Nesta terça-feira, dia 22 de outubro, teve início a 8ª edição do Mercado SAPI, o mercado audiovisual do Centro-Oeste, que ocupa o Hub Goiás, em Goiânia, até o dia 25, com palestras, estudos de caso, painéis, masterclasses e oficinas, entre outras atividades. A abertura foi feita por Lidiana Reis, curadora e produtora do Mercado SAPI e idealizadora do Prêmio CORA, que ressaltou a importância de iniciar a programação com um debate sobre políticas públicas. "Fazer audiovisual no Centro-Oeste do Brasil é uma atuação dupla – envolve não só a criatividade e a produção, mas também a parte política. Temos a expectativa de pensar de forma conjunta com as nossas Secretarias de Cultura, entendendo que essa colaboração entre os estados da nossa região é fundamental. O audiovisual vive de ciclos, por isso precisamos estar fortalecidos para enfrentar seus altos e baixos", declarou.
Por estar longe do eixo Rio-São Paulo, que até hoje concentra parte dos recursos federais do audiovisual, além de empresas e oportunidades, a região Centro-Oeste valoriza bastante a atuação dos municípios e estados, e enxerga resultados muito positivos de políticas como a Lei Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo. De acordo com o Painel Geral de Dados da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), em 2023, os valores recebidos por estados, DF e municípios somaram mais de R$ 2,98 bilhões. Entre os estados que mais avançaram na aplicação dos recursos estão Paraíba, Goiás, Acre, Distrito Federal e Tocantins. No Distrito Federal, os recursos repassados pelo MinC financiarão cinco editais que contemplarão 178 projetos culturais. Segundo a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF, mais de R$ 36 milhões serão distribuídos para financiar seis produções audiovisuais e 67 produções culturais na cidade. O Programa Estadual de Incentivo à Cultura – Goyazes, de Goiás, também é de suma importância para o setor. Ele apoia financeiramente eventos como o Lanterna Mágica – Festival Internacional de Animação e o próprio Mercado SAPI.
Gabriel Bastos, gerente de Fomento ao Audiovisual e Salas de Cinema da Secult de Goiás, informou que, no âmbito da secretaria, foi feito um pedido de prorrogação nos prazos da Lei Paulo Gustavo – inicialmente, havia um ano para execução dos longas e séries, mas a ideia é ampliar o prazo para captar mais recursos, gerar mais emprego e verba e ainda contemplar novos projetos. Ele chamou a atenção para a falta de mão de obra. "Com o advento da Lei, tivemos um boom de projetos, que não era comum, e hoje faltam profissionais. As pessoas estão trabalhando em dois, três projetos ao mesmo tempo. Por isso precisamos pensar em capacitação e formação, com editais nesse sentido também", afirmou. Outro ponto para onde a secretaria tem olhado é a parceria com outros países. Já existe, por exemplo, um acordo com uma universidade de Londres, na Inglaterra, para que três estudantes de cinema da região possam estudar lá.
E, visando esse fortalecimento dos estados, a secretaria pensa numa Lei Rouanet própria para o Centro-Oeste e meios de incentivar coproduções internacionais na região. Outro projeto é a implementação de film commissions. "Estamos com uma consulta pública aberta e programando ações para o próximo ano para estruturarmos essa film commission. Buscamos a Spcine para uma consultoria. As pessoas não conhecem nossa região. Não temos um banco de imagens ou programas de apoio. E são coisas de suma importância", disse.
Keiko Okamura, que é Secretária Adjunta da Cultura do estado de Mato Grosso e também produtora audiovisual, enfatizou que o momento é de trabalhar essas questões que foram levantadas a partir da Lei Paulo Gustavo, observando as demandas que ficaram evidentes e os principais desafios. "O trabalho deve ser feito pensando em como fortalecer essa cadeia produtiva do audiovisual", destacou. Ela também abordou essa necessidade de uma atuação conjunta entre municípios e estados: "Não conseguiremos abranger os estados como um todo se não trouxermos os gestores municipais. Precisamos contar com esse suporte para que eles ajudem, de maneira geral, a trazer esse desenvolvimento".
Okamura mencionou ainda a retomada dos arranjos regionais no FSA – o que anima especialmente os produtores da região – e a oportunidade de que as histórias do Centro-Oeste sejam contadas. "Temos questões ambientais, do agronegócio, os povos tradicionais. Entendemos que o audiovisual é a ferramenta para isso. O audiovisual, ou qualquer outro segmento da economia criativa, é inesgotável. Já a natureza, não. Estamos vivendo numa situação extrema de qualidade de vida. Precisamos falar sobre isso. Temos estados diferentes entre si, mas o potencial é o mesmo. Podemos ser um polo de desenvolvimento. Temos conteúdo para mostrar para o mundo", ressaltou. "Mas devemos fazer um trabalho de formiguinha com o próprio setor local para que ele entenda a importância de pensarmos num projeto coletivo de desenvolvimento", acrescentou a secretária.
Papel das associações
Nesse contexto, o papel das associações também é muito relevante – como é o caso da CONNE, a Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Cibele Amaral, cineasta e uma das diretoras da CONNE, reflete: "A política do audiovisual é necessária para que ele exista. E política também é networking. Muitas pessoas com quem hoje faço negócios eu conheci fazendo política. Principalmente na CONNE, aproximamos essas regiões em termos de troca de expertises, contatos, informações e negócios". E explicou: "Nosso foco é fazer parte das discussões políticas e tomadas de decisões. É um trabalho que, às vezes, parece invisível. Não somos uma associação que manda os talentos para os festivais. Mas estamos fazendo uma série de movimentos para termos fomento para a internacionalização dos projetos das nossas regiões, por exemplo".
Nesse sentido, ela comentou sobre a presença de nomes da CONNE no Comitê Gestor do FSA e no Conselho Superior de Cinema – como a sócia da Têm Dendê Produções, Vânia Lima, da Bahia, e o produtor acreano Clemilson Farias, ambos membros do Conselho, além de Gabriel Pires, coordenador do Nordeste Lab, que é suplente. Já o diretor Nordeste da CONNE, Mauricio Xavier, está no Comitê Gestor do Fundo Setorial. "Isso é importantíssimo. São pessoas que ajudam na tomada de decisões que impactam a vida de muita gente".
Ela também frisou a importância das Secretarias de Cultura nessa atuação conjunta, uma vez que elas executam os recursos que chegam por meio de políticas federais, e ainda podem ajudar na ponte com os parlamentares, e destacou a atuação da CONNE de "persistir e insistir" para que os arranjos regionais do FSA voltassem. "O Governo Federal não dava conta das especificidades de cada região e de cada estado. Não tinha como lançar editais que pudessem refletir nossa realidade. A participação da CONNE foi fundamental na volta dos arranjos. E isso tem a ver com esse trabalho de colocar pessoas importantes em lugares importantes – como o Comitê Gestor e o Conselho Superior".
Amaral tem uma visão otimista diante do momento atual – especialmente para o Centro-Oeste. Vale mencionar que o filme "Oeste Outra Vez", do diretor goiano Erico Rassi, recebeu o prêmio de Melhor Longa-Metragem Brasileiro na última edição do Festival de Cinema de Gramado. A ficção, que retrata a fragilidade de homens brutos abandonados pelas mulheres que amam no sertão de Goiás, levou pra casa, além do principal prêmio da noite, os Kikitos de Melhor Ator Coadjuvante para o estreante em longas Rodger Rogério e de Melhor Fotografia para André Carvalheira. "Tenho a sensação de que é um ano muito bacana para nós. Esse filme tem uma identidade forte do Centro-Oeste. Estamos num momento de transformar essa oportunidade em uma cena. Olhar para a região – o que ela tem de bom, o que tem de ruim, e conversarmos".
Em junho, a CONNE se debruçou sobre os números de todos os editais do Fundo Setorial do Audiovisual, cujos resultados finais foram divulgados em 2023. Os dados e análises formaram a publicação "FSA 2023 – Resultados e Lições", entregue à Ministra da Cultura, Margareth Menezes; à Secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga; ao diretor-presidente da Ancine, Alex Braga; e aos membros do Comitê Gestor. No Instagram da associação está disponível um link para quem quiser baixar o estudo. "Precisávamos de dados estratégicos para argumentar sobre desconcentração de recursos e diversificação da produção. Dos 9 bilhões de reais – contando todos os valores, não só do FSA – só um bilhão veio para a região CONNE. Estamos longe dos 30, 40%, e somos em 20 estados. Ficamos sempre nesse lugar de achar que a nossa política está só ali, nas secretarias. Mas precisamos olhar para esses números", pontuou Amaral.
Regulação do VOD
Por fim, a produtora enfatizou a importância do envolvimento de todo o setor, nacionalmente falando, em torno daquela que ela julga ser a batalha mais relevante da atualidade: a regulamentação das plataformas de streaming. A CONNE está trabalhando diretamente em uma campanha a favor da aprovação do PL 8.889/2017, que inclui posts nas redes sociais e vídeos informativos, que Amaral pede para que todos compartilhem a fim de multiplicar essa mensagem – inclusive para quem não é do setor. "Se cada um não tiver um engajamento muito pessoal diante dessa questão, o recurso que já não dá pra todo mundo vai ficar cada vez menor – e, enquanto isso, as plataformas ganharão cada vez mais dinheiro e seguirão sem contribuir com a nossa indústria", afirmou. Amaral mencionou o outro PL que trata do assunto e criticou especialmente os 3% de cobrança de Condecine das plataformas que ele propõe – contra os 6% do PL que ela apoia. "A lei não é perfeita, mas a lei que tem é essa. Dá para melhorar depois por meio de ementa. Mas, pelo bem do fortalecimento da produção audiovisual independente, precisamos aprová-la".
Lidiana Reis, que moderou o debate, concluiu: "Existe uma falsa narrativa de que esse PL é equivocado, que é o PL da Globo. Precisamos enfrentar essas mentiras. É importante para a produção audiovisual independente como um todo. É uma pauta que deve reunir o país inteiro, dos pequenos aos grandes produtores. Faremos uma campanha forte especialmente pós-eleições pois esse é um assunto que impacta o futuro de todo mundo que trabalha com audiovisual".