Radiodifusores buscam apoio das prefeituras para digitalizar o Brasil profundo

A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) está preparando uma cartilha para as prefeituras, do chamado "Brasil profundo" para explicar o processo de digitalização dos sinais de televisão. A ideia é atrair os municípios para ajudar a levar a TV digital às cerca de 4 mil localidades de menor parte. "As prefeituras precisam entender que não há problema em apoiar essas iniciativas. Em muitas localidades a TV é a única fonte de notícias e de entretenimento. Isso deve ser levado em conta", disse Camila Cintra, supervisora executiva da área de projetos de transmissão da TV Globo, líder do grupo de compartilhamento de infraestrutura da Abert e membro do grupo de discussão sobre o tema do Fórum SBTVD. Cintra participou de debate nesta segunda, 26, durante o SET Expo 2019, sobre o compartilhamento de infraestrutura de transmissão terrestre como o caminho para a digitalização do Brasil profundo, especialmente por meio de formação de parcerias e desenvolvimento de soluções inovadoras.

O compartilhamento de infraestrutura foi a forma encontrada no setor para chegar aos pequenos municípios onde hoje existe cobertura analógica. A proposta começou a ser aventada há cerca de dois anos.

No cenário atual, as grandes cidades já entregaram à população a transformação da TV analógica para a digital. Mas uma grande parte das estações – aproximadamente 4 mil, localizadas principalmente em pequenos municípios – passarão por este processo apenas em 2023. Camila Cintra apresentou um panorama do momento e dos desafios que vem pela frente: "Dados de julho de 2019 indicam que nossa cobertura é de 2,1 mil municípios, o que representa cerca de 38% do país, chegando a 77% da população, com 85% de IPC. Significa que fizemos cerca de mil estações em 12 anos. Agora, nosso grande desafio é entregar outras 3,5 mil em quatro anos, até 2023. Ou seja: seria três vezes a quantidade de estações já estabelecidas em um terço do tempo, chegando assim a 62% de municípios cobertos. Lembrando que, isso, com investimento reduzido".

Ela explica que, por conta desse projeto, foi necessário uma mobilização e uma mudança de mindset por parte dos envolvidos: "Saímos desse cenário analógico, que era totalmente de concorrência, para um movimento de parceria e colaboração, com a mobilização do setor no sentido dessa causa. E aí começamos a criar grupos de discussão, como o da Abert, que é formado por emissoras. Se hoje temos cases bem sucedidos para apresentar, é por causa dessa união". E ela completa: "Estamos há dois anos provocando o mercado e já atuamos com uma economia de redução de até 80% do investimento. Colhemos bons resultados nesse período, o que prova que a união do setor e o apoio das associações regionais são pontos muito importantes. Agora, o próximo passo é implantar e escalar esse modelo por meio de uma forte parceria entre emissoras e indústria". O compartilhamento que ela cita acontece entre até seis emissoras e, entre as empresas que entrariam nessa parceria, estão emissoras como Bandeirantes, SBT, Globo, RBS TV, TV Cultura, Rede Pampa entre outras, e fornecedoras como Screen, Ideal Antenas Profissionais, SM Facilities, Teletronix e Hitachi.

Alberto Leonardo Penteado Botelho, engenheiro de projetos na LM Telecomunicações (consultoria especializada em radiodifusão), apontou algumas dificuldades desse processo: "No Brasil profundo, ainda há muita desconfiança por parte das prefeituras em investir em empresas privadas, especialmente nessa situação de descapitalização das mesmas. Ainda assim, elas têm cooperado, disponibilizando espaço, abrigo e torre. Trabalhar lado a lado das prefeituras é um ótimo caminho. Mas ainda é bastante necessário adotar um novo modelo de negócio". O executivo continua: "Nossa expectativa nesses municípios é apostar em características de propagação que possibilitem a simplificação dos sistemas, com torres e abrigos de baixo custo e redução de potência, que já permitem a cobertura de uma área bem grande".

A representante da Abert no painel, em unanimidade com os demais palestrantes, concluiu que o compartilhamento é o caminho, pois além de permitir a chegada ao objetivo final, que é a digitalização do Brasil profundo, isso é feito com economia de tempo e de custos. Para ela, o próximo passo é uma mobilização regional do setor, isto é, com a união de emissoras regionais em grupos menores. "Essas emissoras regionais devem engajar e chamar outras emissoras. A Abert entra como apoiadora, mas agora é o momento dessas empresas colocarem a mão na massa", ressaltou.

José Frederico Rehme, coordenador e professor do curso de Engenharia Elétrica e Engenharia de Energia da Universidade Positivo, lembrou que o momento é de crise, mas que o trabalho deve ser visto como investimento: "Ninguém quer gastar, mas esse é um meio para ganhar. Estamos falando de cidades que, muitas vezes, não têm sinal de telefone. Não adianta falar em 4 ou 5G. O buraco é mais embaixo. A TV tem papel social. É por meio dela que a população tem acesso à informação sobre atualidades e saúde. Ninguém que não tem TV sabe da atual epidemia de sarampo, por exemplo".

Cases de compartilhamento

A estação Tiradentes (MG) é um dos cases bem sucedidos que Camila citou anteriormente, cujo início do trabalho se deu no Grupo de Trabalho, no âmbito da Abert. Alexandre Vila, gerente de transmissão da TV Bandeirantes, conta que o objetivo do projeto era uma estação low cost compartilhada: "Começamos então a busca por parceiros, a definição do local e o desenvolvimento dos fornecedores. As emissoras da cidade tinham o interesse de compartilhar, a fase de investimento é difícil. Até julho de 2018 não havia empresa transmissora lá. O processo caminhou ainda melhor quando tivemos apoio da prefeitura. Trabalhamos com a Screen, para validar o transmissor, e com a Ideal, para a torre. Depois de homologado o transmissor, o tempo de instalação foi de quatro dias. É um exemplo de pioneirismo e que mostra que alguém tem de ir lá e fazer para dar certo. Em três meses, já estava tudo funcionando perfeitamente". A estação piloto de Tiradentes comporta até seis emissoras e foi estabelecida por meio de uma parceria entre Band, Globo e SBT com a Screen e a Ideal Antenas Profissionais. "Nosso desenvolvimento depende das inovações. Não dá para ter medo de errar. Sabemos que o momento é de crise, mas é um investimento", acrescenta.

O projeto de Tiradentes foi o primeiro desenvolvido dentro desse grupo da Abert e já está em funcionamento há um ano, com penetração de sinal positiva e agilidade de manutenção como diferencial. "Essa parceria entre as emissoras foi algo que me surpreendeu positivamente. A ajuda foi enorme entre uma e outra, com SBT ajudando Globo e vice-versa. Entendemos que isso tem que ser algo mais presente no mercado. Podemos ser concorrentes na programação, mas na engenharia não. Nessa área, temos que nos unir. O objetivo de todos é o mesmo: não deixar a TV acabar", opinou André Bertoldo, coordenador técnico da TV Alterosa.

Outros cases bem sucedidos citados no painel foram Siqueira Campos (PR), cidade com pouco mais de 20 mil habitantes, onde foi usada a infra da TV analógica, e Nova Prata (RS), com cerca de 25,5 mil habitantes. Sobre a digitalização do Brasil profundo, José Frederico Rehme, que atuou diretamente nesses processos, diz: "Compartilhar pode até ser ruim, mas é a melhor opção. Isso vale também para tópicos como torre baixa e potência baixa, que podem afetar a cobertura: é ruim, mas é melhor do que não ter. Como diria um tio meu, o ótimo é inimigo do bom". Rehme completou dizendo que, se tratando de cidades que nem tinham nenhum tipo de cobertura, "o que vier é lucro". Para o professor, a missão é desenvolver soluções inovadoras – "esse é o meio, e não o foco" – além de fortalecer parcerias – "por si só, as empresas não dão conta nem dos processos nem dos prazos" – e adotar novas expectativas, renunciando certas métricas ou valores. Frederico contou que, no caso de Siqueira Campos, a estrutura da prefeitura foi concedida para as emissoras e o que ajudou foi o interesse, timing e disponibilidade de quatro emissoras: Band, Globo, Massa (SBT) e RCI (Pai Eterno). "Isso deve ser replicável em muitos outros casos. O valor por entrante foi muito mais econômico", apontou.

Por fim, Emerson Alexandre Fonseca Costa, gerente de projetos regulatórios no Grupo RBS, cita ainda o caso de Espumoso (RS). Ali, o primeiro passo foi definir emissoras interessadas para viabilizar o processo e, então, firmar acordos entre elas, a prefeitura e os fornecedores. A partir daí, tudo se deu praticamente em tempo recorde: a ideia do compartilhamento surgiu em junho deste ano, a primeira reunião com a prefeitura ocorreu em 2 de julho, a instalação do poste foi feita em 30 de julho e a dos transmissores em 5 de agosto e, então, a operação entrou em funcionamento em 18 de agosto – o processo todo levou cerca de 50 dias. "Entre nossos pontos altos, estão a divisão de custos, que gerou uma economia de 50%, e nosso trabalho em parceria.", pontuou Costa. E ele completa, concordando com a fala anterior de Bertoldo: "Nós não somos concorrentes na área técnica. Nossa missão, na verdade, é proporcionar um ambiente onde as emissoras, sim, possam brigar e concorrer na programação".

1 COMENTÁRIO

  1. O Brasil precisa do Satélite. A TV aberta tem que estar em todas as plataformas Banda C, Banda Ku, Terrestre e Internet Fixa e Móvel. Aproveitem a base de Banda C agora.
    Não esperem o 5 G chegar no interior … pode ser muita tarde….!!!!

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