Para Daniela Busoli, da Formata, falta estrutura para as mulheres poderem trabalhar no Brasil

Daniela Busoli é CEO e fundadora da Formata Produções, uma das principais produtoras audiovisuais do cenário nacional. Criada em junho de 2015, a empresa já produziu mais de 600 horas de conteúdo – entre os projetos, destacam-se formatos originais, como "Adotada", da MTV, que foi indicada ao Emmy Internacional em 2016; "Entubados", do Canal Sony, finalista do Prêmio International Format Awards em Cannes 2017; e "Fábrica de Casamentos", para o SBT/Discovery Home & Health, considerado pelo Prêmio UOL TV e Famosos como o melhor reality de 2017 e melhor reality show de talentos em 2018; entre outros. No cinema, foi responsável pelos longas "Os Parças", indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro como Melhor Comédia, e "Os Parças 2", ambos sucessos de bilheteria. Entre seus próximos lançamentos, estão o longa "A Suspeita", estrelado e coproduzido com Glória Pires; a comédia "Detetive Madeinusa", com Tirullipa e Whindersson Nunes; o filme "Os Aventureiros", com Luccas Neto; e a minissérie "Betinho", em coprodução com o Afroreggae Audiovisual para o Globoplay.

Como mulher e empreendedora, Busoli reflete sobre as questões de gênero no mercado de trabalho em entrevista exclusiva para TELA VIVA: "As mulheres são mais da metade da população do Brasil e, ainda assim, estão menos presentes no mercado, isso é um fato; temos uma diferença de renda importante – que melhorou nos últimos anos, mas ainda ganhamos menos do que os homens, e é uma diferença significativa. Além disso, a mulher tem uma carga de trabalho muito maior. É quase o dobro de horas em relação aos homens quando somamos as atividades profissionais e as dedicadas à casa e à família". E acrescenta outro ponto importante: "Existe muito preconceito e machismo no Brasil. Não só no nosso mercado, que na verdade é só um reflexo. A maioria das lideranças ainda é masculina. Tenho 50 anos agora, sou de outra geração. Na minha – e que bom que isso também está mudando – faltava muito respeito. Brincadeirinhas eram aceitas, tidas como normais. Toda mulher já passou por isso e não é engraçado – pelo contrário, é desagradável e nunca vai deixar de ser. Sempre ouvimos bobagens ao longo da nossa ascensão profissional. Eu mesma já ouvi muitos comentários nesse sentido. E você fica triste, machuca. Respeito é o mais importante. É isso que tem que mudar". 

Ao longo de sua carreira, Busoli sempre gostou de trabalhar com mulheres – na própria Formata, elas ocupam diversos cargos, como direção de ficção, de produção de não-ficção, de desenvolvimento e área jurídica, entre outras. Mas ela garante que isso não é de caso pensado: "Meus times sempre foram formados por muitas mulheres; é um olhar natural meu. Não faço contas, algo como 'preciso colocar mais mulher'. É automático. E além de ter mulheres em cargos importantes dentro da Formata, também faço questão que elas estejam em todas as salas de roteiros".

Porém, a CEO faz um alerta: "No Brasil, não há estrutura para as mulheres – faltam creches, por exemplo, condições para a mulher realmente poder trabalhar. Muitas mulheres largam o emprego para cuidar dos filhos. Ainda não vejo muita flexibilidade, que é algo que eu, por exemplo, faço desde o dia zero. A flexibilidade faz a mulher ficar tão feliz de poder trabalhar. Ela trabalha muito mais. Home office, por exemplo, é uma alternativa possível para mim. Eu não abriria mão de ter filhos por conta da carreira. Sou apaixonada pelos meus filhos e uma super executiva. Flexibilidade é poder levar o filho ao pediatra, participar da reunião da escola. Chefe que tem isso em mente só se dá bem. A mulher fica feliz de poder cumprir os dois papéis porque ela tem esses dois papéis". Para ela, inclusive no setor audiovisual, ainda faltam muitas mudanças nesse sentido. "Vejo que as empresas estrangeiras estão muito à nossa frente. Você vê muito mais mulheres em cargos importantes nas multinacionais. No Brasil, nas empresas brasileiras, você quase não vê", lamenta. 

Empreendedorismo no Brasil 

Busoli já passou por grandes empresas – como a Endemol Shine e a Fremantle – antes de abrir sua própria produtora. Mas o caminho empreendedor no Brasil é árduo – e isso ficou ainda mais claro para ela no último ano, especialmente após a chegada da pandemia de Covid-19 no país. "Eu sofri na pele o ser empreendedor no Brasil. Por mais trabalho que se tenha em uma multinacional e toda a responsabilidade de um cargo de liderança, nada se compara a empreender. Vivi as dores e sabores dessa experiência", relata. "Quando eu montei a Formata, há quase seis anos, a empresa se estabeleceu rápido no mercado e teve uma linha de crescimento importante desde então. A gente produziu mais de 600 horas de conteúdo para todo tipo de plataforma e cliente, como TV aberta, fechada, cinema, streaming. Por uma decisão estratégica, montamos lá atrás um estúdio próprio, de 800m², com sala de produção, camarins e escritório. É uma área grande e que, por isso, tem um custo alto. Estávamos crescendo, com um volume grande de trabalho para uma produtora independente, e de repente veio a pandemia. Segurei o máximo que pude, até meados de agosto, o quadro de funcionários, até o momento que não deu mais por conta de um sacrifício de caixa. Os custos foram muito altos. O ano passado foi muito triste para a humanidade. Ainda está sendo triste", reforça. 

"Não sou uma pessoa que se lamenta – costumo dizer que capoto mas não breco. Tenho uma visão otimista. Acho que o empreendedor, especialmente no Brasil, é um otimista patológico, porque só sendo otimista e muito louco para enfrentar as intempéries de empreender no Brasil. Por muitas vezes no ano passado cheguei a pensar: 'Nossa, que saudade de ser uma executiva'. Porque por mais que tenha problemas, você tem a retaguarda da empresa, que não é sua. Diferentemente do que é hoje a Formata, que depende muito de mim e dos meus sócios. Então foi muito duro, não vou negar", confessa Busoli. "Mas serviu, por outro lado, para mergulharmos em estratégia, desenvolvimentos, parcerias, projetos, busca de produtos. Vejo o lado positivo disso, o que estamos começando a colher agora. Fechamos projetos importantes, que vão nos proporcionar crescimento. E vamos retomar bem. Vai ficar um hiato do ano passado, claro, mas temos um bom futuro", acredita. 

Impactos da pandemia e mudança nos hábitos de consumo 

Seguindo os protocolos de segurança, a Formata tocou dois trabalhos durante o período: o longa-metragem "Detetive Madeinusa", com a Galeria Distribuidora, e o "Faz Teu Nome", para o Multishow. "Foram trabalhos totalmente diferentes. Protocolos, testes… O estúdio parecia uma nave espacial. Mas fomos bem", diz Busoli, que não acredita que as práticas adotadas para o trabalho na pandemia seguirão presentes no futuro: "Nosso meio requer aglomeração. Qualquer produção envolve um número grande de pessoas, mesmo em projetos pequenos. Eu acho que não tem grandes aprendizados. O maior que a gente pode carregar é o trabalho à distância, coisas que a gente consegue fazer. Uma pré-produção, por exemplo. Mas imaginando um cenário com todos vacinados, em que a pandemia realmente tenha acabado, acho que voltamos para o padrão que tínhamos antes. Talvez com um pouco menos de gente, uma certa otimização do trabalho. Mas não vejo grandes mudanças". 

Apesar de não apostar em grandes mudanças nas práticas de trabalho, por outro lado Busoli enxerga uma mudança importante no comportamento do consumidor: "O consumo de streaming, que já vinha de uma tendência de crescimento, disparou. O público assistiu a tudo que estava disponível. Os hábitos mudaram e acho que isso vai interferir muito nas janelas de exibição daqui pra frente. No tempo em que um conteúdo que estreia nos cinemas chega às plataformas, por exemplo. É uma mudança bem significativa e que potencializou com a pandemia". 

Além disso, existe outro ponto relevante dentro da questão da mudança nos hábitos de consumo: o gosto do consumidor e sua abertura para diferentes gêneros e nacionalidades de produções – o que também já era uma tendência do streaming. "Tirou-se o estigma de uma série precisar ser falada em inglês. Aquela história de que o português não viaja porque é falado em poucos países também já foi derrubada. Consumimos histórias japonesas, espanholas, suecas. Isso é maravilhoso. A ficção também se fortaleceu bastante no período", comenta a CEO. 

Projetos futuros 

Falando em produções de ficção, a Formata tem feito cada vez mais investimentos nesse sentido. "É algo para o qual nos preparamos lá atrás e hoje é uma realidade", conta Busoli. "Temos uma gama de projetos de ficção bastante importante a partir do segundo semestre e estou muito feliz com isso. Ampliamos bastante o portfólio de produtos e os clientes com os quais trabalhamos ao longo do ano passado. Hoje, temos projetos para janelas variadas. 

Neste ano, a produtora já estava gravando uma nova temporada de "Os Roni", do Multishow; em pré-produção de um novo programa com a Jojo Toddynho, para o mesmo canal, e prestes a entrar na fase de pré-produção do próximo longa do youtuber Luccas Neto. No entanto, com o agravamento da pandemia, os cronogramas foram temporariamente adiados. "É uma coisa muito séria. A gente tem que entender que estamos morrendo. A vacinação é a única alternativa – para nós, como humanidade, e claro, para o setor também. Mas eu tenho esperança de que a gente realmente consiga retomar no segundo semestre. Estamos vivendo um dia de cada vez. Só não podemos desistir", conclui. 

Ao longo do mês de março, TELA VIVA celebra o Dia Internacional da Mulher e presta uma homenagem às mulheres de destaque no cenário audiovisual nacional. Acompanhe as próximas entrevistas e confira as anteriores já disponíveis no site.

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