Nesta sexta-feira, dia 22 de novembro, estreou no Prime Video a série “Sutura”, uma produção Boutique Filmes e Spiral Internacional que combina drama médico e thriller. A direção geral é de Diego Martins, a direção é de Jéssica Queiroz e os showrunners são Gustavo Mello e Zasha Robles. A história foi criada por Fábio Montanari e escrita por Marcelo Montenegro, com desenvolvimento de Marcelo Montenegro, Gustavo Mello e Zasha Robles e roteiros de Donna Oliveira, Fernanda D’Umbra, Marcelo Montenegro, Fábio Montanari e Victor Rodrigues, com colaboração de Santiago Roncagliolo.
A trama conta a história de Ícaro (Humberto Morais), um incorruptível jovem da periferia de São Paulo, recém-formado em medicina, que não pode fazer a sua residência médica por conta de uma dívida contraída durante a faculdade. Do outro lado está a Dra. Mancini (Cláudia Abreu), uma cirurgiã de elite recém-saída de um trauma, atormentada por tremores nas mãos, que quer voltar a operar. A única solução que encontram para resolverem seus problemas é atuar como médicos do crime, dando início a uma perigosa vida dupla onde escapar pode se provar impossível. O elenco conta também com Juliana Paiva, Gabriel Braga Nunes, Danilo Mesquita, Lara Tremouroux, Leopoldo Pacheco, Naruna Costa e Yara de Novaes, entre outros.
Em entrevista exclusiva para TELA VIVA, Gustavo Mello, sócio e produtor da Boutique Filmes, contou que o projeto surgiu há alguns anos, num trabalho de prospecção de ideias originais, que é algo em que a produtora sempre investiu. Quando entrou em contato com o roteiro do piloto, criado por Fábio Montanari, Mello se sentiu inicialmente atraído pela mistura de gêneros proposta e pela originalidade da ideia. “Entendi que tinha alguma coisa nova ali e começamos a trabalhar o projeto no mercado”. A Boutique e a Spiral já atuaram juntas anteriormente, na série “O Negociador”, que estreou em 2023, também no Prime Video. “Dessa vez, vimos a oportunidade de fazer uma série ainda mais internacional, especialmente por conta da premissa, que é muito original. Trouxemos o nosso coprodutor de novo, o Zasha Robles, com quem tivemos uma ótima experiência em ‘O Negociador’, e trabalhamos novamente com o Prime Video. É o mesmo modelo, que ficamos felizes de repetir. Mas, agora, com a sensação de que temos uma série ainda maior, com ainda mais ambição artística, e mais parceiros internacionais. Ela tem muito potencial”, aposta o produtor.
Apesar desse escopo de coprodução internacional, “Sutura” é uma série brasileira – escrita por talentos brasileiros, com equipe de roteiro, direção e talentos do Brasil, e toda falada em português. “Isso aponta para uma coisa que a gente acha que, como mercado, não podemos perder, como uma bússola mesmo: uma boa história, que tem uma premissa forte, tem apelo internacional mesmo quando é falada em português e realizada inteiramente no Brasil”, defende Mello. Para ele, “Sutura” é uma série muito local, mas com um enorme potencial de viajar – exatamente o que a Boutique tem buscado em seus projetos. “Temos a ambição de fazer séries brasileiras que possam viajar o mundo inteiro, como a Espanha e a Coreia tem feito. Esses são os modelos que nós, como visão de crescimento da empresa mesmo, seguimos aqui”.
Uma das características de “Sutura” que o produtor mais destaca é a combinação de gêneros. “Os brasileiros amam séries médicas. Os executivos das grandes plataformas sempre nos falam que as séries médicas internacionais estão entre as mais consumidas. Mas nós ainda não produzimos tantas, então isso era algo que eu, particularmente, já estava buscando”, revelou. “Fomos adaptando um pouco do projeto original para juntar esses dois gêneros – o drama médico e o thriller – que são tão populares no Brasil. De um lado, temos uma história que acontece no subsolo desse hospital de elite em São Paulo, que é uma trama tipicamente criminal, e do outro, os casos médicos no próprio hospital. São dois mundos correndo em paralelo a todo momento, e o que é mais legal e empolgante é que um não pode conhecer o outro. As histórias correm em segredo. Se os dois protagonistas são descobertos em relação ao atendimento ao crime que estão fazendo no subsolo, acabou a carreira deles pra sempre. Então o espectador fica na ponta da cadeira, tenso, porque aquela vida dupla deles não pode ser descoberta. Você não quer que eles sejam pegos e batalha ao lado deles, como audiência”, detalhou.
No desenrolar dos episódios, a ideia era harmonizar esses elementos, entregando boas histórias de drama médico, que a audiência gosta muito – então a cada episódio são contadas cerca de três casos médicos, que passam por investigação de doenças, dramas humanos profundos e relações médico-paciente – mas com essa grande roupagem de thriller. “Esse é o tom da série, que é muito original e que acho que foi o que atraiu todos esses parceiros. É uma premissa muito única, e que abre possibilidade para muitas temporadas. Fizemos um desenvolvimento cuidadoso nesse sentido. É uma série pensada para o streaming, porque a cada episódio a situação dos protagonistas vai piorando. Os ganchos são poderosos. Queremos que a audiência torça por eles, mas achando, a cada episódio, que não vai dar certo. Não é nada previsível. E nesses momentos de situações de saúde as pessoas se revelam mais – o que é muito interessante para a dramaturgia. É uma arena muito boa para a audiência se conectar”, observou Mello.
Compromisso com o resultado
O produtor tem uma visão muito objetiva em termos de resultados dos projetos. “Pensamos o tempo todo em como podemos entregar séries que impactem, que as pessoas queiram assistir episódio atrás de episódio. Independente de ser um original da plataforma, licenciamento, coprodução ou qualquer outro modelo, precisamos gerar resultados. Essa é uma premissa importante”, enfatizou. Mas, nesse sentido, as coproduções internacionais geram uma diversidade de possibilidades de negócio que é muito saudável, segundo Mello. “É algo para o mercado poder ficar mais potente e diverso em termos de modelos de negócio. Para nós, na Boutique, é saudável ter um equilíbrio entre os diferentes tipos de produção”.
Ele acredita que é fundamental que o Brasil entre de forma mais intensa e capacitada no mercado de coproduções internacionais para o streaming, entendendo especialmente o papel essencial de liderança do produtor criativo nos projetos, seja qual for o modelo de negócio, original ou produto licenciado. “Essa é uma característica nossa na qual acredito muito, e a experiência com ‘Sutura’ consolida esse pensamento. Como empresas produtoras e como produtores criativos temos que estar preparados para lidar com toda a responsabilidade que a função exige. A partir do momento em que diversificamos os modelos de negócio, temos que estar cada vez mais responsáveis também por entregar resultados – até porque fazemos parte desse financiamento. Se me responsabilizo com investidores privados, distribuidores ou canais, eu quero entregar resultados da mesma forma que é no trabalho com originais”, explicou.
Além disso, considerando o contexto atual das plataformas, onde elas prezam por qualidade de projetos e não mais por quantidade de títulos, o produtor vê o modelo de coprodução internacional como um caminho interessante para os players locais diversificarem suas entregas aos assinantes sem se onerarem tanto. “Acho que o mercado brasileiro está preparado para isso. É um modelo muito comum no dia a dia dos produtores europeus, americanos e asiáticos”, afirma. E enfatiza novamente o compromisso com os resultados: “No modelo de originais, eu posso ter só um investidor, mas já tenho um compromisso de entregar resultado para ele. No modelo de coprodução internacional, são três, quatro investidores para quem preciso mostrar resultado. E a série performar no Brasil e fora é uma premissa comum a todos os modelos”, salienta.
Mello acrescenta a importância de que o audiovisual brasileiro acredite no poder de viajar das séries faladas em português. Vale lembrar que a Boutique foi a responsável por “3%”, a primeira série original brasileira da Netflix, e que foi um case local e global. “Isso já se provou. Independente do idioma, as séries podem viajar. A gente inaugurou e despertou – pra gente e para o mercado – essa questão da barreira da língua como um mito. Começamos a modelar nossa estratégia como empresa a partir daí. E, depois, várias séries originais nossas viajaram muito, inclusive as documentais. Isso é o que mais desejamos: que a gente consiga performar bem aqui, mas que as séries também tenham presença internacional. A competição está bem menos desigual hoje – embora o Brasil ainda tenha muito a crescer”.
Momento da coprodução internacional
O time da Boutique frequenta os mercados internacionais de forma constante e, nessas viagens, enxerga como o mundo está muito interessado em coproduzir com o Brasil. E, segundo Mello, de uma maneira muito genuína. “Todo o mercado está interessado em buscar projetos e parcerias. Os players têm falado sobre isso, inclusive nos grandes grupos de mídia e entretenimento. Temos sentido essa temperatura forte. Todo mundo quer ver o Brasil como parceiro – embora no mercado de séries a gente ainda não tenha uma presença como já tem Espanha e Coreia do Sul, por exemplo, que são grandes cases de sucesso. Temos esse espaço a conquistar. E, para fazer isso, dependemos que toda a nossa indústria esteja com esse olhar. Não será uma ação de uma única produtora ou de um grupo pequeno de produtores. Temos que ter um ecossistema industrial voltado para coprodução internacional que envolva políticas públicas, a maneira como a gente gerencia nossas produções – e não só do ponto de vista de produção física, mas também do criativo – e um ecossistema no qual os players vão construindo essas parcerias com a gente. Com tudo isso funcionando, vamos nos tornando um ambiente mais atrativo”.
Para o produtor, o Brasil tem uma profusão de projetos originais, histórias e universos muito únicos. Mas, no mercado internacional, precisa chegar com tudo isso muito bem lapidado. “Não há espaço para projetos que estejam ainda num ponto muito inicial de desenvolvimento. Temos que estar munidos de informações e referências e conectados com as produções do mundo inteiro. Às vezes, aquilo que você acha que é uma ideia genial já foi produzido. O mercado está ainda mais competitivo e os países estão ainda mais conectados. O que é bom, mas gera um desafio ainda maior”, avalia.
Apesar disso, o produtor lembra que o mundo inteiro está em retração nesse momento – para o audiovisual, isso impacta no fechamento de negócios e no green light para produções. “Está difícil para todo mundo. Ao mesmo tempo, é interessante observar como a coprodução internacional se tornou uma grande solução. Assim, toda a indústria, inclusive a do Brasil, precisa estar preparada para achar o projeto certo e fazer boas implementações criativas e boas entregas para provarmos que é possível ter outros modelos existentes no mercado de maneira sólida”. E ele acrescenta: “Todos nós, quando vamos aos mercados internacionais, precisamos estar muito imbuídos desse sentimento de que estamos representando a nossa indústria. Temos que fazer negócios de maneira sólida e transparente, sendo muito claros no que sabemos e no que não sabemos. Estamos todos construindo juntos, buscando soluções. Quando conversamos com produtores de outros países vemos que as angústias são muito parecidas. Acho que é por isso que esse modelo criativo de coprodução é forte. Você soma esforços num mercado que está muito desafiador – que sempre esteve e está ainda mais nesse momento”.
Falando em financiamento, “Sutura” é uma série que, tirando uma pequena parcela de cash rebate, que foi importante para a composição do orçamento, teve toda a sua estruturação feita a partir de investimento privado. “Ao longo de todo esse tempo – foram quatro ou cinco anos para conseguir colocar o modelo de ‘Sutura’ e ‘O Negociador’ em pé – o pensamento que me vinha à cabeça a todo momento era: se a gente tivesse um ecossistema de financiamento público voltado a esse tipo de negócio, hoje o Brasil estaria num lugar de liderança global dentro do mercado de entretenimento. É uma angústia como produtor você enxergar que o modelo fica em pé, gera resultado e mostra toda a potência criativa do Brasil, mas ainda tem tanto a avançar”, reflete.
Força criativa e lapidação de projetos
Mello considera que esses momentos de retração global, como o que estamos vivendo agora – e que, para ele, vai remodelar os próximos anos da indústria – são também momentos de oportunidade. “Existe um pulso do mercado internacional. ‘Sutura’ é essa coisa nova, fresca como conceito. O que eu mais ouvi lá fora foi que nunca tinham visto esse gênero bem implementado. Trouxemos importantes parceiros e todos que assistiram ficaram impressionados com o bom resultado. Provamos que, no dia a dia, temos essa capacidade. Estamos começando a ver nossa indústria de uma nova maneira e entendendo como a gente gere isso. Como formamos grupos de talentos, misturando talentos experientes a novas vozes. Passa pela formação de elencos, pela gestão da sala criativa. Temos alta capacitação para isso. É um mercado de alto nível, e precisamos estar mais presentes para irmos nos capacitando cada vez mais. E não só a Boutique, mas todo o setor”.
E analisando como o Brasil se destacaria nesse novo momento de indústria, Mello reforça a importância do desenvolvimento. “Temos uma obsessão em relação a bons desenvolvimentos de texto, roteiro, aprofundamento de personagens, busca por premissas que ninguém nunca viu e plots originais. Temos muito cuidado em como vamos lapidando essas propriedades que temos, como adaptações de livros, histórias reais e ideias originais. Não é algo dado, você tem que construir diariamente para chegar em resultados de excelência. E juntar equipes certas para cada tipo de projeto é muito importante. Às vezes, vemos boas ideias que se perdem na implementação. E não deixamos de acreditar que uma boa série, independente do orçamento envolvido, pode se conectar com a audiência. Já temos inúmeras provas disso. Mas precisamos lapidar nossos projetos. Um processo bom de trabalho reflete na tela”.
Política pública conectada com a urgência da indústria
Entrando nessa reta final de ano, o produtor avalia que 2024 foi de uma retração bastante aguda – e isso pode ser sentido tanto na troca com produtores locais quanto com parceiros internacionais. “Está claro que o nosso modelo de negócio no mundo inteiro se alterou e nunca mais vai ser o mesmo”, declara. Mas ele acredita que um cenário de mais otimismo se aponta a partir de 2025, num patamar de acomodação. “Será um momento ainda de cautela, mas onde todo mundo vai produzir e fazer apostas. Ainda vejo o mercado avaliando muito bem quais projetos desenvolver e para quais dar green lights, mas vejo uma retomada clara do setor – não para o que já foi no passado, mas melhor em termos de atividade econômica. Foi um ano muito preocupante. Vi talentos e técnicos preocupados com a falta de trabalho. Sabemos da quantidade de ociosidade que teve nos estúdios. E essa indústria precisa estar sempre rodando para se aperfeiçoar e evoluir. Ficamos preocupados, mas começamos a ver uma retomada geral”.
Por fim, Mello enfatiza que para impulsionar esse novo momento o Brasil precisa de uma política pública conectada com a urgência econômica da indústria. “Não podemos ficar para trás como país. Podemos ocupar um papel muito mais relevante no mercado internacional. É uma missão que temos que ter como indústria para ocupar esse espaço”, conclui.