preocupações com a entrega, podem agora chegar fortalecidas com parte do financiamento equacionado, abrindo portas para novos negócios. As coproduções internacionais foram apontadas por Colli como outra frente promissora, impulsionada pelo aumento do financiamento público no Brasil, que torna o país um parceiro mais interessante. Ela citou o modelo europeu, onde cerca de 40% do financiamento vem de mecanismos públicos, como inspiração.   

Um entrave regulatório mencionado por Catalano é a exigência atual de integralizar 80% do orçamento aprovado pela Ancine em um prazo curto (cerca de 30 dias) após a assinatura do contrato com o FSA, diferentemente do passado, quando havia mais tempo para captar outros recursos. Isso cria um desafio para fechar todo o pacote financeiro rapidamente.   

Para avançar, Cesnik e Colli enfatizaram a necessidade de "criatividade artística, de produção e jurídica" e "ousadia" para propor e experimentar novos modelos, combinando o conhecimento das ferramentas disponíveis. O programa concluiu que, apesar dos desafios, o caminho do financiamento híbrido está aberto e representa uma oportunidade para o mercado audiovisual brasileiro.   

Veja o programa na íntegra:

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