Ampère se destaca na extensão de obras audiovisuais para o áudio

Antigamente, o rádio tinha a função de ser o grande entretenimento das famílias e levava ao ar não somente música, como também radionovela, seriados e notícias. Com o surgimento da TV e mais tarde do streaming, todos esses formatos migraram para a tela. Hoje em dia, já vemos um sinal reverso: grandes players, a exemplo da HBO e do Globoplay, têm expandido seu conteúdo para além do séries tradicionais e dos desdobramentos para as plataformas, com produções feitas em podcast – tendência que tem crescido ainda mais desde o início da pandemia.

A Ampère, empresa de áudio criativa dos sócios Alexandre Maron, MM Izidoro, Guilherme Pinheiro e Cris Dias, está por trás de uma boa parte dessas produções. A HBO, por exemplo, conta com a produção da Ampère nos podcasts sobre as séries "Lovecraft Country", "His Dark Materials" e "Watchmen", entre outras; Já o Globoplay lançou seu primeiro podcast, também com produção da Ampère, sobre a série "A Divisão". Além disso, a empresa produz seus próprios programas, como "Boa Noite Internet", "Zing!" e "Big Shot Pod", e desenvolve conteúdo de áudio original para marcas, como 99 Táxi e Facebook.

TELA VIVA conversou com exclusividade com dois dos sócios da produtora – MM Izidoro e Guilherme Pinheiro – para decifrar o que está por trás da crescimento da produção para o áudio e entender as tendências para o meio. Izidoro (abaixo, à direita na foto) parafraseia um outro sócio, Alexandre Maron, que diz que "o áudio nunca saiu de moda – o que saiu foi o rádio". Para ele, soma-se isso ao fato de que hoje todo mundo tem um celular – no Brasil, são em média 1,5 aparelhos por pessoa – e o áudio torna-se o conteúdo companheiro. "É o tipo de conteúdo que a pessoa ouve em seu próprio horário nobre, e que não é necessariamente o horário nobre do outro. O áudio on demand chegou para suprir essa demanda por um conteúdo que faça companhia no momento em que estaríamos sozinhos, algo com o qual a gente se identifique – seja com a voz, com o conteúdo em si ou com a maneira de falar", analisa.

Pinheiro (abaixo, à esquerda na foto) completa: "Além de poder carregar o conteúdo para onde você vai e escutar quando quiser, também tem a questão dele poder ser muito nichado. Eu comecei a escutar podcast de esporte. E conheço, por exemplo, podcast até sobre cachorros. Existe espaço para muita coisa". Nesse sentido, Izidoro chama atenção também para a micro-influência, que ele diz funcionar muito bem para o áudio: "Existem podcasts gigantes, mas tem pessoas habitando esse universo e consumindo coisas menores, com dez, cinco mil plays em um episódio – números que no vídeo não seriam tão bons mas que no áudio são, afinal significam que o público está há cerca de uma hora te ouvindo falar. É muito forte. É primal, é o estar em volta da fogueira ouvindo histórias".

Dinâmica e custos de produção

Os conteúdos em áudio são relativamente fáceis de fazer – afinal, dá pra produzir com o celular, gravando, editando e publicando a partir de uma mesma plataforma. Essa é uma das razões para ter tanta gente fazendo podcast hoje em dia e, como mencionado pelos especialistas, para existirem tantos conteúdos nichados. No entanto, não é um trabalho tão simples quanto parece. "Falar parece fácil. As pessoas têm uma falsa ideia do podcast. Acham que porque têm um grupo de amigos onde a conversa flui bem e é engraçada isso vai funcionar em um podcast, mas não é assim. Quando alguém me fala que quer ter um podcast, falo para pensar em dez, 12 pautas. Se tiver conteúdo pra tudo isso, então dá pra fazer", pontua Pinheiro, enfatizando que podcasts precisam de planejamento, passando por etapas como pré-produção, pesquisa, pauta e roteiro.

O AmarElo Prisma, podcast de Emicida, por exemplo, envolveu mais de 40 entrevistas e longos processos de pesquisa e desenho de som. "Se aproxima mais do formato de uma série audiovisual", pontua Izidoro. "Mas ainda assim, é muito mais rápido. Fiz em dois meses o que, se fosse com imagem também, demoraria um ano", completa. Concordando com Pinheiro, ele reforça que não é um trabalho simples: "É só pensar nas nossas conversas em uma mesa de bar. É um interrompendo o outro, histórias que começam e não terminam… Então para gravar, mesmo que seja um mesacast, que é esse formato de conversa, precisa de pré-produção e preparação, além de um trabalho de pós".

Sobre os custos, Pinheiro define: "É mais barato do que fazer série, mas é mais caro do que as pessoas imaginam. O processo, ainda que mais simples e ainda que envolva uma equipe menor, precisa de uma série de profissionais – na produção, criação, direção, roteiro, pesquisa, som, edição – então não dá pra ser tão barato assim". Ainda segundo o profissional, em tudo que envolve produção é válida a máxima de que se há uma boa pré-produção, haverá também uma economia na produção.

Trabalho na pandemia

O podcast é naturalmente mais fácil de produzir remotamente – na própria Ampère, algumas gravações já eram feitas desse jeito antes da pandemia. "Óbvio que em um mesacast, que é uma coisa que precisa de dinâmica, muda um pouco a relação – tem mais interrupção, por exemplo. Mas a gente consegue ter um áudio profissional mandando um gravador e um microfone pra casa da pessoa, por exemplo. É um kit mais simples", comenta Izidoro. Ele diz que as marcas especialmente buscaram mais os podcasts nesse período, como forma de se aproximarem mais do público e gerarem mais conversa. Elas ainda adiantaram muitos projetos que iriam ficar para o ano que vem e se permitiram experimentar mais.

Para Pinheiro, sempre que possível – com segurança, é claro – é melhor gravar em estúdio por dois motivos: a não-interferência externa e a garantia de que o som que vai sair será limpo. Mas, conforme disse Izidoro, com o envio de equipamentos eles puderam continuar trabalhando normalmente durante a pandemia. "De março pra cá, só aumentamos nossa produção. Enviamos de quatro a seis propostas para clientes por mês e nossa taxa de renovação é de 100%", revela. "Para as marcas, a grande vantagem do conteúdo em áudio é que elas podem controlar a narrativa e a percepção que o mercado terá delas. Em um episódio de 15 minutos, por exemplo, se a pessoa ouvir metade, já são mais de sete minutos acompanhando a marca. No comparativo com um comercial de 30 segundo da TV, é muito tempo, ainda que a proposta seja outra. As marcas estão vendo cada vez mais valor nisso. Já fazemos muitos podcasts de marcas, então é natural que sejamos ainda mais procurados por elas", opina.

Izidoro acrescenta que não é uma tendência só das marcas, mas também de canais de TV e demais grupos de mídia, como revistas e sites, já que todos tiveram que se adaptar e acelerar processos nos últimos meses. "Durante o isolamento, todo mundo estava vendo séries no streaming, mas daí é um ano até entrar novas temporadas no ar. Tem que produzir coisa nova. Então acredito que o mercado de ficção em áudio no Brasil vai começar a deslanchar por causa da pandemia, com áudio-livros, áudio-drama, conteúdos exclusivos para o áudio… Tudo que é entretenimento sônico, como chamamos. Talvez esse seja o real ano do podcast no Brasil", aposta.

Futuro do segmento

Fora do Brasil, já existem exemplos de ficções que começaram em podcast se transformando em produtos audiovisuais – e essa é uma possibilidade na qual os especialistas acreditam. "Somos todos contadores de histórias, é isso que essencialmente queremos fazer", afirma Pinheiro. Outra tendência seria o conteúdo em áudio como um "extra" das produções audiovisuais – assim como eram os extras dos DVDs antigamente. "Hoje em dia, com o streaming, não existe espaço para isso. São tantas opções de conteúdo que dificilmente a pessoa vá assistir. Então enxergo muito esse tipo de material crescendo no áudio", explica. Como exemplo, ele cita o podcast de "A Divisão", do Globoplay, onde os criadores da série contam de onde veio a ideia, quais foram as inspirações dos personagens, detalhes do desenvolvimento e etc. "Esse tipo de material faz todo sentido no áudio. A pessoa pode consumir depois que maratonou a série e enquanto faz outras coisas", conclui. Para 2021, a Ampère espera entrar de vez no ramo da ficção, criando mais conteúdo original.

Por fim, a dupla deixa como provocação para ela mesma e para o mercado uma questão que todos precisam resolver: como fazer o áudio chegar a todas as camadas da sociedade? Izidoro detalha: "O podcast já chegou na parte de cima da pirâmide social, mas ainda não atingiu a parte mais baixa. Isso porque o áudio é um conteúdo inclusivo, gratuito, que pode ser ouvido em qualquer lugar, durante qualquer atividade. O desafio para todo mundo é fazer a atividade do áudio ser mais inclusiva não só para quem está produzindo, mas também para quem está consumindo".

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