Manifesto pela Soberania do Audiovisual e Cinema Brasileiro: A Urgência da Regulamentação do VoD

(Foto: Freepik)

O setor audiovisual brasileiro está em estado de alerta máximo. Apesar das recentes conquistas em Cannes, Berlim e no Oscar, que são importantes carimbos de qualidade internacional, precisamos voltar nosso foco para as questões internas e apontar nossas lentes para os problemas e fragilidades estruturais que nos impedem de avançar. O crescimento descontrolado das plataformas de Vídeo on Demand (VoD) está desestruturando o mercado, colocando em risco salas de cinema, produtores, distribuidores e exibidores. É inaceitável que, há 13 anos, essas plataformas operem sem regulamentação no Brasil, explorando o segundo maior mercado de streaming do mundo sem ônus algum, em uma situação desigual em relação aos outros players.

Regulamentar essa atividade não só garantirá que nossa cultura e nossas histórias sejam contadas, fortalecendo uma indústria responsável por adicionar quase R$ 27 bilhões à economia e gerar mais de 300 mil empregos diretos, representando 0,5% do PIB, como também gerará receita para o governo brasileiro através do recolhimento de impostos diretos e indiretos que incidem na atividade audiovisual.

É hora de agir! O cenário atual exige uma ação imediata e coordenada para reverter a crise que assola o setor. Não podemos mais adiar as soluções que o audiovisual brasileiro precisa com urgência. Exigimos uma regulamentação eficaz do mercado de streaming, onde as plataformas contribuam com a CONDECINE e respeitem os direitos autorais das produtoras, garantindo que a riqueza gerada no Brasil seja, ao menos parcialmente, revertida para o fortalecimento da indústria local.

A falha do governo e a ameaça estrangeira – Se, por um lado, o governo desestabiliza o setor com cortes orçamentários, articulações erráticas, falta de liderança clara e ausência de regulamentação, por outro, as grandes plataformas, ao se beneficiarem da falta de regulação, contribuem para o enfraquecimento das políticas de fomento, tornando-as menos eficazes. O governo do presidente Lula, que em outros mandatos conseguiu conquistas efetivas para o setor cultural, agora parece em disputa. Quem perde? O setor, a população, o Brasil.

Os dados são alarmantes: O crescimento do VoD no Brasil, com um aumento de 286,8% desde 2012, evidencia um mercado que prospera à custa da precarização do trabalho e da concorrência desleal. A política de redução do tempo de lançamento das obras nas salas em favor do streaming afeta gravemente a saúde financeira das salas de cinema e desestabiliza toda a cadeia produtiva.

Impactos na cadeia produtiva – Diversas empresas do setor audiovisual estão sentindo os efeitos devastadores das operações das plataformas digitais. A TV paga, que também sofre essa desestruturação, está sendo sufocada por um modelo de empacotamento das plataformas que não carrega responsabilidades tributárias e legislativas, como as obrigações estabelecidas pela Lei 12.485/2011. Os Canais de Espaço Qualificado (CABEQs), que cumprem requisitos para promover a produção independente no Brasil, também enfrentam perdas significativas, impactando seus modelos de negócios e causando danos irreversíveis. A TV aberta, que até então não tinha sido tão impactada, agora vê seus recursos publicitários escoarem para empresas estrangeiras, à medida que as plataformas híbridas combinam assinaturas com a venda de espaços comerciais, criando uma desigualdade ainda maior.

Forças desproporcionais – A MPA, agora com a Netflix, intensifica a disputa pelo monopólio da audiência, enquanto Google, Amazon, Facebook e Apple (GAFA) ampliam sua influência. O resultado é menos empregos no cinema, menos financiamento para produções independentes e maior dependência de plataformas estrangeiras.

Não é apenas uma questão de indústria! A cultura impulsiona o desenvolvimento industrial. O setor audiovisual é um dos que mais emprega jovens no país. Uma regulamentação justa gerará milhares de empregos qualificados em todas as regiões do Brasil. Sendo um dos maiores mercados consumidores de streaming do mundo, é justo que as plataformas que lucram no Brasil contribuam para o desenvolvimento da nossa indústria, atraindo investimentos e fortalecendo a economia criativa.

A necessidade de um marco regulatório eficiente – A experiência internacional demonstra que a regulamentação do VoD é uma tendência global. União Europeia, França, Canadá e Coreia do Sul já implementaram medidas para proteger suas indústrias audiovisuais. No Brasil, a Ancine reforça a necessidade de uma regulação abrangente, propondo a criação da Condecine-VoD com uma alíquota mínima de 12%. A nota técnica da Ancine, mencionada na Moção nº 1/2024 do Conselho Superior do Cinema (CSC), reforça a necessidade de uma regulação abrangente para o VoD, que inclua todos os serviços de plataformas que utilizam o conteúdo audiovisual para gerar receitas.

Ao desobrigar as plataformas de contribuir com investimentos em nossa indústria, todo o lucro obtido pela exploração de nosso mercado segue para o financiamento de obras em países onde há regulamentação.

Alô Deputados! Alô Senadores! Já possuímos um ambiente empresarial e arcabouços legais maduros! A urgência é clara: regulamentar o VoD é uma questão de soberania e valorização da cultura brasileira. O Brasil precisa proteger seus interesses e sua identidade cultural, garantindo que as plataformas contribuam para o desenvolvimento da indústria nacional.

Pontos Inevitáveis – Para garantir uma regulamentação que beneficie o setor audiovisual brasileiro e a sociedade, é fundamental que o marco regulatório contemple os seguintes pontos como INEGOCIÁVEIS:

  • Definição Clara de Produção Brasileira Independente e Obra Brasileira Independente: A regulamentação deve adotar uma definição precisa e rigorosa de produção brasileira independente e obra brasileira independente, garantindo que apenas empresas genuinamente brasileiras sejam beneficiadas, conforme definições da MP-2228 e ampliadas pela Lei 12.485.
  • Alíquota Mínima de 12% do Faturamento Bruto para a Condecine-VoD: A regulamentação deve estabelecer uma alíquota mínima de 12% do faturamento bruto das plataformas de VoD para a Condecine-VoD, garantindo recursos para a política pública e o financiamento do setor audiovisual brasileiro.
  • Investimento Direto e Políticas Públicas: A regulamentação deve prever o investimento direto, com teto máximo de 50% dos recursos, e o investimento revertido a Políticas Públicas, com mínimo de 50%, garantindo que os recursos sejam direcionados para a produção de obras brasileiras independentes e para o desenvolvimento do setor audiovisual como um todo, sempre em obras brasileiras independentes e realizados por produtoras brasileiras independentes.
  • Descontos: Os descontos oferecidos para catálogos e outros benefícios devem ser aplicáveis somente a obras brasileiras independentes, incentivando a produção e a distribuição desse tipo de conteúdo, e devem ser limitados a 30%.
  • Cota de Catálogo com Proeminência: A regulamentação deve estabelecer uma cota mínima de 10% de conteúdo brasileiro independente no catálogo das plataformas de VoD, com garantia de proeminência e visibilidade para essas obras. Garantir que o conteúdo brasileiro tenha destaque nos catálogos, com mecanismos de busca e seleção facilitados, sessões específicas e recomendações personalizadas.
  • Abrangência da Regulação: A regulamentação deve incluir todos os serviços de VoD, incluindo plataformas de compartilhamento de conteúdos audiovisuais (ex.: YouTube) e provedores de televisão por aplicação de internet, garantindo a isonomia e a efetividade da regulação.
  • Compartilhamento de Dados pelas Plataformas: As plataformas devem compartilhar dados que permitam a correta fiscalização da ANCINE e dos órgãos responsáveis.

É preciso que os congressistas e o governo compreendam a gravidade do tema e não vacilem diante de um lobby momentâneo que, custará caro ao país. É para regulamentar já e é para regulamentar bem! Esta é uma demanda mínima civilizatória! O debate só será justo se partirmos daí. Não percamos mais tempo.

*PH Souza é Presidente da Associação Brasileira de Cineastas (Abraci), diretor e fundador da Cafeína Produções.

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