Tiago Mafra, da Ancine, reflete sobre o papel da Agência e faz mea culpa do trato à diversidade

Tiago Mafra, da Ancine, ao centro (Foto: Tarcisio Boquady)

O ex-diretor da Ancine, Tiago Mafra do Santos, que é o atual secretário de regulação da Agência, participou nesta terça-feira, dia 29 de outubro, do Seminário Economia Audiovisual e Interseccionalidades, em São Paulo. O evento, que promove painéis e reuniões de grupos de trabalho durante três dias, é uma das fases criadas pela Secretaria do Audiovisual (SAV) para pensar a formação do novo Plano de Diretrizes e Metas (PDM) do Audiovisual Brasileiro (2025-2034).

Em sua fala, Mafra fez uma mea culpa do trato que a Ancine deu para questões relacionadas à inclusão e diversidade nos últimos anos. "Quando você sai da direção, começa a avaliar dados, números, pensar o que faltou, o que poderia fazer melhor", disse o ex-diretor, pensando especialmente na mesa que antecedeu o painel do qual ele participou e que reuniu associações e entidades de grupos historicamente sub-representados, como lideranças indígenas, mulheres, pessoas negras, trans e com deficiência. "Mas é a hora da sociedade fazer isso também, não só nós. Precisamos de uma reestruturação completa de estado. Não é só o audiovisual que carece de acesso e fornecimento de condições iguais. É um defeito estatal, um problema de base. De qualquer forma, nos enche de esperança a realização dessas mesas, já que estamos no contexto do PDM. É hora de identificar consensos daquilo que devemos trabalhar para construção de um audiovisual diverso e conciso", declarou. 

Na mesa anterior, Tatiana Costa, que preside a APAN – Associação de Profissionais do Audiovisual Negro, pontuou que é positivo olhar para o audiovisual como indústria, mas que é importante lembrar que a construção de indústria no país se deu muito a partir da escravização e da importação de profissionais brancos em detrimento das pessoas negras que já estavam aqui. "A indústria é perversa no que tange ao acesso dos grupos vulneráveis", concordou Mafra. "É uma situação trágica. Se fizermos um recorte de gênero e raça e sobre demais grupos sub-representados nas equipes técnicas, os dados são ainda piores. A diferença de remuneração é mais acentuada nos níveis mais baixos de escolaridade. Também é um grande desafio para nós". 

O secretário afirmou que resolver essas questões de inclusão envolve, antes de tudo, construir uma boa base de dados, a fim de diagnosticar e identificar quais são os principais gargalos: "Temos feito um trabalho contínuo de fornecimento de dados e, principalmente, de abertura. Antes, consolidávamos esses dados em documentos anuais. Agora, temos relatórios mais contínuos, compartilhados com o setor, o que favorece esse constante exercício de reflexão para a construção de políticas públicas".

Diferentes contextos de desafios e oportunidades

Em sua reflexão, ele relembra o contexto de realização do PDM anterior, em 2010, que era muito diferente. Mafra citou algumas características importantes da época: o sucesso e o fracasso era compartilhado entra janelas, a TV aberta estava consolidada, a TV paga em expansão, iniciava-se ali a era das selfies, com os primeiros celulares com câmera frontal, e o YouTube dava seus primeiros passos. "Era um cenário totalmente distinto no sentido de desafios, dinamismo e mudanças", pontuou. "Hoje, temos uma relação não-dependente entre janelas, o sucesso de uma pode ser o fracasso da outra, e vice-versa. Além disso, o YouTube é muito consumido, e todos assistem a vídeos de baixa minutagem no celular. Esse, aliás, é outro problema que não podemos descuidar no sentido de manter a produção ativa e organizada. Não podemos perder as novas gerações pra essa preguiça de ver conteúdos mais longos". 

Por outro lado, o secretário enxerga oportunidades, como a TV aberta, que ainda é muito relevante, indo para a TV 3.0. "A TV tem uma importância inclusive na divulgação de conteúdos de cinema e TV paga. Ali, filmes de maior potencial se originam, e conteúdos já datados fazem enorme sucesso. Isso acontece também no VoD. Ele tem seus defeitos, claro – está danificando o faturamento de outra janela de exibição, por exemplo – mas traz um potencial de alcance internacional nunca antes visto e escoa a produção"

Reflexão sobre o papel da Ancine

De modo geral, Mafra acredita que a Ancine tem hoje um papel adequado no tratamento dos desafios impostos. "Ela já teve muito mais o papel de formuladora de políticas. Nós sentíamos isso. A secretária Joelma tem sido muito parceira da Ancine no diálogo e construção de políticas. Antes, havia um descolamento da Ancine. E não tem a ver com processo de transição ou novo governo – e sim da falta de entendimento do que é a Ancine. A Agência sempre se isolou. Tem uma justificativa histórica, mas quando chegamos nesse momento atual, com a qualificação desses ambientes, como o Conselho Superior de Cinema e o Comitê Gestor do FSA, além da reestruturação com MinCe o trabalho da SAV, a própria Ancine se organizou. Foram anos difíceis, mas ela se manteve no seu dia a dia, trabalhando, e é por isso que conseguimos estar aqui hoje falando do futuro, e não somente de reconstrução estrutural". 

O secretário ressaltou que a função da Agência é ser qualificadora do debate e assessora técnica, mas não formuladora de políticas – o que cabe ao MinC, à presidência e demais agentes do Estado. "Nosso papel é trazer evidências, dados, exercícios regulatórios de resultados e experiências internacionais para melhoria do debate", definiu. "O PDM calcado nessa modelagem que estamos aqui poderá ser indutor da formação de uma indústria inclusiva, diversa e potente, tanto do ponto de vista dos aspectos artísticos quanto mercadológicos. A indústria não pode ser perder nesses aspectos transversais", concluiu.

 

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