"É fácil transformar filme em série, e vice-versa", garante o diretor Alê McHaddo

No segundo dia do Fórum da Mostra, parte da 43ª Mostra de Cinema de São Paulo, realizado nesta quinta-feira, dia 24 de outubro, no Itaú Cultural, produtores de diferentes gêneros, como animação, ficção e realidade virtual, se reuniram para debater a necessidade que os filmes têm hoje de se moldarem a certos suportes e extensão por conta das transformações da indústria. Um dos principais insights do painel foi o fato de que, atualmente, as formas de existência de uma obra se expandiram, e que os projetos audiovisuais já são facilmente adaptáveis de um meio ao outro.

"Hoje, é muito fácil transformar filme em série, e vice-versa", garante o diretor Alê McHaddo, que é sócio-fundador das empresas 44 Toons, 44 Filmes e 44 Interactive. Sua experiência pessoal comprova sua teoria: na programação da Mostra, ele exibe o filme "Osmar, a primeira fatia do pão de forma", longa-metragem derivado da série homônima exibida por canais como TV Brasil e Gloob com estreia comercial prevista para 2020. "A série tem 52 episódios de 11 minutos de duração cada. Na hora de criar o longa, queríamos fugir de algo que se parecesse com um grande episódio de seriado. Tinha que ser cinema, com cara de cinema, e contando outra história, diferente da que as pessoas viram na televisão. A transição é possível, mas é necessário ter em mente para quem você está contando a história e para que mídia você está indo com ela", explica. Em relação ao desenvolvimento da trama, ele usa a "teoria do flow", usada especialmente no universo dos games, para ilustrar o processo: "Nos games, o jogador está envolvido naquilo mas, se começa a achar muito difícil realizar as ações, ele desenvolve um nível de ansiedade que o faz abandonar o jogo. A mesma coisa se estiver fácil demais – aí ele sente tédio e também sai. A regra também funciona para conteúdos seriados. Tem que balancear ansiedade e tédio, equilibrando as duas coisas para não perder o espectador".

O diretor Sérgio Machado também traz uma experiência pessoal para falar sobre histórias e formatos. Com um conteúdo em cartaz na Mostra em formato de série, "Irmãos Freitas", que também estreou na grade de programação do canal Space na última semana, ele conta que o projeto que narra a trajetória de Acelino "Popó" Freitas, campeão de boxe, nasceu inicialmente para ser um longa-metragem. "Desde a época do 'Central do Brasil' o Walter Salles já tinha vontade de contar a história de vida do Popó. Vira e mexe ele voltava com essa ideia. Quando começamos a de fato trabalhar nesse roteiro, o trabalho se revelou bem difícil. Nunca chegávamos a um roteiro fechado para um longa – eles ficavam com 400 páginas, o que daria seis horas de duração no cinema. No processo descobrimos ainda a história do irmão do Popó, que foi moldado para ser o verdadeiro atleta da família, mas não deu certo, e tivemos que ampliar o escopo da trama porque aí havia outra grande história", relembra. "Foi mais ou menos há dois anos que decidimos jogar a tolha. Logo depois, encontramos o Fabiano Gullane, produtor, que foi quem sugeriu a ideia do projeto virar uma série. Para ele, estava óbvio. A partir daí, o processo rolou quase que de imediato, e entendemos que essa história só funcionaria se contada nesse tamanho mais extenso, pelo menos inicialmente. Para mim, foi uma experiência bacana para aprender a pensar em outras possibilidades de formato de acordo com cada história", conclui. Ainda assim, Machado menciona como Salles foi duro na hora de transformar a ideia do longa em série. "Ele exigiu o rigor de qualidade dos longas. Trabalhamos o projeto como se fossem oito longas diferentes".

Nesse sentido, McHaddo reforça a importância do personagem: "Se você tem um bom personagem, é certeza que ele irá trafegar bem pelos formatos. A técnica se torna menos relevante quando comparada ao carisma do personagem e da história. O segredo, pra mim, é ter bons personagens e bons universos – daí surgem desdobramentos para onde quisermos. Minha visão sobre as multiplataformas é muito otimista. Para mim, o que importa é contar boas histórias. E isso vale para quadrinhos, games, animações. Quanto mais lugares, melhor". Também participante do painel, Tiago Lessa, head de marketing e inteligência do Globoplay, menciona a importância da curadoria nesse cenário multiplataforma, especialmente no streaming. "Todos os produtos de streaming atuam como meios de levar boas histórias aos consumidores, mas é muito fácil as pessoas se perderem nesse ambiente. São poucas aquelas que acessam o serviço já sabendo o que querem assistir. No Globoplay, trabalhamos com uma curadoria desenvolvida de forma equilibrada entre olhar humano e dados técnicos". E, retornando para a pauta de conteúdos que se transformam de um formato para o outro, Lessa aproveitou para anunciar que, em breve, o Globoplay lançará uma série derivada do filme "Hebe – A Estrela do Brasil", e ressaltou o fato de que meios não são só visuais. "A HBO, por exemplo, está fazendo podcasts derivados de suas séries. Um meio não exclui o outro, é um ambiente democrático. Se a história for tocante, o meio será só um detalhe", pontua.

Quem complementa essa observação de que meios não são só visuais é Ricardo Laganaro, sócio da ARVORE, uma das maiores produtoras de realidade virtual do Brasil, e diretor de "A Linha", que venceu o prêmio de Melhor Experiência em VR no Festival de Cinema de Veneza este ano e que também está em cartaz na Mostra. "A gente está muito acostumado a só ver e ouvir, acabamos esquecendo do corpo. Hoje em dia, com tantos estímulos de variadas telas, estamos cada vez mais parados, só olhando as coisas passando. É uma desconexão do cérebro com o corpo. Por isso, vejo a realidade virtual como uma possibilidade única de consumir conteúdo intelectual usando o corpo inteiro. A gente não tem um corpo, a gente é um corpo", analisa. "Só acho importante questionar sempre o porquê de fazer determinada obra em realidade virtual. Em 'A Linha', por exemplo, o corpo do espectador é experiência narrativa, faz parte da história. Mas é necessário pensar bem no que é melhor para cada formato", finaliza.

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