Ancine e Anatel apoiam mudanças na legislação de TV paga

A Ancine e a Anatel apresentaram manifestações ao Projeto de Lei 3.832/2019, de autoria do Senador Vanderlan Cardoso (PP/GO), e que tramita na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação do Senado, sob a relatoria de Arolde de Oliveira (PSD/RJ). O projeto propõe mudanças no marco legal de TV por assinatura para acabar com as restrições de propriedade cruzada existentes na Lei do SeAC (Lei 12.485/2011). Em resumo, as duas agências são favoráveis ao projeto. Mas deve-se destacar que a manifestação da Ancine traz, pela primeira vez, um posicionamento da agência do audiovisual em relação à questão da oferta de serviços pela Internet.

A manifestação da Anatel é bastante resumida e já era esperada. É coerente com as ponderações feitas em vários momentos por dirigentes e técnicos da agência. A Anatel lembra que o tema já foi objeto inclusive de correspondência encaminhada ao Senado no começo do ano. A Anatel apoia a eliminação dos artigos 5 e 6 da Lei do SeAC. O artigo 5 da Lei 12.485 impedem teles de produzirem conteúdos e produtoras de conteúdo de serem operadores de telecomunicações. Já o artigo 6 restringe as teles na aquisição de direitos sobre talentos e eventos de interesse nacional.

A manifestação da Ancine, por outro lado, é mais longa e faz uma análise mais detalhada, mas também em linha com o que a agência tem manifestado nas suas colocações no Congresso e em eventos setoriais.

Sobre os artigos 5 e 6, a agência do audiovisual avalia que as restrições impostas pelo regulador não tiveram a sua eficácia verificada desde 2011, quando a lei foi aprovada. No entendimento da Ancine, desde então os modelos de negócio no setor audiovisual se transformaram, tanto pelo crescimento da oferta OTT por empresas de Internet, que atuam como produtoras e distribuidoras de conteúdo, quanto pela consolidação vertical no cenário internacional de empresas de conteúdo e telecomunicações. Para a agência, carecem de comprovação os benefícios que estas restrições trazem ao consumidor e à competição. No entendimento dos técnicos da Ancine, as condições atuais de mercado não permitem mais assumir que as restrições existentes tenham qualquer efeito concorrenciais positivos. "O legislador criou uma presunção legal absoluta, considerando que toda propriedade cruzada é necessariamente prejudicial ao mercado regulado, não admitindo assim qualquer prova contrária no sentido de que a eventual relação entre empresas traria benefícios ao assinante e ofertaria um serviço de melhor qualidade, vedando de forma antecipada a participação efetiva e direta de empresas de telecomunicações nas atividades de programação, produção e distribuição de canais de programação", diz a manifestação. "Observa-se que as limitações impostas pelos artigos 5 e 6 da Lei do SeAC podem ter tido um efeito contrário ao desejado, pois têm sido prejudiciais ao ambiente de negócios nos setores de telecomunicações e audiovisual", entende a Ancine. "Deve-se ressaltar, ainda, que o crescimento de aplicações de vídeo sob demanda pela Internet estabeleceu uma concorrência injusta com os distribuidores do SeAC, gerando assim uma espécie de assimetria. (…) Entendemos que não há mais indícios que a manutenção dos artigos 5 e 6 da Lei do SeAC se aplicam à realidade atual, sendo indicada, no nosso entendimento, a revogação dos dispositivos".

OTT

A Ancine se manifesta também, na sua análise encaminhada ao Senado, sobre a polêmica dos serviços OTT que distribuem canais de TV paga. Mesmo não sendo este um tema tratado pelo projeto de Vanderlan, mas sim objeto de uma emenda do relator Arolde de Oliveira, a Ancine avalia que a Lei do SeAC deve excluir de sua abrangência os serviços ofertados pela Internet. Para a agência do audiovisual, desde a aprovação da Lei do SeAC desenvolveram-se múltiplos modelos de negócio que não estão sendo explorados no Brasil por conta das restrições legais. Entre eles a oferta direta ao consumidor de canais lineares. "O que vemos, pelo menos internacionalmente, são empresas que antes atuavam na programação ou na distribuição de serviços de TV paga passarem a buscar adequar seus conteúdos ao novo modelo de negócios em ascensão, passando a oferecer pela Internet os conteúdos até então disponibilizados nas grades dos canais por elas programados através do SeAC em busca de maiores eficiências econômicas advindas de diferenciais de custo de transação e tributários".

Para a Ancine, a Lei do SeAC é um limitador ao desenvolvimento destes modelos, primeiro pelas questões de restrição de propriedade cruzada, mas também pela falta de clareza, no entendimento da Ancine, em relação à abrangência do Serviço de Acesso Condicionado. Para a agência do audiovisual, "a disponibilização de conteúdos OTT não deve ser enquadrada como SeAC no intuito de permitir a franca expansão de todos os modelos de entrega audiovisual possíveis, demarcando que esta distribuição de conteúdo pela Internet seja caracterizada como serviço de valor adicionado, estando enquadrada, como regra geral, ao Marco Civil da Internet".

Cotas

A Ancine traz ainda, em sua manifestação para o senador Vanderlan, uma análise sobre a questão das cotas de programação e produção. Neste ponto, a agência não indica uma posição sobre como o assunto deveria ser tratado no ambiente da Internet ou em uma eventual reforma da Lei do SeAC, optando apenas por trazer dados numéricos para instrumentalizar a discussão. A agência lembra que o mecanismo das cotas criado em 2011 tem prazo de validade de 12 anos, mas que hoje o mercado já acomoda mais programação nacional do que estava previsto em lei. Ou seja, neste aspecto, a lei conseguiu induzir uma relação entre programadoras e produtoras. "Assim, é necessário que o legislador avalie (…) a viabilidade de replicação do ambiente de 'cotas de conteúdo' que existe hoje no SeAC, no ambiente OTT".

O mesmo não se aplica, segundo a Ancine, para as cotas de empacotamento e às obrigações de canais obrigatórios. Isso porque num ambiente de oferta OTT, segundo a análise dos técnicos da Ancine, qualquer canal tem, virtualmente, acesso igual aos meios de distribuição por meio de aplicativos próprios. "Ou seja, o consumidor, mesmo que apenas um pacote de dados contratado junto a alguma operadora, móvel ou fixa, poderá consumir qualquer desses conteúdos de forma direta". Mais uma vez, a Ancine não faz uma indicação direta, mas apenas coloca a provocação para que o legislador avalie a pertinência de replicar o modelo do SeAC no ambiente de Internet.

A Ancine cita então a MP 881/2019, da liberdade econômica, para destacar a necessidade de mínima intervenção na atividade empresarial, o que seria atingido com a derrubada das restrições à propriedade cruzada. Sobre o ambiente de VoD, a Ancine não faz comentários mais alongados em sua manifestação ao PL 3.832/2019.

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