O SBT passa por um momento importante da sua história pós-gestão Silvio Santos. Daniela Beyruti, atualmente CEO do canal, assume o desafio de manter o legado do pai, profundamente enraizado na cultura da emissora, enquanto busca inovar e reposicionar a empresa no mercado brasileiro. Nesta quinta-feira, 29 de maio, ela concedeu uma entrevista ao jornalista e apresentador da emissora, Cesar Filho, no palco do Rio2C, na qual falou sobre seus próximos passos.
O SBT anunciou recentemente uma nova grade de programação. Essas mudanças de grade, inclusive, eram muito comuns na gestão de Silvio Santos, e Beyruti assumiu que também tem esse lado. "Tenho semelhanças boas e ruins com ele. Sou menos ansiosa em relação à mudança de grade. Ele era muito. Eu também sou, mas tento me controlar porque sei como isso afeta não só a emissora, como também os telespectadores. Sempre que temos vontade de mudar a grade é para poder atender melhor ao público, nunca para frustrá-lo. Se a audiência não está indo de acordo com o que esperamos, entendemos que não estamos agradando tanto, e aí queremos melhorar", justificou.
A CEO disse que, para continuar o legado do pai, tem em mente sempre manter a essência do SBT, mesmo diante dos tempos atuais e das necessidades de mudanças e evoluções impostos pelo mercado. "A gente herdou algo grande que ele construiu. O caminho mais difícil já foi feito. Nossa responsabilidade é manter. Temos, sim, a responsabilidade de nos atualizarmos, mas mantendo a essência. O que temos, e que ele construiu com o público, é um verdadeiro elo afetivo. O SBT é parte da família das pessoas. Sempre tivemos um relacionamento mais íntimo com os nossos telespectadores. O SBT remete a coisas boas para as pessoas. Temos uma grande comunidade que gosta de nós e torce pelo canal".
Volta às origens
Foi justamente essa busca pela essência do SBT que impulsionou a mais recente mudança na programação. "Eu não estava mais vendo o SBT no SBT", confessou a executiva. "Quero trazer de volta o SBT 'raiz'. Estava sentindo falta da alegria e da espontaneidade. Assistindo à grade como estava, percebi que, se a pessoa não tem acesso a mais nada além da TV aberta, ela só tinha coisa pesada para assistir. Notícia de assassinato, atropelamento. Isso não agrega. Nós temos programas nessa linha, inclusive vamos voltar com o 'Aqui Agora', mas é diferente. O SBT tinha que voltar a ser o SBT", reforçou, exemplificando que, em sua visão, um dos traços característicos da emissora e que precisava estar de volta é a programação infantil, que na nova fase do canal volta a ter uma faixa fixa diária.
"Vivemos em tempos modernos, de redes sociais, YouTube e streaming. Mas estamos no Brasil. Nossa realidade é que existem pessoas no interior, no sertão, espalhadas pelo país inteiro que não têm acesso à banda larga, não consegue ver tudo o que querem, como querem, quando querem. É obrigação da TV aberta ter programação para todas as idades e classes sociais. Um dos seus maiores propósitos é esse: ser acessível a todos", defendeu a diretora, que revelou que demorou para ter coragem de "peitar" essa decisão de retornar com a programação para as crianças, no ar de segunda a sábado. "Precisamos continuar construindo esse elo com as famílias", enfatizou.
Importância do conteúdo infantil
Beyruti salientou que estava sentindo falta de conteúdo infantil na TV aberta. "Acho que demos nossas crianças para o digital de bandeja. E bem na época da pandemia. Temos de lembrar que a TV aberta é regulada, temos órgãos e regras que precisamos respeitar. O YouTube, por exemplo, não. Não temos noção de tudo que as nossas crianças assistem online. É uma responsabilidade nossa. Além de fazer parte do DNA, é sobre prestação de serviço".
Presença digital
Falando novamente do cenário multiplataforma, a executiva ressaltou que o SBT tem essa mentalidade – é dele, por exemplo, o título de maior canal de emissora de TV do mundo no YouTube, e o +SBT segue entre os aplicativos de streaming mais baixados desde o seu lançamento, em agosto de 2024. "A TV aberta ainda é uma realidade na vida das pessoas, mas o digital também. Quero que o SBT esteja no máximo de lugares possível, sendo assistido pelo maior número de pessoas, do jeito que elas quiserem", disse. "Mas eu acho muito legal quando sei que as pessoas assistiram a determinado programa nosso juntas, na TV. Hoje, fica cada um no seu celular, isolado. Gosto que sejamos o encontro da família. E sei do valor da TV aberta. Quando você liga, sabe que tem toda uma programação pensada para você. Não precisa ficar pensando no que assistir. Tem confiabilidade e credibilidade. A notícia que você vê lá, por exemplo, foi bem apurada. No digital, nem sempre é assim".
O consumo no +SBT tem sido monitorado pela empresa desde o início. Para além de acompanhar o número de downloads, eles se preocuparam em analisar o que as pessoas estavam assistindo na plataforma – entre os destaques, além da programação ao vivo, sempre figuraram novelas, conteúdo infantil e históricos, como os programas do Gugu e da Hebe. "Tem coisas que estão disponíveis lá e que nunca nem foram acessadas. Então vamos focar em dar mais do que o público que está consumindo quer. Vamos expandir o catálogo infantil, por exemplo. E com curadoria, nosso carimbo de qualidade", adiantou.
Parceria com as produtoras independentes
Na conversa, a executiva sinalizou ter percebido como o mercado está muito aberto a parcerias, e falou da relação da emissora com a produção independente, que ainda não é tão tradicional como é em outros canais, especialmente os da TV paga e a Globo também. "A produção independente e a TV aberta se complementam, uma depende da outra em vários sentidos. Temos dez estúdios no SBT e estamos liberando três deles para parcerias de coprodução. Queremos continuar produzindo bons conteúdos e queremos parceiros para isso. E mantendo nossa essência, claro". Falando em coproduções, ela adiantou que o canal prepara um dorama brasileiro, para além da nova faixa de exibição das produções coreanas já anunciada anteriormente.
Direitos esportivos
Ainda em relação a novas produções e conteúdo, Beyruti destacou o interesse do canal por direitos esportivos. "Eu gosto e quero ter, mas nem sempre conseguimos por conta da questão financeira. Hoje, por causa do dólar e do euro, eles estão caríssimos. E aprendi que, nesse segmento, você vai até onde a perna permite. Meu pai sempre contava sobre canais do passado que quebraram e me dizia para não decidir pela vaidade, e sim pensando na saúde da empresa. Não podemos dar passos maiores do que a perna. Não deixamos de fazer nossas ofertas. Às vezes a gente perde, e tudo bem", explicou, afirmando ainda que essa lógica vale para a contratação de grandes talentos também.
Possíveis novidades em reality show
Dentro dessa questão financeira, a CEO citou produtos que, na TV aberta, custam muito caro: novela, reality de confinamento e os já mencionados direitos de transmissão de esportes. Sobre reality show, ela confessou que, pessoalmente, não gosta tanto, especialmente por conta desse viés da exploração das pessoas confinadas. "Mas sei que a audiência gosta e o nosso comercial também é a favor de termos um produto do gênero. Entendo que talvez seja importante".
Ela contou ainda ter assistido "Ilhados com a Sogra", da Netflix, e achado o conteúdo a cara do SBT. "Eu fui atrás para exibirmos, mas a netflix não deixou. Eu não acho que tiraria a audiência da plataforma. E tem tudo a ver com a gente", pontuou, brincando que, se tivesse alguém da Netflix na plateia, ela gostaria que reconsiderassem o pedido. De qualquer forma, reality show está no radar do SBT. A diretora inclusive disse que a emissora "ensaiou" ter um ainda este ano, mas acabou não indo pra frente. Sobre novela, ela também quer produzir mais, e considera projetos para o público adulto também, indo além da tradição de novelas para o infantil e infanto-juvenil do canal.
Futuro: planos e desafios
Olhando para frente, Beyruti diz ter sonhos ambiciosos para o SBT – ela citou desde experiências em shopping até navio e parques temáticos. "Acho que tudo isso tem a nossa cara. E temos esse potencial de expansão de experiências". Para além disso, ela comentou o desafio de fazer um SBT para o futuro, expandindo para multiplataformas mas mantendo sua essência. E expandindo globalmente também. "Não somos mais produtores de conteúdo, e sim de patrimônio. Temos que pensar no conteúdo viajando o mundo, estando nas plataformas digitais e em todos os lugares. Todo o nosso conteúdo tem que ser pensado dessa maneira".
Por fim, ela trouxe um desafio mais pontual, que é a conexão da emissora com o público de 13 a 21 anos. "Temos poucos meios de contato com eles hoje. Tem o programa da Virginia, do Lucas Guimarães e do Danilo Gentili, que atraem em certa medida. Talvez voltar com o 'Programa Livre' seja uma estratégia, ou outra proposta de debate de assuntos que o jovem se interesse. Temos o desafio de ter um produto que atenda a essa faixa".