Para especialistas em conteúdo, dados não devem ultrapassar o instinto e os gostos pessoais

No painel "Conteúdo original com foco na audiência" realizado nesta quinta-feira, dia 28 de abril, no Rio2C, especialistas e executivos de conteúdo discutiram sobre algoritmos, gêneros e formatos a fim de examinar os caminhos para conquistar o consumidor que está cada vez mais exigente e ansioso. 

Refletindo sobre estratégias para descobrir os anseios da audiência, Patricia Muratori, diretora de parcerias do YouTube Brasil, afirmou: "Vivemos diferentes eras de evoluções e movimentos disruptivos. Lá atrás, fizemos grandes produções de alta qualidade que lotaram as salas de cinema. A TV trouxe mais oferta de produto, mas com uma programação ainda fixa. Quando o YouTube entra na história, surge mais empoderamento para o criador. Com o VoD e o streaming, vemos uma descentralização de forma ampla. Hoje, a produção diz respeito sobre conteúdo e relevância mais do que sobre a forma. É um novo recomeço. Temos que estar onde a audiência está, essa é a regra". 

Mara Lobão, CEO e fundadora da Panorâmica, pontuou: "Os últimos oito longas que fizeram foram adaptações de livros. Nesse sentido, uma coisa fundamental para mim é levar o autor do início ao fim do processo. Dá trabalho, mas assim garantimos o olhar da propriedade original. O autor tem a interface com os fãs, já recebeu muito retorno do público, tem uma vivência imensa. Por isso acredito na importância de preservar a visão do criador, que é fundamental para que o DNA da história se mantenha. 

Para Iafa Britz, sócia e produtora da Migdal Filmes, perspectiva única do desenvolvimento de produção não existe: "Cada caso é um caso. Cada produto tem suas necessidades e seus desafios. É um processo muito baseado no criador, no artista. Mas hoje, o momento é desafiador, assustador e excitante. O objetivo é encontrar o que é diferente, original e que o público não sabe ainda que quer ver. É sempre sobre relevância". 

Já Gabriel Jacome, head de conteúdo da TV Globo, declarou que pensar o conteúdo com foco na audiência é a essência da Globo. "Os brasileiros são nossa maior fonte de inspiração e estão no centro do nosso trabalho. Desejamos cada vez mais expandir as fronteiras de janelas e falar com o público onde ele está. A criação do conteúdo para pelo contexto da sociedade, isto é, entender onde esse público está inserido. Não temos como entender quais são exatamente os anseios da audiência. Nós mesmos, às vezes, ficamos horas procurando alguma coisa pra assistir porque não sabemos o que queremos ver. O trabalho da Globo é de conexão, de fazer uma curadoria para buscar projetos que dialoguem com os valores brasileiros – sem deixar de encantar a audiência", analisou. 

"Temos criado audiências ansiosas", definiu Marcelo Tamburri, head de desenvolvimento de conteúdo com roteiro da HBO Max. "Existe uma voracidade pelo consumo de conteúdo. Nesse sentido, somos obrigados a contar histórias cada vez melhores. A audiência está exigente e a concepção dos produtos cada vez mais levanta essa barra. Temos que ter em mente sempre esse objetivo de produzir cada vez melhor", completou. 

O papel dos dados no processo de criação 

Para Tamburri, os números são importantes, sem dúvida, uma vez que ajudam a aperfeiçoar o trabalho – mas o instinto nunca pode ser deixado de lado. "Os números, sozinhos, não significam muita coisa. Há muito o que analisar e aprender. É um negócio novo, ainda estamos aprendendo", disse. 

A opinião de que os números ajudam, mas não devem substituir o papel do lado humano na tomada de decisões é unanimidade entre os especialistas participantes do painel. Jacome argumentou: "Entrei na Globo há oito anos e, lá, encontrei o paraíso em termos de dados de audiência e pesquisas. Hoje, temos ferramentas para tratar esses dados e buscar insights, e os sistemas de recomendação e os algoritmos estão cada vez mais sofisticados. Mas no final das contas, a divisão humana é intrínseca ao nosso trabalho. Estamos falando de emoções humanas. Por mais que tenhamos os dados, eles não podem sobrepor nossa curadoria. Eles também nos trazem desafios, como a confiabilidade da amostra e a questão da privacidade do público. Além disso, temos que lembrar que os dados têm que ser constantemente atualizados. É importante não ficar olhando para o passado. O mundo é dinâmico e nossas produções também precisam ser – inclusive as de longo prazo. O 'BBB', por exemplo, é um produto que se renovou totalmente, virou multiplataforma. Esse é um exemplo de evolução baseada em dados". 

Apesar de trazem uma visão a partir de uma perspectiva diferente, as produtoras concordam. Iafa conta que as decisões, no caso dela, são muito intuitivas. Dos filmes que mais fizeram bilheteria nos cinemas nacionais nos últimos anos, cinco são dela, e "nenhum foi feito pensando em ser algo retumbante no cinema nacional", segundo a produtora. "Somos movidos pelo que a gente acredita, gosta e iria assistir na tela. Nossas escolhas ainda partem de um lugar um pouco misterioso. Mas quando juntamos nossa intuição com nossas informações, com os dados e com o conhecimento do público, aí é uma explosão. Não é uma coisa ou outra", ressaltou. 

Para Mara, também se trata de uma combinação de instinto e gosto pessoal. "Quando vamos trabalhar em determinado projeto, temos que nos preparar para ficar pelo menos dois anos olhando para aquele projeto. Então temos que gostar muito dele, em primeiro lugar, até mesmo porque vou ter que convencer outras pessoas que ele é bom. É um processo de convencimento que leva anos. Tudo começa no instinto, no gosto e no quanto você acredita. Não é com base no que está dando certo agora", defendeu. 

Patricia, do YouTube, traz mais um ponto de vista diferente: "Nossa criação parte do ponto de vista do criador de conteúdo, que é um excelente exemplo de aliar paixão, relevância e autenticidade com dados. Costumo dizer que criadores de conteúdo que têm canais no YouTube são verdadeiros donos de negócios. As marcas têm muito o que aprender com eles, que sabem olhar pros dados e mudar de rota se for necessário. Mas nada disso funciona se não houver alma, essência e propósito, o porquê daquele conteúdo existir". 

Diferentes conteúdos para diferentes janelas 

Os especialistas foram questionados se, hoje, TV, cinema e streaming viraram uma coisa só, já que é tudo criação de conteúdo. Nesse sentido, eles defendem a liberdade que essa multiplicidade de janelas trouxe aos criadores. "Eu não necessito mais contar a história em determinado número de minutos para aí ter os comerciais na TV, por exemplo. Isso é herança do streaming. Quem ganha é o criador. Isso traz uma liberdade para o momento em que temos que eleger como vamos contar aquela história. Podemos tomar decisões sem estar amarrados a um formato específico, e isso ajuda muito no lado criativo. Podemos definir nossa própria estrutura de como contar as histórias", explicou Tamburri. 

Jacome concorda que a história é quem manda: "Na Globo, temos muita experiência com mudança de formatos. Filmes viram séries quando chegam à TV, por exemplo, ou séries viram telefilmes. Essa liberdade está focada na disponibilidade e necessidade do consumidor. É muito positivo romper essas barreiras, regras, máximas do mercado. Vejo com positividade esse hibridismo de gêneros e formatos. Quem rege o caminho é a história". 

Iafa exemplifica: "Atualmente, diante da metade dos filmes que desenvolvemos em algum momento pensamos 'isso poderia ser uma série'. E vice-versa. Essas possibilidades todas são muito legais. No fim, também acho que a história é quem decide. Uma coisa pode virar a outra. A gente pode tudo nesse momento". 

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