Eduardo Rosemback, que está à frente da produtora Moovie, completa 35 anos de carreira no audiovisual com a produção de "A Mulher ao Lado", filme que combina suspense e humor ácido. Marcando a estreia de Barbara Paz na direção de longas de ficção, o projeto, protagonizado por Maria Casadevall e Alejandro Claveaux, além da própria Paz, que também atua, foi rodado em São Paulo, entre os meses de janeiro e março deste ano. André Faccioli também assina a direção.
"Esse filme era um desejo antigo e marca a primeira vez em que a Moovie trabalha com lei de incentivo. Para mim é um marco significativo, porque nascemos para ser uma produtora que trabalha essencialmente com verbas privadas – muito por conta do mundo que fiz parte durante anos, trabalhando para Buena Vista e The Walt Disney Company Brasil, por exemplo", contou Rosemback em entrevista exclusiva para TELA VIVA.
O roteiro é baseado no filme argentino "O Homem ao Lado", de 2010 – naquele ano, foi o título mais visto nos cinemas no país. "É um filme incrível, que me marcou muito. Desde o começo da minha relação profissional com o Gastón Duprat e Mariano Cohn eu venho comentando com eles sobre o filme. Sempre me referi a ele como uma predileção. E por diversas razões. É um tipo de filme que amadureceu muito bem. As discussões ali elaboradas ganharam fermento nos últimos anos – falar sobre privacidade, relação entre vizinhos e se manter anônimo é uma discussão muito doida e bastante atual", observou. Duprat e Cohn, com quem o produtor já trabalhou em parceria em diversos projetos, como a série "Desejos S.A.", da qual a dupla argentina assina a criação, não estão diretamente envolvidos no projeto em si, mas o roteiro é de Andrés Duprat, irmão de Gastón.
Rosemback explicou que Duprat recriou a história, trazendo a mulher como protagonista, por um pedido seu. "Com essa mudança, o projeto ganhou cores completamente diferentes. O filme argentino serve como referência, mas no fim em nada tem a ver com o filme brasileiro", garante. "Ter a Maria Casadevall também trouxe um colorido diferente para o filme. Ela topou entrar nessa com a gente depois de algum tempo longe do meio artístico. Hoje, não vejo essa personagem se não fosse ela. E essa história precisava de uma mulher como ela, fora e dentro das telas, que é engajada, é forte, tem posição firme".
Outra mudança significativa foi a casa – enquanto o longa argentino tem uma casa de espaços restritos, mais apertados, onde provavelmente foi mais difícil de filmar, a locação do filme brasileiro é o oposto – tem vãos livres, grandes espaços e arquitetura modernista. Ela está localizada no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, e tem a arquitetura assinada por Vilanova Artigas. "Visitamos algumas casas até encontrar essa, que trouxe uma junção de coisas perfeitas. Tem um bom recuo para filmarmos a janela, ambientes de geometrias muito instigantes para o filme. Muito concreto e vidro – o que é um desafio para filmar, mas acho que nos saímos bem".
A produção é assinada pela Moovie, não contando com a coprodução de nenhuma outra produtora. "Foi um projeto de afirmação e solidificação de parcerias. Com André Faccioli, um fotógrafo fabuloso que está com a gente de novo; Ulisses Malta, gaffer que vem do recente sucesso 'Ainda Estou Aqui'; Cássio Amarante, na direção de arte; e a estreia da Barbara na direção, que foi uma boa supresa. Precisávamos dela dirigindo e atuando, que é uma missão dura, complexa", disse o produtor.
No momento, o filme está em fase de pós-produção. A precisão de lançamento é para o final deste ano/ começo do próximo, com o cinema como primeira janela e um acordo já firmado com o Disney+ para a estreia na plataforma na sequência.
Mas Rosemback acredita no potencial do longa no circuito de festivais. "Fizemos o filme pensando em rodar festivais pelo mundo. Isso se confunde um pouco hoje com a bilheteria brasileira porque alguns filmes pensados para festival acabaram ganhando uma carreira comercial interessante", pontua.
Coproduções latino-americanas
Muitos projetos da carreira de Rosemback foram conectados com roteiristas argentinos. "Aprecio muito esse cuidado que eles têm com o texto", destaca. Nesse momento, a produtora desenvolve novas ideias, também com talentos da Argentina: dois longas-metragens e uma série. "Os projetos são de roteiristas que têm trabalhado comigo ao longo dos anos, que são três – Martin Bustos, que esteve na equipe de 'Minha Obra-Prima' e co-dirigiu 'A Jaula', que filmamos no Brasil; Diego Bliffeld, que esteve com o Mariano e o Gastón em 'Meu Querido Zelador', que é uma série muito divertida; e o autor de livros Horacio Convertini, que faz muito sucesso na Argentina. A pretensão é fazer filmes falados em espanhol ou em português", adiantou.
O produtor vê cada vez mais possibilidades de coprodução interessantes na América Latina – com países como Chile e Uruguai, por exemplo. "Minha porta de entrada foi o cinema argentino, mas vejo muitas outras possibilidades. No fim do dia, filmes em língua espanhola viajam muito mais. O potencial que esses filmes têm de viajar é muito maior do que o potencial que temos no Brasil, com os filmes falados em português. Isso me atrai muito. Quando você produz um filme, você quer um filme sem fronteiras, que possa viajar. Não só participar de festivais, mas que possa ser compreendido em outras culturas. E meu interesse principal é por ter uma boa escrita – para qualquer coisa, seja um vídeo de YouTube, filme ou série".
Desafio da composição de orçamentos
Olhando para o mercado atual, Rosemback entende que o setor passou de um cenário muito demandado de todas as plataformas para um momento mais desafiador, mesmo com a chegada de novas possibilidades de editais. "Uma produtora como a nossa, que é média, vinha de anos muito concorridos, com muita demanda de trabalho, para hoje ter de participar de um mix de oportunidades, uma mescla entre projetos que são apresentador para plataformas e outros que vão para editais. Esse é o caminho para o mercado hoje: projetos que se complementam", aponta.
Nesse sentido, ele sabe que "A Mulher ao Lado" ser um filme 100% financiado por dinheiro público é uma exceção. "No ano passado, vimos uma boa quantidade de editais de R$ 5 milhões para fazer longas. Não é suficiente, e é justamente por isso que a equação está mudando, e estamos cada vez mais vendo a combinação de fontes de financiamento, como edital, investimento privado, verba própria da produtora, marcas se associando… Isso faz com que seja possível chegar a um orçamento que seja viável de produzir", analisou. "Ainda assim, resolvemos fazer 'A Mulher ao Lado' com R$ 5 milhões. A gente queria se testar, até porque estávamos vindo de projetos muito grandes. Quando você participa de um edital, a expectativa é que você consiga realizar com a verba do edital. Então entramos nesse jogo. É esse o orçamento que temos? Então é com esse orçamento que vamos produzir. Honestamente, acho que não faltou nada. Mas é um projeto que tem características do seu orçamento: somente duas ou três locações, equipe e elenco não muito grandes. O projeto se encaixou no seu orçamento".
Mas apesar do desafio, sua visão diante do resultado é positiva: "Tenho muita expectativa que tenha dado certo e muita confiança nos profissionais envolvidos. Isso é muito importante. Não é só renovar parcerias, mas abrir novas portas de parceria", ressaltou. Com Barbara Paz, por exemplo, Rosemback já tinha trabalhado recentemente com o documentário "Rua do Pescador, nº 6", que esteve na última edição do É Tudo Verdade, do qual a Moovie é coprodutora. "A mosca do documentário 'picou a gente'. Agora colocamos definitivamente esse corredor como possibilidade de produção. Vamos trabalhar com séries, filmes e documentários, tanto longas quanto seriados. E queremos fazer bons documentários para serem vistos. Pensar em janelas de distribuição".
Interesse crescente no documentário
"Guga por Kuerten", documentário da Moovie sobre a trajetória do tenista Gustavo Kuerten lançado no Disney+ em setembro do ano passado e disponível na íntegra na plataforma, foi o projeto que abriu os olhos da produtora para os documentários. "Ele foi super assistido e trouxe um pouco mais dessa possibilidade para nós. Temos outro documentário, ainda em fase de investimentos, sobre o São Paulo Futebol Clube. Mas é muito desafiador conseguir investimentos para um projeto documental de esportes", afirmou Rosemback – o que é curioso de certa forma, uma vez que esporte, pelo menos em termos de direitos de transmissão, é a grande bola da vez dos canais e plataformas.
A Moovie ainda trabalha em outros dois roteiros de documentários – um ligado a resgates e um outro fruto de uma parceria de coprodução recém-fechada com o The Innocence Project Brasil. "Não está exatamente na linha de true crime, mas fala muito de injustiça, de pessoas presas injustamente. São histórias que merecem ser contadas. Com o acordo que assinamos com eles, teremos acesso a milhares de casos, inclusive internacionais, para eleger alguns para retratar. Será desafiador para nós. Depois que dirigi parte do doc do Guga, fiquei muito interessado em documentário, especialmente na imprevisibilidade desse tipo de produção. E esse projeto tem muito a ver com a natureza da produtora, que é contar histórias humanas".
A iminente regulamentação do streaming
Rosemback, que falou das atuais possibilidades de modelos de negócio e composição de orçamento das produções audiovisuais, também discorreu sobre um futuro onde teremos o streaming regulado no Brasil. "Isso trará um novo momento para o mercado, em que teremos as plataformas atuando de forma mais igualitária e as produtoras olhando para suas prateleiras de produtos. Ao produzir muitas obras para as plataformas, as empresas ficam sem produtos proprietários. No longo prazo posso estar errado, mas hoje acredito que o ideal seria, para uma produtora independente, ter uma ou duas produções com continuações, como séries ou filmes, onde você garante uma sequência – e o mercado nesse ponto ajuda muito, a introdução das plataformas trouxe essa possibilidade. Tínhamos isso no cinema, mas muito mais limitado. E, do outro lado, um corredor aberto de inovações, pensando por exemplo nos documentários, que é o que estamos fazendo. Eles são extremamente consumidos hoje em dia e nós não tínhamos esse caminho aberto antes".