No incipiente mercado audiovisual brasileiro dos dias de hoje, infelizmente, é muito comum um Roteiro passar na mão de vários roteiristas diferentes antes de se chegar a uma versão final que será produzida. Digo “infelizmente” porque toda obra artística precisa de alguém que dê o tom, a levada, que decida o que é e o que não é importante contar naquela história: essa pessoa é o Autor-Roteirista.
Mas a Autoria no audiovisual brasileiro, com raras exceções, é mais desrespeitada do que juiz em pelada de várzea (a TV Globo era uma dessas raras exceções e, não à toa, fez o sucesso que fez; como saí da Globo em 2019, não sei dizer se a empresa ainda é essa boa exceção). E, quando a Autoria é desrespeitada, a obra perde sua identidade, sua força, seu poder de atrair a atenção do público. Não à toa, são poucas as obras audiovisuais brasileiras que conseguem captar a atenção do público.
Mas como fica a questão dos créditos? O Roteiro passou na mão de três, quatro roteiristas diferentes e todos querem o crédito de “Roteiro de” ou “Escrito por”. Será que todos merecem esse crédito? Como definir corretamente que crédito dar a cada roteirista que meteu a colher naquele vespeiro?
Claro que essa análise deve ser feita comparando-se as diferentes versões do Roteiro desenvolvidas por cada roteirista (ou roteiristas) em relação à estrutura, personagens e cenas. É muito importante destacar o que foi aproveitado, adicionado, modificado ou suprimido em cada versão, até se chegar à versão final do Roteiro.
A estrutura é o ponto mais importante a se estudar. Se ela se mantém ao longo das versões, mesmo que diálogos e cenas tenham mudanças significativas, até mesmo no caso da regra dos 33%, o autor da versão que definiu a estrutura tem que constar no crédito de “Roteiro de”, ainda que na companhia dos demais (a regra dos 33% diz que um roteirista só pode constar no crédito de Roteiro se tiver escrito, de próprio punho, o mínimo de 33% do Roteiro final). Isso porque um Roteiro bem estruturado pode funcionar com diferentes cenas, diferentes diálogos e até diferentes personagens. Assim, considero a estrutura o fator mais importante a ser analisado para se definir corretamente a creditação. A estrutura define o andamento, os acontecimentos, as motivações e propósitos dos personagens, as viradas que fazem a história caminhar. E poucas pessoas conseguem identificar a importância da estrutura num Roteiro ou até mesmo defini-la. Mas o público, inconscientemente, diferencia uma boa estrutura de uma ruim, dedicando sua atenção apenas às obras bem estruturadas.
Em segundo lugar na análise vêm os personagens. É muito importante definir quem criou os perfis dos personagens que conseguiram, com maiores ou menores alterações, sobreviver até a última versão e quais dessas características são realmente importantes (ou não) para aquela história. É muito comum a criação de novos personagens ou características, que até trazem cenas divertidas ou emocionantes, mas que em nada alteram ou colaboram para a estrutura do Roteiro. São aquelas cenas que “andam de lado” e não fazem a história caminhar para frente.
Por último devemos analisar as cenas, rubricas e diálogos criados em cada versão. Quais sobreviveram até a versão final, quais foram suprimidas, alteradas e criadas.
Juntando essas três análises é que se pode fazer uma correta definição de créditos. Acredito que a regra dos 33% não pode ser aplicada apenas à redação das cenas. Ela deve ser aplicada ao conjunto de estrutura, personagens e cenas. Dessa forma, sim, podemos fazer uma correta creditação de obras audiovisuais. E aqueles roteiristas que não obtiverem os 33% no somatório dos três itens devem ter créditos à parte, como colaboradores, em geral no roll-out da obra. Claro que, no caso de mais de três roteiristas terem trabalhado igualmente num Roteiro, a regra dos 33% pode cair para 25%, 20% etc. Mas esses já são casos mais raros de acontecer.
Evidente que toda essa discussão se refere principalmente a longas-metragens. No caso de telenovelas e séries, normalmente há um Autor-Roteirista (ou mais de um, numa Co-Autoria) que criou a sinopse e a história e faz as escaletas e a redação final de cada capítulo ou episódio: é o Autor Principal (antigamente chamado de Cabeça). Nesse caso, a creditação mais comum é: “Uma Novela (ou Série) de”, seguida do nome do Autor Principal, e “Escrita Por”, seguida dos nomes de todos os Autores-Roteiristas que colaboraram na novela ou série.
É importante lembrar que quem “dá uma ideia” para o Roteiro não necessariamente deve constar no crédito de Roteiro. Uma vez, uma jornalista me perguntou o que é uma boa ideia. Eu respondi que uma boa ideia não é nada se não tiver alguém para desenvolvê-la. Para constar no crédito de Roteiro, o profissional deve não só dar a ideia como também desenvolvê-la. E, no caso do audiovisual, quem faz esse trabalho é o Autor-Roteirista.
É curioso também notar que produtores e diretores, apesar de constante e metodicamente desprezarem o Roteiro e mesmo não atendendo a regra dos 33%, lutam ferozmente para ter seu nome incluído no crédito de “Roteiro de” ou “Escrito Por”. Por que será?…
A observação acima vale também para os próprios roteiristas. É comum ver no mercado roteiristas que fizeram pouquíssimas colaborações numa obra divulgando que o roteiro é de sua autoria. Sugiro muita cautela e bom senso nesse tipo de divulgação.
Esse método, que costumo usar para definição de créditos, é baseado nas regras de creditação da WGA (Writers Guild of America) e da ABRA (Associação Brasileira de Autores Roteiristas).
Para finalizar, lembro a máxima que diz que “Sem Autor não há obra”.