"A 12.485 abriu o mercado para o conteúdo nacional e criou uma verdadeira mudança no Brasil", diz Tereza Trautman

Dez anos após a publicação da Lei do SeAC, a revisão do marco legal da TV por assinatura está em debate – não somente no que se refere à TV paga, mas também às propostas para o serviço de VoD e suas variações. Até 2023, alguns de seus instrumentos, como a política de cotas, perdem a validade. O resultado do estímulo da legislação para o mercado audiovisual nacional é positivo. A Lei 12.485/11 fortaleceu a produção independente, aumentando a visibilidade das obras brasileiras frente ao público do país e proporcionando crescimento econômico, entre outros ganhos. 

O CineBrasil TV, um dos canais Super Brasileiros, que dedicam no mínimo 12 horas de programação à produção independente, tem 16 anos – o que significa que acompanhou de perto essa evolução. Tereza Trautman, diretora responsável pelo canal, relembra a história em entrevista a TELA VIVA: "O conteúdo brasileiro independente não tinha espaço nenhum, em mídia nenhuma. Nas telas de cinema, o espaço também era irrisório. A 12.485 abriu o mercado para o conteúdo nacional e criou uma verdadeira mudança no Brasil. Isso porque o espaço que foi aberto pela Lei foi pequeno – mas o conteúdo brasileiro, de tão boa qualidade que tem, ganhou muito mais espaço do que a obrigatoriedade da Lei definiu. Ele foi, por mérito próprio, abrindo esse mercado. Além disso, a gente criou uma economia nova".

Nos últimos oito anos, o canal teve um total de 780 obras prontas (320 curtas, 299 longas e 161 séries) – destas, 84 foram via FSA (o Fundo Setorial do Audiovisual), sendo 33 longas e 51 séries (560 episódios). Além disso, existem outras 134 obras em diferentes estágios de produção e todas já contratadas pelo FSA, sendo 74 séries (771 episódios), 50 longas e dez telefilmes. 

Para Trautman, o conteúdo brasileiro é muito poderoso – conforme sua trajetória ganhando cada vez mais espaço na programação das emissoras comprova – e, por isso, ele é combatido. "As empresas estrangeiras querem acabar com o conteúdo brasileiro independente", brada. "O problema na regulamentação da Lei foi que nenhum dinheiro foi destinado ao intermediário, isto é, as programadoras. A Ancine foi capturada pelos grandes players e massacrou os pequenos. Ela foi incapaz de entender o mercado. Agora, parece que as coisas estão finalmente voltando a andar. Mas se a Ancine pudesse, entregava todo o dinheiro do FSA para as programadoras estrangeiras. Ela deveria ter entendido a necessidade de fomentar e proteger o elo mais frágil, que é o produtor, mas também o intermediário, a programadora independente. A Ancine não entendeu o mercado e como precisava protegê-lo. As programadoras independentes brasileiras estão em situação delicada. Existe uma concentração bárbara no mercado como um todo. Os pequenos fecham, encerram operações, não se aguentam nesse mercado de leões. É a 'lei da selva'. O conteúdo brasileiro independente faz muita falta – ninguém mais contesta isso – no entanto, temos uma Agência amadora que não conseguiu em dez anos criar uma regulação mínima para o mercado OTT", argumenta. 

A ascensão do streaming e a necessidade de regras 

As discussões sobre uma possível revisão da Lei do SeAC perpassam especialmente por novas regras para o mercado de streaming. "O streaming do linear, linear é. É só uma outra forma de transmissão. Eu não vejo diferença em você buscar o sinal no satélite ou distribuir pela Internet", opina Trautman. "O que eu vejo é que uma operação de TV paga hoje em dia é muito cara, onerosa. Precisa de uma mão de obra não só bem formada, mas 24 horas por dia presente, cuidando da operação. E de um comercial bastante ativo, equipe técnica. O que a gente vê é que era inevitável que a internet ganhasse de todas as outras formas de transmissão. A gente já imaginava que a internet fosse chegar nesse ponto que chegou", afirma a diretora. 

Ela defende que "distribuir o conteúdo em diferentes tecnologias não o modifica" e, por isso, se posiciona a favor de cotas e tributação: "Tem que ser obrigatório. Tudo isso tem que ser revisto. A Lei do SeAC está vencendo daqui a menos de dois anos. A gente tem que rever o que aprender com ela e cuidar de preparar uma legislação menos engessada. O mais importante é manter as cotas – sem elas, não conseguiremos entrar em lugar nenhum. Os grandes não vão deixar os pequenos entrarem". 

Modelos propostos 

Já tem alguns anos o mercado debate diferentes possibilidades de regulação do streaming. Para Trautman, o modelo deve envolver cota de tela e pagamento por faturamento. "Se não for assim, estaríamos limitando os catálogos – e catálogo é a única coisa que não pode ser limitada. Já existem todas as questões de direito que são limitantes. Não pode ser criado mais um tributo que só vai estrangular", diz. "Cobrar por faturamento eu acho importante. Faz com que os grandes players, já estabelecidos, tenham que pagar para estar no Brasil", completa. 

Crise na produção independente 

Trautman ressalta que a produção independente brasileira está sofrendo muito e define como "absolutamente criminoso" o papel da Ancine nos últimos anos. "A produção independente emprega muita gente e é absolutamente relevante para a economia do país, para a autoestima da população e para a identidade do país", reforça. "Nesse sentido, estamos empurrando algumas leis no Congresso, como a Lei Paulo Gustavo de fomento. E não adianta só abrir cota sem fomentar. É preciso criar cota e estímulo, isto é, dar condições da produção ser feita. Se lá atrás a Ancine tivesse tido a visão de que era importante fortalecer a produção independe, o audiovisual não estaria numa crise tão profunda como está hoje. As produtoras estão tendo que desmanchar seu parque industrial – estúdios, edição, equipes". 

A diretora ainda conta: "Eu passo meu dia, além de cuidando da programadora, conversando com os operadores, que são nossos clientes. E os operadores têm uma visão muito mais focada no seu território. Conversamos sobre como prender o assinante, o que ele quer, como podemos atender. Cada um fica no seu mundo preocupado com uma conta que só vai diminuindo. Na TV por assinatura, é fácil ver como está murchando o mercado. Os cancelamentos de operações são diários. Me pergunto o quanto a gente poderia expandir com a base de internet que essas operadoras tem. Se não conseguimos, é porque não há uma regulação mínima. Programadoras independentes brasileiras não têm segurança jurídica para conseguir entrar no mercado", lamenta. 

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