Exibidores criticam falta de apoio na reabertura dos cinemas e alertam para salas vazias pelos próximos meses

No segundo dia do IV Fórum da Mostra – parte da programação da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – realizado nesta quinta-feira, 29 de outubro, os exibidores André Sturm, do Cine Belas Artes; Adhemar de Oliveira, do Itaú Cinemas; e Jean-Thomas Bernardini, do Reserva Cultural, se reuníram virtualmente para falar sobre a volta às salas na cidade de São Paulo após sete meses de portas fechadas. O posicionamento dos três diante da situação enfrentada é unânime: faltou uma coordenação de âmbito nacional nesse processo de reabertura, bem como o apoio do poder público assim que a crise se estabeleceu. Agora, as perspectivas – pelo menos no que diz respeito aos próximos meses – não são muito positivas.

André Sturm reforça que o cinema foi um dos setores que mais sofreram no contexto da pandemia, já que fecharam totalmente as portas e não tiveram alternativas de funcionamento – ao contrário dos restaurantes, por exemplo, que puderam trabalhar com delivery. Além disso, trata-se de um negócio caro, que possui muita mão de obra contratada, custos de manutenção fixos e aluguéis altos. A criação do Belas Artes Drive-In durante o período foi uma alternativa fundamental para ocupar a equipe e ter alguma receita. No entanto, Sturm critica a atuação da Prefeitura em relação ao setor durante a pandemia. "Quando divulgaram aquele mapa de reabertura dos estabelecimentos divididos por cores e fases, as salas de cinema nem estavam na lista, ou seja, não existia uma previsão. O Sindicato e os exibidores precisaram ir até o Governador do Estado pressionar por uma posição. No final de junho, colocaram a abertura dos cinemas na fase amarela, o que significava que, em 27 de julho, poderíamos reabrir. Nos programamos para isso e, repentinamente, as coisas mudaram. Falaram que a reabertura ficaria para a fase verde, ou seja, em outubro, como de fato aconteceu. Eu considero tudo isso muito grave. Todas as atividades comerciais de São Paulo estavam abertas – manicure, academia, banco, supermercado. Isso passou uma impressão para a sociedade de que cinema é mais perigoso do que qualquer outra coisa. Agora que reabrimos, é claro que a frequência será baixa. Teremos que fazer um esforço enorme para reverter essa impressão.Esse prejuízo será levado por meses. Acho difícil voltarmos a ter público expressivo até o fim do ano", lamenta.

O executivo afirma que técnicos especialistas garantem que ir ao cinema é seguro. Afinal, o ar condicionado é trocado constantemente, a sala é limpa com frequência, as pessoas usam a máscara o tempo inteiro e não ficam de frente umas para as outras, além de manterem distanciamento social – ao contrário do que acontece em muitas outras atividades. Nesse sentido, Sturm ainda acrescenta: "A sala de cinema tem uma função quase que civilizatória. Ela tem esse papel de aproximar as pessoas – algo que, infelizmente, nos últimos anos, com a voracidade das mídias sociais e o consumo nos celulares, tem se perdido um pouco. A radicalização dos dias de hoje tem muito a ver com a falta de convivência. Quando se convive mais, se briga menos". E falando nas expectativas para a reabertura, ele ainda parabeniza a distribuidora Warner, que está lançando nos cinemas "Tenet", de Christopher Nolan. "É uma distribuidora que está do lado da exibição. E esse é um filme que funciona no multiplex e nas nossas salas também, por isso apostamos muito nele. É um gesto importante do diretor também – claro que a receita será menor, e ele provavelmente concordou com isso", completa.

À frente do Espaço Itaú de Cinemas, Adhemar de Oliveira concorda com Sturm no que diz respeito à desorganização da reabertura: "Os embates nas cidades foram agravados por uma falta de coordenação nacional, com cada prefeito tomando suas próprias decisões. Aconteceram coisas que fogem à racionalidade. Mas isso é o de menos. O pior é a sensação de dúvida em relação ao hoje e ao que está por vir. Eu comecei a pandemia achando que em três meses estaríamos abrindo novamente. Mas vejo a Europa nessa segunda onda agora, então não sei o que esperar. Vejo com enorme desconfiança essa reabertura".

A má impressão que a sociedade está tendo em relação à reabertura dos cinemas mencionada por Sturm também é motivo de preocupação para Jean-Thomas Bernardini, do Reserva Cultural, que está abrindo seu complexo em Niterói nesta quinta, 29. "É um momento muito estressante, que cria insegurança. Quando anunciamos que abriríamos o Reserva, recebemos tantas críticas… Nos chamaram de terroristas. E essas coisas negativas têm muito mais alcance. Isso é preocupante. O retorno dos cinemas que já abriram é muito inferior ao esperado – e imagino que será assim por bastante tempo. Vamos sofrer muito e vai demorar pra resolver", analisa. Bernardini relata que as ocupações dos cinemas têm sido de 4 a 5% e reflete: "É um trabalho heróico o que estamos fazendo. O cinema, pra mim, é muito mais seguro do que a maioria das coisas que hoje estão abertas. Espero que o futuro não seja cada um sozinho, olhando para o seu celular. Não é da natureza humana. Mas essa natureza pode mudar. De qualquer jeito, faremos nossa parte".

Conteúdo na tela

"Todos os distribuidores têm filme, isso não falta. Mas quem vai se arriscar a lançar agora quando as pessoas não estão indo aos cinemas? Eu, que tenho distribuidora, também tenho medo. É difícil. Filme não é que nem produto de loja. Se não vende ingresso nos primeiros dias, não pode deixar pra depois. Sai de cartaz", comenta Sturm. "Precisamos do apoio das pessoas e da imprensa nessa reabertura. Senão, não vai funcionar", completa. Já Bernardini, que também fala como distribuidor, diz que vai lançar filmes agora, sim, e ainda enfatiza como o momento atual seria uma oportunidade para o cinema independente crescer, sendo exibido também pelas grandes redes.

Oliveira sente que houve uma desorganização da carteira dos distribuidores diante das datas – causada especialmente pela indefinição da reabertura, que foi adiada por mais de uma vez. Sobre o conteúdo em si, ele afirma que tem salas que preferem seguir fechadas do que lanças produtos alternativos. "O que estamos vendo no Japão e na China é que o produto nacional de grande porte ocupou os espaços com inteligência (nos países, os filmes nacionais têm batido recordes de bilheteria). Aqui, a desorganização na questão da produção nacional pode interferir negativamente na colocação dos filmes para ocupar esse vácuo", compara. "É claro que o produtor é seduzido por ofertas de lucro imediato, como streaming. Mas se todos os grandes executivos fizerem isso, a política da sala de exibição estará ferida. Ninguém nega o streaming, mas a forma de existência de uma sala é ter um produto único. Estamos sofrendo com a possibilidade de isso se quebrar. Muitos produtos já foram direto pro streaming por razões econômicas – mas é isso que vai determinar o futuro das salas de cinema. Se a gente não tiver exclusividade de produtos, não mantém o negócio. Filmes atrativos em cartaz no cinema também ajudariam a vencer esse medo da população", acrescenta.

Sturm retorna à discussão e afirma que China, Japão e Coréia são bons exemplos de retomada do cinema com produto nacional porque foram retomadas organizadas nacionalmente – e que isso faz muita diferença. "Essa falta de centralização do planejamento de retomada do circuito exibidor no Brasil deixa tudo muito instável. Entendo as distribuidoras brasileiras não quererem lançar nesse esquema. Precisamos de campanhas para comunicar que o cinema é seguro. E a propaganda mais importante é a de quem está indo e aprovando a experiência", sugere. Nesse sentido, Oliveira complementa: "Precisamos organizar o nosso meio, ter uma força sindical da exibição. Foi isso que ajudou os outros setores que reabriram antes. Falta uma estrutura de organização – esse é um dos nossos principais aprendizados".

Apoio do poder público

Os especialistas divergem um pouco nessa questão. Enquanto Sturm defende as linhas de financiamento criadas pelo Governo Federal e pelo Governo do Estado, por meio da Desenvolve SP, Bernardini afirma que o apoio do poder público foi "zero". O executivo do Reserva Cultural alega que gostaria de ter tido um apoio assim como o que foi oferecido nos Estados Unidos, onde o dinheiro foi dado, e não emprestado, afinal não há como saber se terá como pagar depois – ao que Sturm rebate: "Eu, como empresário, não quero dinheiro dado do Governo. Quero crédito que eu tenha capacidade de pagar depois. E vale dizer que a Prefeitura não moveu uma palha para nos ajudar. Ficamos pagando IPTU com os cinemas fechados. Faltou apoio por parte deles na cidade de São Paulo".

No entanto, todos concordam que a Ancine, apesar de ter tentado, não trabalhou com a agilidade necessária. "A Ancine prometeu, mas nenhum dinheiro saiu ainda. Tem salas que fecharam esperando esse dinheiro chegar. Os dossiês deles, por exemplo, são difíceis de preencher", critica Bernardini. Oliveira concorda: "Quando a pandemia começou nos Estados Unidos, por exemplo, a colocação de apoio já previa o tempo de fechamento. Aqui, o programa funciona num sistema de 'médico em cemitério', com respostas lentas para situações dramáticas. Há um problema de timing. Não houve agilidade".

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