Nesta sexta, 30, o roteirista e produtor Chris Brancato participou do painel "Construindo Anti-Heróis" no Rio2C, evento que reúne profissionais do audiovisual no Rio de Janeiro. Brancato, conhecido por seu trabalho em produções como "Narcos", "Godfather of Harlem" e "Hotel Cocaine", discutiu o processo de desenvolvimento de narrativas centradas em figuras ambíguas e as particularidades de retratar personagens históricos e eventos reais.
Durante a conversa, mediada por Alice Gomes, Brancato explicou sua abordagem para equilibrar autenticidade e liberdade criativa. "Eu escrevo ficção histórica, o que quer dizer que é baseada na verdade de personagens sobre os quais ouvimos falar, talvez não saibamos muito sobre", afirmou. Ele ressaltou que o objetivo é utilizar a pesquisa como base para, através da arte do roteirista, "retratar os personagens de uma forma que diga algo sobre o período em que estamos operando ou sobre seus personagens". "Nós somos a mentira que conta a verdade", complementou, indicando a dose de ficcionalização necessária para tornar a história "divertida, informativa e que faça o público sentir algo".
Ao abordar a criação de anti-heróis como Pablo Escobar ou Bumpy Johnson, Brancato destacou a importância da dimensionalidade. Ele mencionou sua técnica de pensar em personagens com "quatro cantos, como um diamante", onde um desses cantos deve expor uma vulnerabilidade ou um lado mais suave, algo com que o público possa se relacionar, mesmo em figuras brutais. Para Brancato, o interesse por anti-heróis reside no fato de que "apresentam personagens que fazem coisas que nós normalmente não faríamos". Ele acredita que a televisão se tornou mais expansiva, permitindo explorar personagens que fogem do padrão heroico tradicional. "Todo mundo adora assistir a um bom vilão e, especialmente, se esse vilão é caracterizado de uma forma que eles têm traços relacionáveis com os quais podemos nos identificar", disse.
Questionado sobre a responsabilidade de retratar figuras reais, como Malcolm X em "Godfather of Harlem", Brancato enfatizou o compromisso com o "espírito" do personagem, utilizando discursos reais em muitos dos diálogos. A série, segundo ele, explora "a colisão do crime organizado e dos direitos civis nos Estados Unidos", onde a criminalidade pode surgir como um meio para populações marginalizadas buscarem ascensão.
Sobre as mudanças na indústria com o advento do streaming, Brancato minimizou o impacto na essência da contação de histórias. "Não mudou muito, o que quer dizer que uma história é uma boa história ou é uma má história", pontuou. Para ele, os requisitos fundamentais permanecem os mesmos, independentemente da plataforma: "A história tem que envolver o espectador. Os personagens têm que embarcar em uma jornada que estamos dispostos a seguir. A história precisa ter começo, meio e fim que faça você querer assistir ao próximo episódio". Embora admita que os serviços de streaming permitiram "usar palavrões, matar pessoas de forma mais violenta", a função narrativa central se mantém.
Brancato também compartilhou percepções sobre o mercado atual, descrevendo-o como "extremamente difícil" para emplacar novas séries nos Estados Unidos, com menos produções e vagas disponíveis. Ele aconselhou os roteiristas a desenvolverem múltiplos projetos simultaneamente. "Vamos ter 10 projetos porque provavelmente apenas um deles vai ser feito", exemplificou. Ao refletir sobre sua carreira, mencionou um arrependimento ao não aproveitar uma oportunidade de produção por achar o prazo curto, aconselhando os criadores a "pegar o dinheiro deles e ir fazer, porque você sempre pode consertar mais tarde". Para se destacar, sugeriu buscar originalidade ao "colocar duas coisas em uma frase que não pertencem uma à outra", citando como exemplo a premissa de "Godfather of Harlem" como uma série de gângster que também aborda direitos civis.
A experiência de filmar "Narcos" na Colômbia e trabalhar com talentos internacionais também foi abordada. Brancato reconheceu uma visão inicialmente "gringocêntrica" e como a exposição a produções globais ampliou sua perspectiva sobre a qualidade e diversidade de talentos ao redor do mundo. "O leque de talentos se expande para o mundo inteiro", concluiu.