O produtor Marcus Ligocki Jr., conhecido pelos filmes "Uma Loucura de Mulher" (2016) e "Rock Brasília – Era de Ouro" (2011) faz sua estreia como curador do Festival de Brasília na 52ª edição do evento, realizada um ano no qual a maioria dos festivais de cinema do Brasil passaram por alterações ou sofreram com perda de apoio e patrocínio. "O Festival deste ano é diferente. Passamos por uma mudança de governo que veio acompanhada de uma mudança de olhar e de preconceitos claros com a atividade audiovisual, com a indefinição até agora do Fundo Setorial, por exemplo. Muitos apoiadores ficaram inseguros e o cenário se mostrou mais desafiante. Mas pela estrutura, pela história e pela relação com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, foi possível realizá-lo mesmo com enormes desafios financeiros", declarou, em entrevista exclusiva para TELA VIVA.
Para o estreante curador, os acontecimentos políticos trouxeram motivação e um desejo de trazer as discussões à tona, ajudando a mostrar o que é a produção nacional e debatendo o futuro. "O pensamento foi ampliar e fortalecer o Festival, chegando ao público de forma mais potente e discutindo todas as possibilidades", conta. "Nos últimos três anos, havia uma tendência de tornar mais fechada a curadoria do Festival. Em 2019, optamos por abrir mais o olhar. Queríamos que a programação fosse representativa do que é a produção nacional hoje, com foco no realizador e suas demandas específicas. Quando assistimos a todos os filmes inscritos, entendemos como o Brasil está produzindo. Vimos, principalmente, muita coprodução entre estados e gêneros muito diferentes. Isso precisava estar expresso na seleção. Fortalecemos ainda um viés subalternizado, que fala das pessoas à margem dos privilégios que estão estabelecidos hoje na sociedade brasileira", completa.
Além da Mostra Competitiva, que exibe curtas e longas, e do Festivalzinho, voltado à produção para crianças, o Festival de Brasília contempla ainda diversas mostras paralelas, criadas a partir das obras inscritas pelos realizadores. "Decidimos que todos os discursos latentes – do movimento negro, das mulheres, da diversidade sexual – estariam presentes, e por isso criamos a Mostra Vozes. Também reunimos as tendências narrativas que surgiram com mais potência na Mostra Novos Realizadores. Na Mostra Guerrilha, demos espaço a quem tem paixão por fazer cinema, não possui tanto acesso aos recursos e produz filmes de gênero", explica Ligocki. "Além disso, recebemos produções do país inteiro. A Mostra Território Brasil surgiu porque percebemos que o Brasil mudou. São filmes de 18 estados diferentes, com valor de produção potente e maturidade narrativa. Queríamos exibir isso, sublinhando que o país é diverso e que é importante para a formação da sociedade que a gente olhe para ele dessa maneira", pontua.
Neste ano, o Festival promoveu ainda a terceira edição do Ambiente de Mercado, cuja programação contempla painéis, aulas abertas, workshops, clínicas, rodadas de negócios e conversas com players. "O Ambiente de Mercado é fundamental para que esse processo de integração nacional siga e se fortaleça. Os financiadores, exibidores e diretores ainda estão concentrados no eixo Rio-São Paulo. Trazer um espaço para negócios para Brasília é necessário para construção de pontes e relacionamentos", avalia o curador.
Por fim, Ligocki discorre sobre o futuro do audiovisual no Brasil: "Quem faz cinema é gente que acredita. Quando comecei a trabalhar com isso, eu tinha esse desejo, esse anseio. Na época, o Brasil fazia um filme por ano. Mas o mercado foi se construindo e se fortaleceu. Estamos preocupados e contrariados diante de uma mudança tão radical, da falta de atenção para o setor e do prejuízo gigantesco que já vem se impondo para o próximo ano. Mas seguimos acreditando na possibilidade de reversão".