Acadêmicos apontam que dependência da Ancine gera fraqueza do cinema brasileiro

Agentes do mercado e professores de Cinema se reuniram no primeiro dia do Fórum da Mostra – parte da programação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – nesta quarta-feira, dia 23 de outubro, para discutir "Por que o cinema brasileiro é tão frágil?", a fim de entender o que, na estrutura do cinema nacional, o torna tão propenso a ameaças de desmonte institucional e tão vulnerável às diferentes ondas político-econômicas e às mudanças de conjuntura.

Lúcia Nagib, professora titular de Cinema da Universidade de Reading, no Reino Unido, e diretora do filme "Passagens", selecionado para a 43ª Mostra de Cinema de SP, logo sugeriu uma correção no nome do painel. "Acredito que a palavra não seja fragilidade, e sim vulnerabilidade. Porque fragilidade é algo que pertence ao próprio objeto em análise, o que não é o caso do cinema brasileiro, que é fortíssimo. Vulnerável, que é algo que se refere aos fatores externos, se encaixa melhor – e aí sim existe uma questão séria e grave", explicou. Luiz Carlos Barreto, fundador da L.C. Barreto, produtora que teve dois títulos indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro, concorda: "O cinema brasileiro é forte na criatividade – hoje, ele é tão bom quanto ou até melhor do que no tempo do Cinema Novo. É mais diversificado, plural, tem visão artística e valores comerciais. Temos uma geração de diretores excepcional, que é artística e tem visão de mercado – está aí o 'Bacurau' comprovando essa teoria. Mas vivemos em uma gangorra, estando ora em cima, ora em baixo. Hoje, estamos em depressão. Mas é o governo que entrou em depressão. Não o cinema".

Falando nos fatores externos que interferem diretamente no cinema nacional citados por Nagib, Arthur Autran, professor na Universidade de São Carlos e diretor de documentários sobre cinema, bradou: "O maior problema atual é que o governo eleito odeia a cultura, a ciência e a educação. Não podemos fingir que não estamos vendo o elefante na sala. Todas as decisões que o governo toma em relação a esses mercados vêm de uma tacada de ódio, visando destruir tudo o que está relacionado à cultura e conhecimento de modo geral. Parece que ele quer destruir as estruturas ou, pelo menos, exauri-las. É um método de tortura, que vai sufocando os órgãos – tira a verba, retorna… São estratégias para cansar os adversários. Essa questão é mais geral e supera a discussão sobre o cinema brasileiro".

Por outro lado, Autran aponta quais seriam as razões internas para essa tal fragilidade – ou vulnerabilidade – do cinema brasileiro. "Os números de produção aumentaram, mas a participação continua diminuta. O market share na média não ultrapassada 15% em salas de exibição. Tem anos de pico, claro, mas essa é a média. A participação de mercado do cinema brasileiro, em geral, é pequena. A inserção no mercado é frágil. É preciso um auxílio do Estado, com base em uma relação forte. E não essa dependência de políticas públicas que temos", defendeu.

Sobre as políticas públicas, ele continua: "A Ancine, com suas qualidades e defeitos, reproduziu um dos problemas sofridos lá atrás pela Embrafilme. Ela avançou para áreas que deveriam ser cuidadas pelo Conselho Superior de Cinema e a Secretaria, se tornando um órgão hipertrofiado. Hoje, quando você ataca a Ancine, ataca o cinema brasileiro como um todo. O órgão é muito forte – e não podemos negar que o cinema cresceu aqui por conta dessa fortaleza – mas, por outro lado, em governos como esse, isso se revela uma fragilidade. Se o governo ataca a Ancine, as coisas paralisam. Essa dependência da Ancine gera uma fraqueza". Para Autran, o momento é de cobrar de municípios e estados políticas relacionadas ao audiovisual. "Eles precisam dar sua contribuição. Alguns políticos já estão sensíveis a isso, o que é um avanço, agora temos que trabalhar nessa ampliação, buscando novas formas de fomento", opina.

Já Luiz Gonzaga de Luca, presidente da Rede Cinépolis, ressalta: "Desde o governo FHC não houve nenhuma reflexão estrutural sobre o cinema brasileiro. Precisamos de uma modificação e afastamento do Estado. Rivalidades políticas destroem a questão construtiva do cinema brasileiro, que só resiste pela criatividade e insistência dos envolvidos". A professora Lúcia complementa: "A participação excessiva do Estado é um risco, pois ficamos ainda mais vulneráveis à uma paralisação. É preciso diminuir essa participação, mas também acredito que seja necessário lutar por um envolvimento do Estado com políticas públicas adequadas para proteger e garantir, por exemplo, a participação do produto nacional em serviços de streaming, já que estamos falando de monopólios globais com seus próprios interesses. Nesse sentido, Gonzaga acrescenta: "Empresas e produtores de cinema estão virando prestadores de serviço de emissoras de TV, seja cabo ou aberta, e também de streaming. O lucro não é deles, e sim das plataformas. Não podemos elogiar isso como se fosse uma evolução do mercado de cinema brasileiro. Por isso, defendo uma política de fomento de exibição e distribuição que permita que o nosso cinema chegue potente o mercado".

Apesar do cenário negativo, os participantes da mesa mantêm uma visão otimista. "Esse processo de desconstrução quer nos desligar de toda nossa história, como se nada tivesse existido antes. Mas lembrar desse lado histórico é justamente o que pode dar força para nós", opina Nagib. "No Governo Lula, as escolas de Cinema cresceram, criou-se uma massa crítica fortíssima. Se hoje o cinema brasileiro está tão bom, muito disso se deve ao apoio crítico que ele teve dentro e fora do país. Tivemos uma explosão de cursos de cinema que criaram essa massa crítica que hoje dá força para o cinema nacional. Com ajuda dessa crítica, e também da nossa força histórica, podemos superar o momento atual. O abismo encontra-se na nossa frente. É momento de saber abrir o para-quedas", diz.

Autran, por sua vez, finaliza: "Desde o Governo Temer, quem trabalha e acompanha a cultura brasileira sente que uma tempestade está prestes a desabar. E está desabando agora. Mas vale lembrar do que aconteceu no Governo Collor, quando tudo praticamente acabou, e nós conseguimos superar. A produção cultural, para continuar, precisa de uma luta que a sustente. As gerações anteriores estão acostumadas com lutas político-culturais, mas isso foi se perdendo nos últimos anos porque os jovens não tiveram essa necessidade de resistência. As novas gerações precisam se unir. É um cenário de conflito, que pede que você escolha um lado. No fim, prefiro ter a utopia em mente, lembrando que em outros momentos ainda mais terríveis o cinema brasileiro foi capaz de resistir".

3 COMENTÁRIOS

  1. JÁ ERA A ANCINE, ACABOU.

    É preciso que o cinema busque alternativas de viabilidade econômica sem depender 100% de leis de renúncia fiscal.

    Nada contra as leis de apoio à economia. É uma atribuição de o governo estar atento e ajustar ou regulamentar a economia conforme o momento econômico estrutural que um setor ou outro esteja passando. Pois com o governo sendo o maior sócio compulsório da economia através da arrecadação de impostos então cabe a ele como sócio e parte interessada intervir com subsídios e renúncias até, pois a renúncia é muito, muito perigosa, salvo em casos de extremas necessidades como a catástrofe econômica ao qual a economia como um todo está sujeita. Vide o exemplo do caso das Duas Torres, ao caso da bolha econômica do setor imobiliário? Não sei. Sinceramente eu não sei. Pois existia uma lógica criminosa, por trás deste setor, dentro do próprio sistema financeiro. Então este evento, ao ver deste intromedito é mais um caso de polícia, que um caso de economia estrutural e conjuntural.

    BNDES
    Todos os setores da economia são subsidiados, haja vista o que acontece com a agroindústria em geral. Sem restrição todos os setores da economia de uma forma ou de outra são subsidiados. Confiram com uma visita ao site do BNDES.

    Vou citar especificamente o agronegócio. Que eu fiz um projeto para a implantação de uma indústria de laticínios: existem recursos para se financiar 80% do projeto, inclusive com o financiamento para o capital de giro, com 2 anos de carência; parcelado em 10 anos com juros de apenas 25 a.a. Via Leasing Finame que tem como garantias primárias os próprios equipamentos.

    SALA MUNDIAL
    No caso da Cultura, mas vou limitar-me especificamente ao CINEMA, que diferentemente de outros setores da cultura. Hoje tem uma sala de exibição do tamanho do mundo. Não é preciso mais de uma sala de exibição fixa e cara, não democrática, como a internet o é.

    O que acontece com a forma que o CINEMA e os outros setores da cultura sempre foram tratados é que o Cinema quando da sua concepção não é tratado por seus proponentes como um produto como todos os outros setores os são. Se um filme não tiver público não tem nenhum problema para os seus agentes, produtores, diretores etc., pois quando ele entra numa sala de cinema ele já está 100% pago. Isso não acontece com nenhum outro setor da economia: o objeto do financiamento precisa vender para pagar o valor tomado e ainda mais precisa gerar lucros para os seus proponentes lograrem benefícios do negócio.

    CULTURA NÃO É INDÚSTRIA
    É verdade?! É verdade? É verdade! É verdade. Quem sabe o que quer dizer ?!. ?, ! e a ausência de uma destas pontuações entenderão melhor, pois estou falando de matemática discreta e matemática concreta e aplicada.
    As artes cênicas são tão rentáveis que não precisamos ir longe para vermos o que estou dizendo. Citar Hollywood, não, vamos citar o Grupo Globo. E os seus protagonistas principais que vivem exibindo as suas riquezas sem esconder nada de ninguém. Este papo de que cultura não é indústria no que se refere à atração para arrecadar dinheiro via todas as suas alternativas de vendas.

    ALTERNATIVAS
    Hoje com a facilidade de interação entre os fazedores de Cinema que podem juntarem-se e ou reunirem-se em grupos de trabalhos colaborativos, por exemplo, e produzirem projetos usando apenas o capital principal para a produção de conteúdos, até o limite máximo, onde estes conteúdos possam ser apresentados às iniciativas privadas e ou pública como produtos prontos para serem vendidos e exibidos para a grande aldeia cinematográfica mundial.

    PROFISSIONALIZAÇÃO COMERCIAL
    Os exemplos de profissionalização de alguns setores da cultura que hoje nada a braços largos na economia, quando esses são tratados profissionalmente: o surfs, o sertanejo etc. Paremos apenas nestes dois.

    ENTRETENIMENTO NÃO É INDÚSTRIA
    Desculpem-se é sim. O povo precisa de entretenimento e está disposto a pagar caro por ele, porém ele precisa falar a linguagem do povo, ou então, não queiram que o povo pague por ele. Coloque nas telas a cara do povo do jeito que ele é com todas as suas complexidades e singelezas, opulência e pobreza, na doença, na tristeza e na abundância. Pois o povo quer se ver representado como ele o é, da pessoa mais pobre à mais rica os nosso problemas em muitos aspectos não totalmente idênticos: somos honestos e desonestos, éticos a antiéticos, morais e amorais ou imorais. O pobre também que ver os pobres que deram certos dentro desta aldeia que luta pela sobrevivência como todos os seres vivos lutam para a perpetuação de suas espécies: os maios fortes sobreviverão.

    JÁ ERA A ANCINE, ACABOU
    Pois neste momento estou assistindo uma entrevista com Sebastião Salgado e este sal é dos mais caros e ele se impôs com o sal, o suor, o açúcar que ele sabe e soube extrair o seu néctar e colocar aos nossos sentidos todos.

    EU: NÃO HUMILDEMENTE
    Não humildemente eu abri um Grupo: CINEMA NA VEIA para quem concorda juntarem-se sem regulamentação externa de Sindicatos, de Ministério da Escravidão ( que alguns chamam de Trabalho). Eu proponho a implosão da carteira profissional assinada para os que têm competências e acreditam nelas. E principalmente não pense que o trabalho é uma via crucis e sim uma fonte de onde extraímos a serotonia, endorfina, GH, growth hormone, etc. "A Serotonina é um hormônio que atua regulando o humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal, sensibilidade e funções intelectuais e por isso, quando este hormônio se encontra numa baixa concentração, pode causar mau humor, dificuldade para dormir, ansiedade ou mesmo depressão ." (copiado no Google) .

    Para mim, o trabalho sempre foi diletantismo, por isso que não optei por ter aposentadoria, pois eu não quero deixar o que me diverte até o último dia que eu mesmo decidir morar no Exoespaço ou junto com os seres que vivem nos buracos de minhoca que Einstein disse existir e que o matemático indiano, Srinivasa Ramanujan, conseguiu demonstrar que eles existem. (sugestão: Filme – O Homem que viu o infinito).

  2. A produção dita independente brasileira vive praticamente de 100% de recursos públicos a fundo perdido. A arrecadação com a comercialização de seus produtos não chega nem perto de cobrir os gastos de produção. Passados 27 anos da aprovação da Lei do Audiovisual, o setor não consegue nem mesmo vislumbrar o que seria a tal auto-sustentabilidade (mesmo para as produções com um perfil mais "comercial"). Se isso não é ser frágil, então não sei mais o que significa essa palavra.

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