Anatel ressuscita antigas outorgas de TV paga e garante espectro para grupos de mídia

O que já vinha se anunciando, aconteceu. A Anatel prorrogou os prazos de vigência das antigas outorgas do Serviço Especial de TV por Assinatura. Trata-se do modelo mais arcaico de TV paga, criado em 1989 pelo governo Sarney com o único objetivo de manter boas relações com grupos de mídia. As outorgas de TVA nunca tiveram assinantes, nunca tiveram receitas como serviços de TV por assinatura e nunca tiveram qualquer relevância econômica. Mas traziam consigo um pedaço de 6 MHz no espectro de UHF, e por isso sempre foram tratadas como outorgas valiosas pelos grupos de mídia que foram agraciados, nos idos dos anos 80, com a concessão. 

Em reunião do conselho diretor da agência realizada nesta quinta, 25, a maioria do conselho diretor acolheu uma interpretação jurídica trazida por alguns dos antigos detentores deste tipo de outorga e entendeu que, ao contrário do que estabelecia a Lei do SeAC (Lei 12.485/2011), essas empresas passaram a ter o direito de renovar o espectro indefinidamente, possibilidade aberta quase 10 anos depois na Lei 13.879/2019, que revisou o Modelo de Telecomunicações. As questões relacionadas ao interesse público e uso eficiente de espectro ficaram em segundo plano diante da nova análise jurídica, e com isso as concessionárias de TVAs terão direito de manter seus 6 MHz de espectro, prestando algum tipo de TV por assinatura, pelo menos em tempo parcial.

Os votos que prevaleceram pelo novo entendimento jurídico foram dos conselheiros Vicente Aquino (voto vistante, e que balizou os demais), com adendos do conselheiro Emmanoel Campelo e concordância do conselheiro Carlos Baigorri. Votaram contra a prorrogação das autorizações o relator, Moisés Moreira, e o presidente substituto, Raphael Garcia. Uma análise mais aprofundada sobre as TVAs pode ser lida nesta reportagem.

O conselheiro Moisés Moreira assim definiu a situação: "Como disse em outras oportunidades, a intenção de toda TVA é virar um canal de radiodifusão, para inclusive poderem transmitir em 100% do tempo. Tem quem esteja aguardando a decisão final do Projeto de Lei 2.611/2015. E tem que esteja de olho da implementação do mercado secundário para poder auferir receita com a venda do principal ativo em mãos, que é o próprio direito de uso de radiofrequência". Originalmente, foram concedidas 25 concessões de TVA, nas principais capitais brasileiras, por isso a importância. Hoje, restam 18, pois Globo e RBS devolveram as concessões há alguns anos. Elas podem transmitir apenas 45% do tempo como canal aberto, e no restante do tempo a transmissão precisa ser codificada. O PL 2.611/2015 libera geral para a transmissão aberta e na prática transforma as outorgas de TVA em concessões de TV.

Análise

O serviço de TVA nunca serviu para nada a não ser assegurar um pedaço do espectro a grupos de mídia. Mesmo no percentual do tempo em que pode transmitir como TV aberta, não há nenhum caso de destaque de programação relevante, que tenha tido audiência, conteúdo inovador ou cumprido papel na informação à população.

Mas a decisão da Anatel é um precedente enorme para as futuras deliberações que precisarão ser tomadas para a prorrogação de uso de espectro dos demais serviços, porque na prática sinalizou que um argumento jurídico bem construído, mesmo que o interesse público não fique claramente demonstrado, é suficiente para a prorrogação acontecer.

A agência, no passado, foi muito dura com os operadores de MMDS (outra tecnologia de TV paga que utilizava o espectro de 2,5 GHz, usado para o 4G), e mais recentemente com as operadoras de satélite (que ocupam parte do espectro de 3,5 GHz, destinado ao 5G), quando entendeu que as frequências utilizadas por estes setores seriam mais relevantes para a sociedade se destinados à banda larga móvel. Mas no caso das TVAs, aparentemente prevaleceu o poder de convencimento dos grupos de mídia.

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