O design de audiência é um tema quente na indústria audiovisual. Nesta quarta-feira, 28 de maio, o painel "Encontrando o seu público no labirinto da fragmentação" realizado no Rio2C explorou como essas ferramentas permitem análises e estratégias inovadoras para conectar obras audiovisuais, especialmente as independentes, com seus públicos ideais, buscando soluções criativas para alcançar e fidelizar o público no dinâmico mercado contemporâneo.
A moderação da mesa foi de Rafael Sampaio, sócio-fundador da Klaxon Cultura Audiovisual e do BrLab, evento que sempre esteve envolvido com a temática, promovendo debates, workshops e laboratórios de design de audiência com os profissionais da área. "As discussões sobre esse assunto ganharam espaço nos últimos anos especialmente no campo da produção de longas e conteúdos independentes. É um tema caro à toda a cadeia produtiva, mas especialmente na ponta final, isto é, distribuidores, exibidores e plataformas", pontuou Sampaio. "Mas o nosso objetivo é, cada vez mais, trazer esse pensamento também para criadores, produtores e fundos internacionais e nacionais, que devem incorporam práticas e discussões sobre design de audiência, inclusive no campo das políticas públicas", completou.
Para Rafaella Costa, produtora na Manjericão Filmes, o trabalho com design de audiência começou de forma meio que intuitiva, graças ao seu gosto pessoal por filmes mais autorais. "Depois de pensar sobre isso intuitivamente, me especializei e fui trabalhando na Manjericão esse olhar de filmes art house com vocação internacional – mas também potencial comercial, porque o negócio precisa ser sustentável – e fui cada vez mais ficando ligada nessa questão do design de audiência e para onde esse caminho nos levava", contou. A produtora está por trás do próximo longa de Caru Alves de Souza, de "Meu Nome é Bagdá", chamado "Corações Solitários". O projeto, inclusive, participou do laboratório de design de audiência do BrLab – o que, segundo Costa, foi determinante para pensar para onde esse filme estava indo: "O projeto ganhou corpo. Trabalhamos o desenvolvimento do projeto desde a ideia inicial, já pensando com que público estamos falando. É durante esse processo que você define o que vai apresentar para um financiador público que eventualmente vá investir dinheiro na obra. Participar do BrLab transformou esse projeto e nossas cabeças, mexeu no nosso propósito. O 'corpo' que o laboratório deu ao filme nos ajudou a ganhar um edital internacional. Agora, temos um projeto mais consolidado e uma ideia de filme mais madura, e que pode reverberar muito mais".
A sócia e produtora Letícia Friedrich, da Vitrine Filmes, ressalta que o setor muitas vezes discute demais a produção e acaba deixando de lado esse diálogo sobre a distribuição, que passa por pensar o design de audiência desde o início dos projetos. A executiva participou duas vezes do workshop do BrLab, com dois projetos de gêneros e formatos diferentes e, portanto, voltados a públicos diferentes, e por meio da experiência conseguiu entender a importância de trazer esse pensamento logo no começo do trabalho. "A distribuição não começa em determinado momento do projeto. Ela é inerente ao processo todo. Na Vitrine, acreditamos muito nisso", defendeu.
Construção de audiência – e de boas relações
A produtora destacou que um ponto muito interessante de se associar ao design de audiência é a relação de longo prazo com os cineastas, trabalhando junto deles e apostando em seus olhares desde o primeiro filme. Na Vitrine, eles mantêm isso com Marcelo Caetano, por exemplo, desde "Corpo Elétrico" até o mais recente "Baby", e também já estão trabalhando com ele em seu novo filme. No caso de "Baby", a empresa jogou junto desde o princípio, investindo no desenvolvimento do projeto e o acompanhando desde o argumento. "Lemos todas as versões de roteiro, participamos da escolha de casting, fomos juntos pensando em toda a sua trajetória, da carreira de festivais até a distribuição nos cinemas do Brasil. Tudo isso, na nossa visão, tem que ser um pensamento conjunto com a distribuidora. Ela precisa pensar no roteiro também, conhecer as camadas da história. Precisamos descobrir juntos como a gente comunica, como aquece a chegada do filme nas salas. E, no caso de 'Baby', fomos muito felizes nessa construção. Ele estreou no Festival do Rio, ganhou prêmio, passou pela Mostra de SP, lotou sessões no MixBrasil", celebrou.
Ela lembrou que o lançamento não foi tão grande. "Sabíamos que tínhamos um nicho e focamos nele. Estreamos nos cinemas de rua e no circuito mais alternativo – e deu muito certo. As sessões foram lotadas. O Marcelo ainda viajou o Brasil todo participando de sessões especiais. Começamos com algumas salas e, depois, fomos ampliando porque o filme foi reverberando. O circuito não foi tão grande, mas bem sucedido. E teve boa manutenção". No fim, "Baby" somou cerca de 35 mil espectadores. Agora, a Vitrine já trabalha com o novo longa do diretor, e também desde o início – investindo no desenvolvimento e, agora, oficialmente como coprodutores. "Vamos somar forças para a captação de recursos e execução também. Construção de audiência é sobre construção de relação também", ressaltou. Também é da Vitrine a distribuição de "O Agente Secreto", que acabou de ser premiado em Cannes. A ideia de levar o frevo do Recife para o tapete vermelho do evento é um exemplo de ação de design de audiência. "Isso reverberou muito lá e aqui também. O público brasileiro ficou feliz de ver. Tudo isso foi pensado. Tudo isso é desenho de audiência, pensado junto com os produtores nacionais e internacionais. É criar um entorno para o filme".
Comercial também é autoral
Gabriel Wainer, diretor executivo da Aquarius e da Downtown Filmes, distribuidora conhecida por grandes sucessos do cinema nacional e franquias bem sucedidas, como "Minha Mãe é Uma Peça", afirmou que, na empresa, eles partem do ponto de que um filme começa com uma ideia e, logo depois, deve acontecer o contato com o distribuidor. "Acho curioso como a distribuição nas conversas fica quase que em outro lugar, destacada do saber artístico, sendo que ela deve servir desde o começo para ampliar as possibilidades de um filme. No fim das contas, todos queremos que os filmes sejam vistos pela maior quantidade de pessoas possível. Mas o jogo não é fácil. E cada vez vai ficar mais difícil", opinou. Para Wainer, discutir como atrair as audiências para o cinema em tempos de redes sociais é bastante desafiador, uma vez que tudo se torna concorrente pela atenção das pessoas.
Na Downtown, o foco sempre foi o mercado do Brasil – nisso, ela se difere um pouco da Manjericão e da Vitrine, que trabalham ativamente com o mercado internacional e o circuito global de festivais. "Aqui, estamos preocupados com o nosso mercado, e em como comunicar os filmes com os brasileiros. E fazemos isso com estratégias diferentes", explicou. Apesar de os filmes da distribuidora serem definidos como "comerciais", o diretor acredita que eles também são, em certa medida, "art house" também, porque são obras de autores querendo se expressar artisticamente. "Como o Paulo Gustavo, que fazia uma peça de teatro pequena que começou a crescer e virou tudo que virou. O que ele fazia era pura expressão da sua comédia", exemplificou, citando ainda Halder Gomes e "Cine Holliúdy", que começou a ser distribuído em Fortaleza e cresceu muito. "Hoje em dia, ele é uma grande referência do cinema do Ceará e respeitado como um criador super autoral, porque tem uma marca registrada no cinema que ele faz", observou. Com a história que a empresa construiu, ela criou uma certa "intimidade" com os filmes que já deram certo comercialmente – como as biografias musicais de artistas como Elis, Simonal e Tim Maia, para além das comédias. E duas novas biografias musicais já estão previstas.
Formação de público e políticas de estado
Para os especialistas, falar em design de audiência passa também por discutir formação de público – o que obviamente envolve políticas de estado. Para analisar a questão, Friedrich trouxe o dado: nesta semana, três filmes brasileiros aparecem no top 10 do ranking dos mais assistidos do Brasil – "Homem com H", em quinto lugar; "Ritas", em sétimo; e "Manas", em décimo. Para ela, esse movimento vem na esteira do sucesso de "Ainda Estou Aqui", que despertou nas pessoas esse desejo de assistirem a mais títulos brasileiros, entre outros motivadores, é claro. Mas o ponto é: o público quer se conectar com as histórias do Brasil. "Temos que entender o poder das nossas histórias. Já temos isso em alguns gêneros consolidados, como comédia e biopics musicais. É uma construção, mas isso passa pela formação de público, o que depende de um estado que olhe para a questão também".
E, ainda falando sobre políticas públicas, está a importância dos editais e mecanismos de investimento em desenvolvimento. No processo do filme "Nosso Sonho", por exemplo, distribuído pela Vitrine, a montagem foi sendo alterada para que o longa comunicasse melhor com o público. Foi contratada uma equipe específica para esse trabalho junto da audiência. "Mas isso custa dinheiro. Com 'Abá e sua Banda' fizemos isso também, mas porque o filme ganhou um edital de distribuição, aí utilizamos o recurso. Investimentos em distribuição, comercialização e desenvolvimento são importantes por isso, e ajudam no sucesso que o filme vai ter lá na frente", enfatizou Friedrich. "Com incentivo, cada vez mais a gente cresce e se aproxima do público", completou Costa.