A Kromaki, produtora carioca criada por Rodrigo Letier em 2018, se destacou com grandes lançamentos recentes, como a série de ficção "Os Quatro da Candelária", de Luis Lomenha e Márcia Faria, que liderou o ranking de séries mais assistidas na semana de sua estreia, em 30 de outubro, na Netflix; "Romário – O Cara", série de Bruno Maia, disponível na Max; o longa documental "Isabella: O Caso Nardoni", dirigido por Cláudio Manoel e Micael Langer, lançado pela Netflix; e a série "Som Sertanejo", de Ana Rieper, exibida pelo Multishow.
Em entrevista exclusiva para TELA VIVA, Letier reflete sobre essa cartela de projetos: "Somos produtores apaixonados por contar histórias na tela, sejam elas dramas, como 'Os Quatro da Candelária' e o true crime 'Isabella – O Caso Nardoni'; que tratem de esporte, como 'Romário – O Cara'; ou de política, como 'O Mês que Não Terminou'. Gostamos de dizer que nos pautamos por múltiplos temas, formatos, tons e visões. Acreditamos que séries e filmes devem emocionar e surpreender, entreter e fazer pensar – de preferência, tudo junto. Nosso perfil reflete nossos interesses pessoais – gostamos de filmes autorais, mas também curtimos grandes blockbusters – e a produção da Kromaki tem um pouco essa característica, guardadas as devidas proporções, é claro. Ser eclético sem perder a identidade é um grande desafio. Fazemos programas de TV, filmes para o cinema e séries para streaming, tudo com a mesma paixão e dedicação, nos desafiando permanentemente e buscando entregar o melhor conteúdo possível".
Um dos sucessos mais recentes da produtora é "Os Quatro da Candelária", minissérie ficcional em quatro episódios que acompanha as 36 horas anteriores à tragédia conhecida como "Chacina da Candelária" pelo ponto de vista de quatro crianças. Uma produção Jabuti Filmes e Kromaki, a série tem direção de Luis Lomenha e Márcia Faria, conta com uma equipe majoritariamente negra e foi desenvolvida em colaboração com sobreviventes reais da chacina. No Top das séries mais vistas da Netflix logo na estreia, a produção tem dois fatores que, para Letier, explicam seu engajamento: relevância e originalidade. "Luis Lomenha, criador da série, foi extremamente feliz com o recorte que propôs para a história. 'Os Quatro da Candelária' revisita a tragédia que chocou o país em 1993 de um ponto de vista inesperado. Em vez de uma série sobre a chacina, ela é uma série sobre os meninos e meninas que dormiam nos arredores da igreja. É uma ficção inspirada numa história real, que retrata os sonhos e realidades dessas crianças e adolescentes, acompanhando, a cada episódio, o ponto de vista de um deles", conta o produtor.
"Esse olhar sensível esteve presente em todas as etapas do trabalho. E tudo se tornou muito mais impactante graças ao valor de produção da série, que vai desde a direção caprichada do Luis e da Márcia Faria, passando por toda a equipe de roteiro, pesquisa, arte, pós-produção e elenco, encabeçado por esse quarteto espetacular que dá vida a Pipoca (Wendy Queiroz), Douglas (Samuel Silva), Jesus (Andrei Marques) e Sete (Patrick Congo)", completa.
Ele afirma ainda que, desde o começo, a Kromaki e a Jabuti, que foi a produtora que trouxe o projeto, percebeu que a complexidade da produção era imensa. As filmagens aconteceram no Centro do Rio, numa das esquinas mais movimentadas da cidade, o impôs, por exemplo, o desafio de garantir silêncio no ambiente e restrição de circulação. O elenco infantil foi outro fator complexo porque, obviamente, crianças e adolescentes requerem cuidados especiais, além de terem uma carga de trabalho reduzida e restrições de horários. "Alguns deles nunca tinham atuado antes. Foram encontrados pela Patrícia Faria, responsável pela seleção do elenco, após uma ampla pesquisa, que passou por diversos locais, incluindo projetos sociais pela cidade. Bancar essas dificuldades foi crucial para imprimir verdade à história", afirma Letier.
E, apesar de a história real ter acontecido nos anos 90, a proposta sempre foi fazer uma obra atemporal, "porque esse tipo de violência acontece há mais de 500 anos no país e segue acontecendo", explica o produtor. "Então jamais quisemos reconstituir uma época. Todo esse desenho de produção, alinhado com a direção da série, e também com o nosso diretor de arte, Tiago Marques, que nos ajudou a conceber o projeto desde o começo, mas veio a falecer antes da conclusão, nos deu muita segurança nesse caminho".
O produtor ressalta que a série trata de cenários de desigualdade, exclusão e violência que existem desde sempre no Brasil e, lamentavelmente, seguem existindo: "Revisitar um episódio como a Chacina da Candelária, com esse olhar e essa abordagem original e de excelência, nos permite refletir com distanciamento sobre o que aconteceu e o papel de cada um de nós para que situações assim sigam acontecendo em maior ou menor grau. Imaginar histórias para esses jovens, olhando cada um com um ser que sonha, acerta e erra, humaniza personagens historicamente relegados às sombras. Além de ampliar nossa visão da história, trazendo novos olhares, o audiovisual tem o papel fundamental de registrar memórias, para que não caiam no esquecimento, sejam conhecidas por novas gerações e sirvam de alerta. Um bom exemplo disso é o sucesso de 'Ainda Estou Aqui', de Walter Salles, que vem emocionando plateias em todo o país".
Projetos musicais
Bem diferente desse projeto é "Som Sertanejo", que estreou no Multishow no início de outubro e atualmente está disponível no Globoplay. "É diferente, sim, mas é justamente isso que nos move: a possibilidade de contar múltiplas histórias", pontua o produtor. "Dito isso, 'Som Sertanejo' é um achado. A direção é da Ana Rieper, que se notabilizou por filmes que tratam de música, pensando o documentário e a sociedade a partir de narrativas musicais, e que traz no currículo produções como 'Vou Rifar Meu Coração', 'Clementina' e 'Nada Será Como Antes – A Música do Clube da Esquina'. Coproduzida com o Multishow, a série traça um panorama da música sertaneja contemporânea no Brasil, partindo de desdobramentos do Sertanejo Universitário, que atualizou o estilo romântico do gênero para uma música mais pop", detalha. Com participação de estrelas como Ana Castela, Zé Neto e Cristiano, Maiara e Maraísa e Gabeu, entre outros, "Som Sertanejo" mostra como o ritmo atravessou fronteiras e se tornou a música mais ouvida no país.
Nesse caminho, vem mais um projeto musical por aí: "Nesse Canto Eu Conto", que será o segundo trabalho da Kromaki com o Multishow. "É um programa musical apresentado pela Sandy com uma série de encontros deliciosos, com muita música e bate-papo, reunindo artistas de diferentes gêneros e gerações. Além de muito talentosa, a Sandy é uma profissional extremamente focada, agregadora e que sabe o que quer. Foi muito importante tê-la conosco desde o começo, uma parceria muito positiva. Estamos felizes com essa nova parceria", comentou. O programa estreia em 2025, no Multishow/Globoplay.
Coproduções para o cinema
Nesse recorte de novos projetos também estão dois longas, ambos selecionados para festivais dentro e fora do Brasil. O primeiro deles é "A Procura de Martina", de Márcia Faria, que foi selecionado para a mostra competitiva do Festival Internacional de Cinema de Mar Del Plata, que acontece entre os dias 21 de novembro e 1º de dezembro. O longa é protagonizado por Mercedes Morán, que presidiu o júri do Festival do Rio neste ano. A segunda coprodução é "A Herança", de João Cândido Zacharias, que, após ter sua estreia mundial no Macabro – Festival Internacional de Cinema de Terror, no México, chegou aos cinemas brasileiros no dia 21 de novembro, com distribuição da Sony Pictures. O filme é uma produção Bubbles Project – de Tatiana Leite, que divide a ideia original com Zacharias – em coprodução com Kromaki e Sony Pictures. Ambos estiveram no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo.
"São filmes muito diferentes. 'A Procura de Martina' é um drama sobre uma avó da Praça de Maio que começa a ter sintomas de Alzheimer quando descobre pistas do paradeiro de seu neto, sequestrado pela ditadura argentina. Uma história emocionante de amor e luta contra o esquecimento, coproduzida com a Ipanema Filmes e as uruguaias Básico e Criatura. O filme acaba de ter sua estreia internacional no festival de Mar del Plata com uma recepção calorosa e altamente emocionante, justamente na Argentina que hoje protesta contra os cortes na cultura. A estreia nos cinemas será no próximo ano", adianta o produtor. "Já 'A Herança' é um filme de terror sobre um jovem que vive na Alemanha e volta ao Brasil quando sua mãe, com quem não tinha contato, morre, deixando-lhe uma fazenda, parentes desconhecidos e uma série de segredos assustadores. Uma coprodução com a Bubbles Project, da Tati Leite, produtora com quem mantemos uma longa parceria, desde 'Benzinho'".
Para Letier, esse descritivo dos filmes, somado aos outros lançamentos recentes da produtora, exemplifica bem o ecletismo da Kromaki: "Gostamos de produzir filmes autorais, com linguagem mais pessoal, e também de produzir histórias populares e comerciais. O drive é produzir com qualidade, buscando sempre a excelência. Os dois filmes tiveram ótima repercussão por onde passaram, e apostamos que há neles motivos de sobra para agradar o público. Por outro lado, acompanhamos atentamente a performance dos filmes brasileiros e sabemos que a maioria tem tido retorno de bilheteria muito aquém de sua qualidade. Acho que isso faz parte do momento que estamos vivendo. Mas exemplos como o de 'Ainda Estou Aqui, que já passou de 1,8 milhão de espectadores, animam o público e toda a cadeia produtiva, mostrando a vitalidade da nossa produção. Acreditamos que vários filmes brasileiros podem se beneficiar desses bons ventos, temos certeza que as salas de cinema ainda vivem e a retomada da produção nacional certamente trará bons resultados em breve".
Os dois longas em questão são coproduções, algo que está no DNA da Kromaki. "Somos uma produtora de produtores, então estamos sempre abertos e em busca de projetos de parceiros", pontua Letier. "Produzimos 'Romário – O Cara' (HBO/Max) com a Feel The Match, do Bruno Maia; 'Meu Amigo Bussunda' (Globoplay) com a Emoções Baratas, do Claudio Manoel e do Manfredo Barreto; e 'Os Quatro da Candelária' (Netflix) com a Jabuti Filmes", cita ele como exemplos. E neste ano, a Kromaki também fez sua primeira coprodução internacional: o longa "A Filha do Pescador", dirigido pelo colombiano Edgar De Luque Jácome. É mais um filme da produtora com a brasileira Bubbles Project, além da Septima Films, da Colômbia; Belle Films, de Porto Rico; e Larimar Films, da República Dominicana.
"As coproduções internacionais sempre estiveram no nosso radar. Elas aumentam o alcance dos nossos filmes, promovem intercâmbios muito ricos entre países e empresas com diferentes expertises e permitem uma multiplicidade de olhares sobre a nossa produção, fortalecendo o audiovisual brasileiro em muitas frentes. Acho que o mesmo raciocínio se aplica às coproduções nacionais: a união de forças e experiências enriquece todo o processo e tem impacto direto no resultado final e no alcance das obras", avalia o produtor.
Demandas: estabilidade e previsibilidade
Nesta reta final de 2024, Letier aproveita para fazer um balanço do ano que passou, que ele define como "um dos mais difíceis que tivemos em termos de financiamento e produção em mais de duas décadas". Ele resume: "Em 2018, a Ancine já vinha em crise; em 2019, com o governo Bolsonaro, tudo parou; em 2020, quando achávamos que as coisas poderiam melhorar, veio a pandemia. Daí, em 2021 e 2022, por uma série de fatores, os streamings dominaram o cenário. Paradoxalmente, quando vivíamos uma tremenda crise e nem ministério a Cultura tinha mais, o setor experimentou uma rara e talvez inédita euforia em termos de empregabilidade. Então, veio 2023 e a esperança da retomada, com a volta dos fundos públicos e etc. Mas já estamos no fim de 2024 e muito do que se esperava ainda não se concretizou. A retomada das políticas públicas é mais lenta mesmo e hoje ela vive uma diretriz distributiva. A produção nacional precisa se adaptar a isso".
Para 2025, ele segue na expectativa pelo retorno dos editais, e acredita que os modelos de financiamento irão se equilibrar. "Precisamos de estabilidade e previsibilidade. Imaginamos que, no segundo semestre de 2025, possamos retomar um fluxo de produção com recursos públicos e privados, produção independente e grandes produções internacionais dos streamings. Esse equilíbrio é saudável. E é isso que buscamos: condições para se fazer cinema e TV, longas e séries, ficção e documentários", conclui.