Vitrine Filmes coproduzirá longas e investirá na capacitação de profissionais na distribuição

Com a chegada da pandemia, muitas empresas do setor audiovisual se reinventaram para continuar trabalhando no período ou, ainda, aproveitaram as paralisações para tirar do papel novos projetos. A Vitrine Filmes é uma delas. No primeiro semestre deste ano, a distribuidora lançou a campanha "Alugue e Apoie", que incentiva o consumo legal de cinema nas plataformas digitais ao disponibilizar todo o acervo de filmes a preços especiais para as principais plataformas. Outro projeto é o Vitrine LAB, uma ação gratuita de capacitação e formação em distribuição audiovisual que contou com o apoio do PROAC e foi realizada no mês de junho. E ainda este ano, a empresa passará a atuar na coprodução de longas-metragens.

"A pandemia foi uma nova onda que bateu na gente num momento em que já estávamos vivendo uma crise com questões relacionadas à diminuição das políticas públicas e perdas de patrocínio, por exemplo. Isso logo na sequência de um ano muito bom, que foi 2019, quando tivemos sucessos como 'Bacurau' e 'A Vida Invisível'. Mas para além dos sucessos, a cultura do país já vinha sendo atacada. A pandemia potencializou uma crise muito grande para o cenário do cinema independente brasileiro", analisa Felipe Lopes (foto), diretor da Vitrine Filmes, em entrevista exclusiva para TELA VIVA. "Num primeiro momento foi bastante assustador, mas a Vitrine, desde sua fundação, em 2010, tem vindo numa vanguarda, num lugar de criatividade e inovação que faz parte do nosso DNA. Por isso desde o começo entendemos que a gente precisava se reinventar. A nossa capacidade de flexibilização e adaptação foi muito testada, mas conseguimos entender esse novo momento de buscar o público em todas as telas – já que as salas de cinema estavam fechadas e, ainda hoje, boa parte das pessoas está receosa de voltar – e pensamos em novas frentes de atuação, como coprodução e capacitação. São novas frentes de trabalho sempre pensando no cinema independente e, especialmente, no cinema independente brasileiro", completa. 

Aluguel e consumo legal de filmes 

"A campanha 'Alugue e Apoie' incentiva especialmente o aluguel de filmes. O público não tem esse hábito tão forte no Brasil, de entender o filme como um produto. Então é realmente um trabalho de trazer consciência. A gente vê uma série de ações para ajudar o setor – como vaquinhas virtuais e mobilização por atividades culturais que estão em crise – enquanto que, se você consumir os produtos, como os filmes, por exemplo, já está incentivando a atividade. O nosso objetivo é trazer para o público essa sensibilidade", explica Lopes. 

O diretor aponta que, quando fecharam as locadoras, o público brasileiro perdeu esse costume de alugar filmes. Mas o aluguel é uma segunda janela, é importante para a indústria, especialmente num momento em que não existem políticas públicas suficientes para garantir que essas obras audiovisuais independentes consigam se rentabilizar. "As pessoas precisam ser lembradas mesmo. É normal a gente acabar indo para o caminho mais fácil, não culpo o público. Então cabe a nós, como distribuidores, alertas o público que o aluguel é uma forma de apoiar o cinema brasileiro e independente", diz. 

Lopes reforça que, em uma época de mais políticas públicas, o setor contava com outras maneiras de equilibrar a balança financeira, o que permitia arriscar mais: "Sou um defensor das políticas públicas – falando de cultura, deixar só na lógica de mercado e de vendas é algo que traz um prejuízo cultural e de diversidade muito grande. Mas é uma forma de tentar minimizar esse impacto. Potencializar e dar a importância devida para o cinema brasileiro". 

Nesse sentido, ele ainda ressalta que é necessário desconstruir a ideia de que alugar filmes digitalmente é muito caro. "Quando estamos falando de um lançamento, o preço normalmente é mais alto – mas, ainda assim, fica abaixo do preço de um ingresso de sala de cinema. Mas a gente tem filmes que pouco tempo após a estreia no cinema já estão disponíveis por valores como R$6,90. Buscamos preços acessíveis para o público. E além disso, historicamente temos uma preocupação de sermos parceiros de cineclubes, por exemplo. Eventualmente fazemos ações de exibição gratuita, no lugar exclusivo da difusão", comenta. 

Formação e capacitação na área da distribuição 

Outro projeto lançado pela Vitrine nesse período é o Vitrine LAB, ação voltada à formação e capacitação em distribuição audiovisual. Como parte da comemoração dos dez anos da empresa, o projeto foi desenvolvido no mês de junho e consistiu em um curso livre e gratuito de Ensino à Distância (EAD) para 24 selecionados, com o objetivo de contribuir no fomento cultural do audiovisual na área de distribuição, uma das mais carentes do setor. Com o apoio do ProAC, a iniciativa focou em estudantes e profissionais do mercado audiovisual em início de carreira que receberam, além do conteúdo das aulas, uma bolsa-auxílio no valor de R$200. 

As nove aulas do curso foram ministradas por um time que atua diariamente à frente da distribuição e comercialização de filmes em território nacional. No cronograma, estiveram temas centrais que passam por todo o processo de distribuição, começando pelo mercado cinematográfico, curadoria, modelos de negócio, planejamento financeiro, políticas públicas e chegando nas estratégias de programação, marketing, mídias sociais e produção de conteúdo. Os idealizadores do projeto foram Amanda Kadobayashi, Bernardo Lessa e Lívia Donadeli. 

"Existe uma carência de olhar para o negócio do cinema como um todo que é uma questão estrutural do mercado. Eu sou formado em cinema e sei que, nos cursos, existe um foco na produção, assim como nas políticas públicas. Não desmerecendo a produção, que é muito importante, claro, mas muitas vezes acabam parando de pensar no caminho do filme quando se conclui sua edição. Mas o filme termina no consumidor, quando é assistido. E há um longo caminho entre a produção e a chegada à audiência", argumenta Lopes. 

O diretor enfatiza ainda que trata-se de um mercado muito específico e que tem passado por constantes mudanças. "O que a gente vivia há cinco, dez anos é muito diferente do que a gente vive hoje, com mudanças tecnológicas e de modelos de negócio, por exemplo. É difícil ver pessoas capacitadas na área de distribuição. A gente conversa com produtores que demandam isso, que têm interesse em saber mais sobre esse mercado. Por isso pensamos nesse curso. Foi um processo muito rico, de muita troca. O fato de ter sido online ainda permitiu que a gente fugisse um pouco do eixo Rio-São Paulo, com alunos de todo o Brasil, o que foi muito positivo", conta. 

O cinema, reforça o diretor da Vitrine, tem uma cauda longa, já que chega ao público em diferentes telas, janelas e momentos. "Pensar em tudo isso é potencializar a carreira do filme. 'Bacurau', por exemplo, foi lançado nos cinemas em 2019, mas foi para a TV por assinatura, streaming, TV aberta e aluguel. Tem uma série de caminhos e espaços onde o filme pode encontrar seu público. Conhecer o mercado é necessário para fazer a melhor estratégia e ter o melhor resultado", garante. 

Para Lopes, o caminho para resolver essa carência em cursos e formações focadas em distribuição ainda é longo. Entre as soluções, ele aponta a criação de espaços clássicos e intensivos de formação para distribuição, como pós-graduação e MBA, e mais políticas públicas também voltadas à formação e capacitação. "Países como França e Coreia levam isso muito a sério. É uma visão de negócio, algo que pode ser muito estratégico para o país. Infelizmente hoje, no Brasil, não há essa visão", conclui. 

Planos para o futuro 

A continuidade do Vitrine LAB já é uma certeza dentro da empresa, com uma segunda turma já no segundo semestre de 2021. "Estamos pensando em ampliar o projeto, ter novas turmas, continuar buscando fomento para oferecer o curso de forma gratuita e também desenhamos a possibilidade de abrir o curso com taxa de inscrição para cobrir os custos", adianta o executivo. "Essa primeira edição foi maravilhosa, a gente achava que estava falando de um nicho, mas vimos que tem muita gente no Brasil interessada em aprender sobre esse mercado", acrescenta. 

Também está nos planos futuro da Vitrine a atuação em coprodução. "Sempre fomos bem próximos das produções. Nós costumamos ler os roteiros, comentar, acompanhar as filmagens. Agora, vamos entrar também em algumas coproduções", revela Lopes. O próximo longa de Maria Augusta Ramos (diretora de "O Processo"), por exemplo, será coproduzido pela Vitrine. "Seguiremos trazendo bons conteúdos, encontrando e formando novos públicos e, agora, também, novos profissionais", finaliza. 

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