Para grupos de mídia e produtores, futuro do audiovisual deve envolver diferentes modelos de parcerias

Renato D´Angelo (Disney), Renata Brandão (Conspiração), Fabiano Gullane (Gullane) e Alex Medeiros (Globo)/ Foto: Fabio Rocha/ Globo

"Construindo pontes: experiências de parcerias no audiovisual" foi tema de debate nesta terça-feira, 27 de maio, primeiro dia de Rio2C. O painel fez parte da programação do "Summit Acontece Globo", um dia promovido pela empresa para discutir tendências de mercado, parcerias, jornalismo, dramaturgia e esporte. A conversa girou em torno de parcerias de todos os tipos – coproduções entre produtoras, players, canais, plataformas, países – e mostrou como o momento no Brasil é promissor para essas possibilidades. 

O filme vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano, o nacional "Ainda Estou Aqui", é um exemplo de produção em parceria. Ela envolveu, entre outros agentes, o Globoplay, a Conspiração Filmes, a VideoFilmes e a RT Features, além de parceiros internacionais. "É importante colocarmos esse evento num processo, isto é, no contexto de um longo processo que começou há muito tempo. Quando 'Parasita' ganhou o Oscar, por exemplo, o game do audiovisual mundial mudou. Aquilo foi um marco. Hoje, é comum termos no Oscar filmes estrangeiros concorrendo a categorias fora da de filme internacional, como aconteceu com o nosso. Outra coisa que devemos levar em conta é qualidade, o nível de excelência que a produção audiovisual do Brasil atingiu com seus filmes e séries. Nossos conteúdos estão performando bem nos festivais. As pessoas estão indo assistir a filmes nacionais nos cinemas. Sabemos que o ingresso é caro, assim como a assinatura de uma plataforma de streaming. Então valorizamos muito o comprometimento do nosso público. Cabe a todos nós, agora, pegarmos essa onda e surfa-la. Tentar fazer um audiovisual cada vez mais forte e internacional. O mundo ficou pequeno, as histórias viajam mais. Mas o dinheiro ainda é pouco e a situação econômica mundial é de incerteza. Parcerias são fundamentais nesse sentido", declarou Alex Medeiros, head de conteúdo de dramaturgia, documentários e filmes do Globoplay e Globo Filmes

O painel aproveitou a presença de executivos de Globoplay, Disney e Conspiração para falar sobre o novo filme original da plataforma de streaming da Globo para os cinemas, que começa a ser filmado ainda este ano, em São Paulo. Estrelado por Alice Braga, o longa será uma adaptação de "Dans le Jardin de l'Ogre" ("No Jardim do Ogro"), livro aclamado pela crítica mundial e primeiro romance de Leila Slimani, autora franco-marroquina do premiado "Canção de Ninar". O anúncio oficial do título aconteceu durante o Festival de Cannes, onde Slimani integra o júri oficial este ano. A obra também terá o selo Star Original Productions e, assim como "Ainda Estou Aqui", produção da Conspiração. Rita Piffer, Carolina Jabor e Victoria Visco assinam o roteiro da obra, que faz parte da parceria entre Globoplay e Disney para coprodução de quatro filmes brasileiros. O primeiro longa desse acordo é "Na Linha de Fogo", produzido pelo AfroReggae Audiovisual, com coprodução Globoplay e Star Original Productions, com direção de Afonso Poyart.

"É muito bom quando players se juntam para fazer um projeto em parceria, como é o caso de Globoplay e Disney, que estão construindo algo muito forte. É ótimo ver o mercado se associando e somando forças", comentou Renata Brandão, CEO da Conspiração, produtora de "No Jardim do Ogro". "É um thriller psicológico, muito feminino e intimista. O Brasil comprou os direitos de adaptação do livro e esse, para nós, é um lugar muito especial. Estamos conseguindo competir com direitos autorais desse nível, e reconhecidos lá fora por isso. Esses direitos foram super disputados", destacou. 

O longa conta a história de Júlia, uma jornalista bem-sucedida que vive em um apartamento confortável em São Paulo com seu marido cirurgião e seu filho pequeno. Embora aparente levar uma vida boa, ela esconde um segredo a sete chaves: sua compulsão por sexo de risco. Quando o marido propõe que a família se mude para uma cidade do interior, Júlia vê a situação como oportunidade para abandonar o comportamento autodestrutivo e se tornar a mãe e esposa que sempre desejou ser. Apesar disso, à medida que a mudança se aproxima, sua compulsão se intensifica, ameaçando expor seus segredos e destruir sua família.

Parcerias reforçam investimentos locais

Renato D'Angelo, general manager da The Walt Disney Company, garantiu que, hoje, vê a Globo mais como parceiro do que como concorrente. "Admiro o trabalho da Globo, que conhece o mercado brasileiro extremamente bem, assim como as produtoras independentes. Não conseguiríamos conquistar nosso objetivo de crescer no Brasil e fazer com que os conteúdos brasileiros sejam vistos aqui e no mundo sem parceiros. Com a Globo, anunciamos quatro projetos, mas estamos pensando em muitos outros. Temos admiração mútua e vontade de trabalhar mais juntos. E estamos abertos a novas parcerias também", ressaltou o executivo, que revelou que, entre os assinantes de Disney+ no Brasil, 67% afirmam que querem assistir a conteúdos brasileiros na plataforma. 

"As pessoas não têm perspectiva do tamanho do nosso investimento no Brasil. Nos últimos anos, foram 142 projetos locais. São horas e horas de conteúdos sendo produzidos por brasileiros e para brasileiros todos os dias. Neste momento, temos 50 projetos em diferentes fases de desenvolvimento. Nosso compromisso é enorme – e segue crescendo. E não é só sobre números, e sim qualidade também. Qualidade é essencial para garantir que o público retorne. Não podemos descuidar. O inverso também é verdade – um projeto ruim faz a gente voltar lá pra trás. Por isso o compromisso pela excelência tem de ser assumido por todos nós", salientou D'Angelo. 

Força do cinema

E, na esteira dos novos projetos, Fabiano Gullane apresentou "Escola Sem Muros", também anunciado pela primeira vez nessa última edição de Cannes. Produzido pela Gullane, dirigido por Cao Hamburger e com Júlio Andrade no papel protagonista, o novo longa da Globo Filmes começa a ser rodado no próximo mês. O roteiro conta a história de Braz Nogueira, ex-diretor da Escola Municipal Campos Salles, na periferia de São Paulo (SP), e a mudança que ele trouxe para a educação no país. Quando Nogueira chegou para dirigir a escola, encontrou um lugar parecido como uma cadeia – cercado de muros e arame farpado. Sua missão foi, então, derrubar esses muros e criar uma verdadeira integração entre a escola e a comunidade. Nesse processo, sofreu uma série de dificuldades, claro, mas foi bem sucedido. "É um tema super importante para o Brasil. Nosso novo ciclo agora talvez seja educar melhor nosso povo, nós mesmos. E o filme vai nessa direção", observou Gullane. O projeto é uma coprodução com Portugal e França – país que já está responsável pelas vendas internacionais também. 

É interessante notar que esses novos projetos visam a janela de cinema em primeiro lugar. Medeiros analisou: "Passamos por um período em que todo mundo achava que ia tudo virar streaming, que o linear ia acabar, assim como o cinema. Mas não foi isso que vimos. O determinante aqui é entender a estratégia mais adequada para cada conteúdo específico. Estamos fazendo filmes com a Disney, por exemplo, e vamos compartilhar a janela no streaming. No cinema, temos filmes como 'Ainda Estou Aqui' em parceria com produtoras independentes. No caso desse filme, colocamos a marca Globoplay para eventualmente ele estar disponível na plataforma com exclusividade no Brasil. Mas, até lá, entendemos desde o primeiro dia que a janela de cinema seria importante. Com 'Vitória' também – quisemos trabalhar o cinema primeiro, e ele também carrega a marca Globoplay, pensando no futuro. Para nós, o filme que vai bem no cinema, vai bem no streaming. Também temos uma esteira de telefilmes, mas especificamente cinema e streaming vejo como muito complementares. A sabedoria está em entender como trabalhar os conteúdos". Para o executivo, a palavra-chave é flexibilização. "Diz respeito a modelos de negócio, mas também do olhar sobre o conteúdo". 

Renata Brandão destacou as 20 semanas de janela exclusiva nos cinemas de "Ainda Estou Aqui". "Estamos vendo que ter parceiros como Disney e Globo, que entendem a força do cinema para a existência do conteúdo na plataforma depois, é essencial. Temos total respeito à janela do cinema. Depois que sai dela, aí existem diversas opções para o filme. E a TV aberta é uma delas, inclusive. Nossa parceria com a Globo mostra isso. O brasileiro está conectado com a TV aberta. Não só só pensar em streaming. Os projetos, os parceiros envolvidos e a audiência ganham com esses acordos. É um momento feliz, e estamos vivendo de fato uma mudança. É um movimento que não víamos nos dez primeiros anos de história do streaming", celebrou. 

D'Angelo concorda e diz que o cinema é fundamental para o sucesso. "É onde criam-se as franquias, o público tem a possibilidade do coletivo, é uma experiência única. Temos que defender. O cinema vai viver para sempre. Acabamos de ter o maior filme da história do cinema brasileiro. Ou seja, é um mercado que ainda tem muito para dar", reforçou. "E, numa segunda janela, temos que lembrar que do outro lado dela está o consumidor, que pode ser que não tenha tido acesso ainda ao conteúdo mas queira ver. Por isso essas parcerias ajudam os consumidores. É ampliar o alcance do produto, o que beneficia nós, os outros parceiros e quem vai assistir". 

Estrutura e previsibilidade para coproduzir

Quando falamos em coprodução internacional, a Gullane é referência: dos 60 filmes que a produtora já lançou, 26 são coproduções. Ou seja, eles tiveram as experiências mais variadas possíveis. No ano passado, por exemplo, lançaram a animação "Arca de Noé", que foi a primeira coprodução do Brasil com a Índia. A partir da sua expertise no assunto, o produtor ressaltou: "Cada país tem que estruturar muito bem sua parte antes de receber ou entrar numa coprodução. Antes de pensar no parceiro internacional, tem que estruturar muito bem o seu grupo nacional. Para financiar a parte do Brasil, por exemplo, precisamos criar pontes com parceiros brasileiros – é uma dinâmica que envolve players, FSA e diferentes mecanismos de financiamento. É muito importante estruturar o projeto dentro do Brasil primeiro principalmente porque, infelizmente, aqui leva-se muito tempo para financiar um projeto. Lá fora, o mercado é mais previsível". 

Gullane afirmou que, em outros países, os prazos não mudam tanto, as chamadas públicas têm mais previsibilidade, por exemplo – o que é fundamental na cadeia de produção. "A falta de previsibilidade é muito danosa para os nossos processos. Por isso precisamos organizar a nossa cozinha primeiro, estarmos com boas perspectivas de financiamento e materiais artísticos muito maduros para depois buscar lá fora. Eles não vão ler duas ou três vezes o seu roteiro, então tem que ir atrás só quando o projeto já está mais maduro – tanto em termos financeiros quanto artísticos". Mas o produtor confirma que o cenário é promissor e comemora que, hoje, a indústria brasileira tem trazido mais parceiros internacionais para os nossos filmes, aqueles produzidos no Brasil, que contam histórias brasileiras. Antes, era mais comum o contrário, isto é, os produtores locais se associarem a filmes de fora. 

Urgência da regulação

É claro que, falando em financiamento de projetos, é inevitável não citar as políticas públicas. Nesse sentido, Gullane pontua como o Brasil é protagonista no consumo do audiovisual no mundo. "Isso nos traz a obrigação e o direito de sermos protagonistas também na criação e produção do audiovisual", defende. "Aí, entra todo o conjunto regulatório, com todas as políticas públicas que temos no Brasil. O dinheiro público é importante para garantir nossa identidade cultural na tela e a presença do conteúdo brasileiro nas diferentes janelas. O que temos estruturado no Brasil com a Ancine, o MinC e a SAV é grande e importante – claro que sempre teremos críticas, mas reconhecemos esse valor. Agora, precisamos inaugurar um novo ciclo. No primeiro, foram criadas as produtoras, surgiram talentos em todas as áreas. Amadurecemos como indústria produtora. Já provamos que, em condições de igualdade de orçamento, fazemos grandes produções, que conquistam público e vendem no mundo todo. A base para fazermos isso está nas políticas públicas. Por isso nosso sonho agora, e um passo fundamental, é a regulação do VoD. Estamos vendo um caminho para um acordo", mencionou. 

"Mas temos que nos permitir mais ambição. Produtoras pequenas se tornarem médias, médias se tornarem grandes, as grandes exportarem mais. Estamos vivendo um momento especial do nosso audiovisual, que tem de ser coroado por esses detalhes que precisamos ajustar nas políticas públicas, como a regulação do VoD e a questão da previsibilidade", concluiu. 

 

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