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Soberania cultural e desafios do audiovisual brasileiro na era do streaming

(Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil)

Estamos em um momento crucial para o audiovisual brasileiro, setor que é não apenas um dos pilares da economia criativa, mas também uma ferramenta poderosa de promoção da soberania cultural e de projeção internacional do Brasil. O audiovisual conecta nossas histórias e valores ao mundo, e é essencial que tenhamos controle sobre essas narrativas, protegendo nossa identidade e cultura.

A Lei 12.485/2011 foi um marco nesse caminho, garantindo visibilidade ao conteúdo nacional por meio de cotas e financiamento via CONDECINE. Essa legislação permitiu que produtoras independentes levassem às telas histórias que refletem as realidades, sotaques e diversidades do Brasil. Centenas de produções se tornaram possíveis, gerando emprego para milhares de profissionais e movimentando uma ampla cadeia de serviços.

Contudo, o setor enfrenta novos desafios diante da transformação digital e do domínio das plataformas de streaming e vídeo sob demanda, como Netflix, Amazon Prime e Globoplay.

Essas plataformas, embora tenham trazido inovações, também criaram desequilíbrios ao explorar o mercado brasileiro sem oferecer contrapartidas justas. Produções nacionais frequentemente perdem espaço ou são relegadas a uma posição secundária em seus catálogos. Além disso, a falta de regulamentação permite que decisões sobre nossas obras sejam tomadas fora do Brasil, comprometendo tanto a soberania cultural quanto os benefícios econômicos para o país. Um ponto especialmente preocupante é o controle dos direitos autorais, que frequentemente acabam nas mãos das grandes plataformas, deixando as produtoras independentes sem poder sobre suas criações. Isso não apenas enfraquece o mercado nacional, como desvaloriza a criatividade brasileira, transformando nossas obras em meros produtos globais sem identidade. É crucial que a regulamentação garanta que os direitos autorais das produções permaneçam nas mãos das produtoras independentes. Isso é fundamental para assegurar autonomia criativa, econômica e cultural, impedindo que as histórias brasileiras sejam distorcidas ou exploradas sem o devido reconhecimento.

Nesse contexto, o Projeto de Lei 8.889/2017, de relatoria do Deputado André Figueiredo, surge como uma oportunidade de corrigir essas assimetrias. Para que seja eficaz, o projeto precisa abranger plataformas emergentes, como a TV por aplicação de internet, além de garantir cotas de conteúdo nacional e independente. Experiências internacionais, como as da França e da Alemanha, mostram que regulamentações bem estruturadas asseguram espaço para produções locais nas plataformas globais.

Outro ponto central é a taxação das plataformas de streaming. A proposta de destinar parte da arrecadação ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e parte para a aplicação direta pelas plataformas é um avanço importante. Mas, os recursos de aplicação direta devem ser utilizados para fomentar produções independentes, e as do FSA a produção, distribuição, a exibição, a capacitação profissional, a infraestrutura e a preservação de conteúdos.

No entanto, o papel do governo vai além de arrecadar recursos; é necessário agir ativamente para garantir que o marco regulatório seja implementado de forma eficaz e em tempo hábil. A regulamentação está atrasada, e isso é agravado pela falta de participação ativa de algumas instâncias governamentais no enfrentamento ao poder crescente das big techs. Enquanto as grandes plataformas avançam rapidamente, explorando mercados globais, incluindo o nosso, o Brasil precisa de uma resposta à altura, liderada por um governo comprometido com a defesa do interesse público.

Mais do que um debate econômico, a questão é cultural e estratégica. O audiovisual molda percepções e é uma ferramenta de influência global. Em 2018, o setor gerou R$ 26,7 bilhões, superando indústrias tradicionais. Cada R$ 54 milhões investidos em produções movimenta R$ 96 milhões na economia. No entanto, sem uma regulação adequada, corremos o risco de ver nossa riqueza intelectual explorada por empresas estrangeiras, sem benefícios proporcionais para o Brasil.

Por isso, a aprovação do PL 8.889/2017 ajustado e fortalecido é uma questão de soberania nacional. Precisamos de uma regulação moderna, que contemple cotas de visibilidade, uma taxação justa e a garantia de controle sobre nossas produções. O governo tem papel fundamental na condução desse processo. É indispensável que atue com rigor, transparência e urgência, assegurando que as políticas públicas sejam implementadas para equilibrar o poder das big techs e proteger o mercado brasileiro. Sem essa liderança, arriscamos perder nossa capacidade de decidir como nossas histórias são contadas e disseminadas. O futuro do audiovisual brasileiro está em nossas mãos. Este é o momento de agir com coragem para proteger nossas histórias, nosso mercado e nossa identidade cultural.

*Vera Zaverucha é consultora de Legislação Audiovisual e ex-diretora da Ancine.

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