A Têm Dendê Produções, de Salvador – Bahia, é uma produtora audiovisual com 25 anos de história. Quem está à frente do negócio é Vânia Lima, que hoje inclusive ocupa uma cadeira no Conselho Superior de Cinema. Além de sócia fundadora do grupo, ela também é diretora de conteúdo e produtora. A atuação política permeou, direta ou indiretamente, toda a sua trajetória. "Precisamos garantir a existência de políticas públicas que possam suportar e apoiar essa indústria que está crescendo e se modificando. Não dá para pensar cinema e audiovisual como era no passado. Isso é algo que me incomoda muito. Nossos filmes demoram tanto para sair que estamos criando para quem nem nasceu ainda. É importante termos isso em mente", pontuou Lima em uma apresentação durante o Mercado SAPI, em Goiânia, nesta quarta-feira, 23 de outubro.
A empresa, que atualmente conta com cinco pessoas no quadro societário, costumava repensar seu plano de atuação a cada quatro anos. Depois da pandemia, as coisas ficaram ainda mais aceleradas, e ela passou a fazer essa análise a cada dois. Olhando para o trabalho de modo mais amplo, Lima reflete: "Não dá para descuidar da política e da luta, mas também não dá pra não fazer negócio. Nosso caminho é esse".
A Têm Dendê traz no portfólio mais de 50 títulos para o mercado nacional – a maioria deles voltados para a televisão e, mais do que isso: para a televisão aberta e regional. "E tenho muito orgulho disso. Nossas obras conversam com muita gente – com pessoas periféricas, de matizes, que têm sonhos e desejos. Se tem uma coisa que a TV brasileira sabe é trabalhar a audiência. E aprendemos com ela a entender para quem são as nossas obras. Porque no final do dia eu estou contando uma história para alguém. É isso que interessa. A história não é para mim, para alcançar uma meta ou para atingir determinado espaço. Eu preciso atingir as pessoas. E isso tudo aprendemos com as nossas primeiras experiências com a TV aberta local e regional. Não é fácil, claro – TVs abertas são concessões públicas dadas a determinadas famílias ou empresas, e isso interfere na linha editorial, nas parcerias e no entendimento do que é a produção independente. Então a relação não é só de amor, mas também de luta e conquista", definiu Lima. Ela costuma dizer que a produtora sempre "contrabandeou" muita coisa para dentro da TV aberta. "É nossa característica. Em todos os projetos colocamos nossas ideias, provocações e inquietações. Foi assim que crescemos". Entre os títulos de sua carteira, estão "Parquinho", "Memórias do Brasil", "Territórios Negros", "O Gravador de Histórias" e "Cícero", entre outros.
Políticas públicas e construção de mercado
Os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual começaram a chegar com uma porcentagem de 30% na região CONNE (Centro-Oeste, Norte e Nordeste) a partir de 2016 – e o momento marcou uma virada de chave para a Têm Dendê. "Ali demos um pulo. Éramos, até então, uma empresa que recebia os projetos das emissoras abertas. Fazíamos a produção in house, em Salvador, e em alguns casos na região Norte, e recebíamos produtores do Rio de Janeiro e de São Paulo que iam para lá pra trabalhar. As propriedades intelectuais nunca eram nossas. Fazíamos a arquitetura e o desenho de produção, mas não tínhamos os direitos. Depois, começamos a criar soluções para produções dos outros. E isso se tornou uma inquietação minha. Naquele ano de 2016, decidi que seria diferente. Criamos um novo desenho de trabalho visando as propriedades intelectuais. Como teríamos as políticas públicas, era hora de bater na porta", lembrou. "Já chegamos batendo forte na porta – e recomendo que todos façam isso. Todo mundo tem direito às políticas públicas. Se via edital não está funcionando, se pronuncie através das entidades. Esse dinheiro é do setor audiovisual e de nenhum outro. Por isso não podemos bater fraco nessa porta", declarou.
Então, de 2016 até pouco antes da pandemia, a produtora passou a contar com o financiamento dos recursos públicos de diversas dimensões. "O financiamento público mudou a cara do audiovisual brasileiro. Não tem mais esse eixo Rio-São Paulo. É verdade que existe, sim, um polo industrial com uma capacidade operativa superior nesses estados – são mais equipamentos, escolas, profissionais e players de todos os segmentos. Porém, assim como acontece em outros países, também existem segmentos de produção funcionando em outros eixos do Brasil", afirmou. No entanto, Lima diz que ainda é difícil enxergar um programa de desenvolvimento sólido para esses demais eixos produtores do país. "Pelos relatórios do FSA, o estado que mais devolveu recursos proporcionalmente foi a Bahia, e não o Rio de Janeiro ou São Paulo. Não tem como dizer que não somos uma indústria. Por isso não podemos bater fraco na porta das políticas públicas", reforçou.
E, ainda falando desses agentes, empresas e territórios vistos como "menores", a produtora apontou que, quando se pensa em distribuidora, a primeira coisa que surge na cabeça das pessoas são as grandes empresas de São Paulo e Rio de Janeiro, mas que não são elas quem mais distribui os títulos do cinema brasileiro. "Os nossos filmes são distribuídos o tempo inteiro por muitas pequenas distribuidoras – que começaram a trabalhar por conta depois de cansarem de bater na porta das distribuidoras grandes. Precisamos olhar para isso. Temos potências em muitos lugares; filmes bons sendo realizados em muitos lugares. Estamos cansados das mesmas paisagens – e, inclusive, precisamos deixar de ser vistos como paisagens para passarmos a ser vistos como narrativas, histórias, contextos e vivências. É nesse lugar que a Têm Dendê quer estar hoje".
Potencial de negócio e busca pela audiência
Partindo da ideia de pensar nos conceitos de formas diferentes – essa é a provocação que a produtora faz – Lima entendeu que precisava crescer. "Pensar diferente implica em mais gente criando. Hoje, temos um time de criadores. E, desde 2017/2018, temos o projeto 'Talentos Brasil', que criamos internamente, porque precisávamos de ainda mais olhares diferentes. Quando convivemos muito com as mesmas pessoas, ficamos parecidos. Abrir outras janelas foi algo que ajudou muito a empresa", observou. Com a criação dessa iniciativa, a Têm Dendê passou a receber muitos projetos – a maioria com alguns defeitos de criação, como falta de adequação para a audiência ou bíblia incompleta, por exemplo. "A verdade é que sempre falta dinheiro de desenvolvimento – e essa é uma realidade não só desses projetos, mas do Brasil. Não criaremos algo que realmente atinja a audiência se isso não puder ser testado antes. Hoje, as coisas são feitas do jeito que dá e já vamos rodar. Não pode ser assim".
Com essa inquietação, Lima decidiu, em 2020 – época de pandemia, de rever estratégias, num momento em que muitas empresas estavam fechando e liberando suas equipes fixas – investir 700 mil reais em desenvolvimento de obras – e não em obras de criativos da Têm Dendê, e sim de outras pessoas. "Se desse errado, não teria volta. Nesse momento tão difícil, tomei essa decisão. E não foi um ato de coragem. Foi com medo mesmo", relembrou. Então, a produtora escolheu nove projetos e, quatro anos depois, financiou seis deles. "Não tem receita de bolo. O que fazemos é arriscado mesmo. O produtor está no lugar mais sensível desse risco. Já fali duas vezes e recomecei", revelou.
A empresa segue trabalhando com outros talentos – de fora de casa, da cidade e do estado também – e, com o passar dos anos, foi mudando o tipo de projetos que busca. "Antes, queríamos projetos que tivessem o DNA da Têm Dendê, isto é, com relação afro-centrada, cultura, identidade e paisagem do Brasil. Hoje, já não acreditamos que nossos projetos se aprisionam aí. Temos certeza que ficção é um braço importante – temos um núcleo grande só de ficção na produtora. E continuamos prestando serviço. Mas, em relação aos nossos próprios IPs, queremos projetos que busquem a audiência. Essa é a prioridade. A audiência pode até ser segmentada, mas o projeto tem que ter um desenho de audiência. Não dá para embarcar num projeto sem saber para onde vamos".
Por fim, ela resumiu: a Têm Dendê busca projetos que tenham perspectiva de negócios – o que faz com que eles sejam capazes de atrair janelas, coprodutores e parceiros, por exemplo; potencial criativo de ineditismo, impacto ou adesão de público, que Lima acredita serem as três premissas para encontrar a audiência; e que abram espaço para construções em conjunto, isto é, onde a empresa se enxergue contribuindo. Além disso, tem uma questão de timing – ela precisa sentir que é o momento certo. "Tem projetos belíssimos que eu queria muito fazer, mas às vezes naquele período já estamos fazendo algo muito parecido. Ou então não temos a maturidade de entrar naquele projeto ainda".