Para Argel Medeiros, da Olhar Distribuição, produção nacional está desconectada da audiência

Argel Medeiros (com o microfone), da Olhar Distribuição

Co-fundador e diretor executivo da Olhar Distribuição, Argel Medeiros participou do Mercado SAPI, em Goiânia, nesta sexta-feira, dia 25 de outubro, onde propôs uma reflexão sobre o porquê dos filmes brasileiros, pensando exclusivamente na janela de cinema, ainda não estarem encontrando o público de forma assertiva. Para ele, essa é uma reflexão urgente que o mercado deve fazer. Há sete anos trabalhando com distribuição, Medeiros acredita que o problema está lá atrás, na etapa inicial dos projetos. "Percebo muitas vezes que as produtoras não estão preocupadas com a audiência. Quando sentamos nas rodadas de negócio, muitas vezes nos apresentam produtos que não sabem dizer para quem é. A audiência tem que ser o foco sempre. Você tem que saber para quem está fazendo e por que vai gastar esse dinheiro e esse tempo. Nosso mercado ainda não é sustentável. Sendo assim, até onde vamos conseguir caminhar? Até onde será justificável termos os recursos, mas não o retorno?", questionou

É claro que as métricas de bilheteria não são as únicas que devem ser consideradas na hora de analisar o sucesso de um título. "Nosso cinema independente percorre outros lugares – vai aos festivais, recebe prêmios e circula o mundo. Muitos deles fazem campanha de impacto e chegam a espaços que não conseguimos mensurar", lembrou. "Mas temos, sim, que olhar a ótica de bilheteria", afirmou o distribuidor, que refuta a teoria de que as pessoas não estão indo ao cinema exclusivamente por causa da facilidade que o streaming oferece. "As plataformas mudaram nosso comportamento, claro, mas esse não é o único problema. Tem a questão das políticas públicas também. O último edital de comercialização foi em 2018. Quem distribui está sem nenhum tipo de recurso", alertou. 

Investimentos desproporcionais 

O executivo elencou alguns fatores que influenciam a performance de bilheteria dos longas brasileiros. O primeiro deles gira em torno justamente de investimento – mais especificamente da desproporcionalidade entre o investimento em produção e comercialização. "Os recursos para marketing e publicidade não são suficientes. O dinheiro investido é pouco para que possamos gerar conversas com o público", enfatizou. Prova disso é que, em 2024, estão alocados R$ 430 milhões de recursos para produção, enquanto para comercialização o recurso destinado será de R$ 60 milhões – o que equivale a aproximadamente 14% do total destinado para produção. Segundo o próprio Plano de Ação 2024 aprovado pelo Comitê Gestor do FSA, "a estimativa é de investimento na comercialização de 64 filmes selecionados em Chamadas Públicas do FSA e em fase final de execução". Num cenário em que tanto se investe na produção, o distribuidor questiona como todos esses produtos vão chegar ao cinema – uma vez que serão produzidos muito mais do que 64 títulos. A questão da política pública é ainda mais sensível ao passo que, em 2026, o país terá uma nova eleição presidencial, e corre o risco de eleger um Governo que opte, mais uma vez, pela não-continuidade dos programas. 

A cota de tela, que é um mecanismo que assegura o espaço dos filmes brasileiros nas salas, é uma conquista que deve ser celebrada, claro. Mas, para Medeiros, não é uma solução definitiva: "O exibidor tem colocado o nosso filme porque é obrigado, mas não está tendo audiência. Os distribuidores estão nesse lugar de frustração – assim como os exibidores. Trabalhamos e não temos resultado", lamentou. Ele ressaltou que os brasileiros estão, sim, indo aos cinemas – mas para ver os lançamentos internacionais. "Precisamos criar uma demanda, uma aderência do público com as nossas histórias. Não estamos conseguindo conversar com ele. E muito disso está relacionado com essa falta de verba para investir em propaganda e marketing". 

Regulamentação das plataformas 

Um segundo fator que ele trouxe foi a ausência da regulamentação dos serviços de streaming. Sem regras de cotas ou proeminência da produção brasileira nas telas, não se desperta o desejo do público de assistir ao conteúdo nacional. "Quando você abre uma plataforma, não vê os produtos do Brasil em destaque. Precisa ficar 'caçando'. A regulamentação traria essa proeminência e, assim, fortaleceria esse consumo". Ainda nesse sentido, Medeiros critica a falta de acesso à informação de audiência para os realizadores que têm seus projetos nessas plataformas. "Não sabemos como nossos filmes estão performando. Esse dado é importante para que o produtor saiba o valor da sua obra – até para negociá-la com outra janela depois". 

Desenho de audiência 

Em terceiro lugar, está o desenho de audiência – fator para o qual o distribuidor chama mais a atenção. Para ele, a produção está desconectada da audiência: "Desde o ano passado, na Olhar, estamos optando por entrar em projetos ainda em fase de desenvolvimento. Isso porque entendemos que precisamos pensar no público-alvo e também no público secundário desde o início. Vamos para as reuniões com a produtora, diretores, roteiristas, para pensar o projeto e entender quem é a audiência. E, depois, elaboramos o plano de comunicação para esse filme para que ele realmente converse com o público. Nos propomos a ir, inclusive, para dentro do set, para produzir conteúdos que vão ser usados para atrair a atenção da audiência lá na frente, que vão fazer sentido na comunicação". 

Medeiros contou ainda que, muitas vezes, chegam projetos para a Olhar que nem têm foto still, teaser ou cartaz. "Como vou divulgar? Ninguém vai dar atenção. Temos que ter em mente, desde o começo, que estamos falando de um produto que precisa ser vendido e comunicado nos espaços para onde ele irá – mercados, festivais, cinemas e plataformas", definiu. "Hoje em dia, com o universo das redes sociais, se você posta um trailer hoje e mais nada nos outros dias, o filme logo será esquecido. Precisa de conteúdo para alimentar essa comunicação constantemente". 

Novo negócio 

A partir dessas constatações, o empreendedor decidiu abrir uma agência de marketing dedicada ao mercado e à comunidade do audiovisual, que trabalha não só com os filmes da Olhar, mas de outras distribuidoras também. "Não são todas as agências que entendem desse segmento, que têm necessidades tão específicas. Por isso vi a necessidade de ter uma agência especializada", justificou. Entre os projetos com os quais a empresa já trabalhou estão os filmes "Ferrugem", "A Mesma Parte de um Homem" e "Alice Júnior", além da série "Cangaço Novo", do Prime Video. 

A atuação engloba a concepção e produção de cartazes, fotos, conteúdos para as redes sociais e teasers, entre outros. A agência cria, inclusive, trailers pensados para exibição na sala de cinema, que é um espaço qualificado, onde as pessoas estão prestando bastante atenção. 

Com essa função, a agência acompanha as produções no set. "A ordem do dia de filmagens é bastante corrida – e nós sabemos disso. Mas no caso de 'Cangaço Novo', por exemplo, a Amazon falou que o conteúdo promocional era tão importante quanto a série em si. Ou seja: as duas coisas precisam coexistir no set. Essa é uma visão de produção que o mercado já precisa ter".

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