A produtora Esther García, à frente da El Deseo e com uma trajetória de mais de 90 filmes, participou nesta terça, 28, do painel "Fale com Ela: Esther Garcia, a Força e os Bastidores do Cinema Autoral" no Rio2C, no Rio de Janeiro. Na conversa, conduzida por Maria Angela de Jesus, nomeada a primeira mulher e primeira pessoa negra na presidência da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, García discutiu a evolução do cinema independente, os desafios da liberdade criativa e a importância da autenticidade na indústria cinematográfica contemporânea, além de reforçar seu interesse em coproduções com a América Latina, incluindo o Brasil.
García destacou a relevância dos festivais para o cinema independente, afirmando que "são uma ferramenta imprescindível". Ela citou o exemplo do filme "O Corno", de Oliver Laxe, que foi exibido na Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes. Segundo ela, o potencial de bilheteria do filme na Espanha foi estimado entre € 300 mil e € 500 mil antes de sua passagem por festivais, valor que se espera aumentar devido à visibilidade proporcionada por esses eventos, que também conferem "prestígio, garantem um futuro a estes autores e consolidam o respaldo para as obras e para os criadores".
Sobre a perenidade do cinema frente às novas tecnologias, García comentou: "Passou quando apareceu a televisão, passou quando apareceu o vídeo doméstico e suas diferentes versões, mas sobrevivemos. Seguimos vivos, apesar das plataformas". Ela ressaltou, contudo, a diminuição do público nas salas e defendeu a educação como forma de reverter esse quadro: "Tudo passa porque, desde uma tenra infância, nossos clientes, nossos futuros consumidores, vão às salas de cinema". García mencionou uma iniciativa no Chile, o festival CineLebu, em Lebu, no Chile, uma localidade sem cinema num raio de 150 km, que converte espaços em salas provisórias para que crianças tenham a experiência cinematográfica.
A regulação de plataformas de streaming também foi pauta. Na Espanha, segundo García, "há uma regulação que obriga os emissores a gastar 5% dos seus lucros em cinema espanhol". Ela exemplificou o financiamento do filme "O Corno", que contou com um coprodutor francês, dois coprodutores espanhóis, incluindo a El Deseo, e a plataforma Movistar. Para García, é "vital que haja olhares diferentes: o de autores, o de mulheres, é vital" no conteúdo oferecido pelas plataformas, e criticou a tendência à homogeneização baseada em estatísticas que ditam, por exemplo, que "em 30 segundos temos que ter captado a atenção do espectador".
A produtora enfatizou o papel criativo do produtor, cuja "primeira decisão criativa é a do produtor", e a importância de assumir riscos. Sobre o financiamento, detalhou a evolução da El Deseo, desde os primeiros filmes com "muitíssimo risco e hipotecando o patrimônio pessoal dos irmãos Almodóvar" até o modelo atual que combina ajudas institucionais, vendas internacionais, direitos de televisão e plataformas, incentivos fiscais e ajudas europeias para desenvolvimento. A defesa da propriedade intelectual dos criadores contra o avanço das plataformas foi outro ponto defendido: "é uma batalha que há que continuar travando: manter a [propriedade] para os produtores."
Ao selecionar projetos, García afirmou que a El Deseo necessita "ler um roteiro com o qual estejamos convencidos de que queremos estar ligados a esse roteiro e a esse filme para o resto da vida". A colaboração com Pedro Almodóvar foi descrita como um processo onde ele "compartilha todos os processos criativos de uma maneira apaixonada", com longas pré-produções que podem durar seis meses, como no filme que iniciarão em breve. A experiência de produzir o curta-metragem "Estranha Forma de Vida" nos Estados Unidos foi citada como desafiadora devido à greve de atores, às demandas sindicais americanas e aos custos elevados em Nova York, nos Estados Unidos.
García também abordou a importância das políticas de discriminação positiva. "As mulheres na Espanha, até há muito pouco, éramos 16% da indústria. Com o aparecimento da lei de discriminação positiva (…) cresceram as roteiristas, as diretoras, as compositoras (…) os resultados foram tão bons, tão bons, que estamos perto de uns 30%". Ela expressou o desejo de que se chegue a 50% para que a lei não seja mais necessária. Maria Angela de Jesus complementou mencionando o aumento da presença negra na tela e por trás das câmeras no Brasil, como na série "Anderson Spider Silva", produzida para a Paramount.
A produtora manifestou interesse em coproduções com a América Latina, incluindo o Brasil, descrevendo a região como "um lugar cheio de talento". Ela anunciou o início das filmagens de um novo projeto para o dia 9 de junho, a estreia de "O Corno" e, no dia 27 de junho, a estreia de "Ramón y Ramón", uma coprodução com Peru e Uruguai dirigida por Salvador del Solar.