Márcio Tavares, secretário-executivo do Ministério da Cultura, participou de um painel no Rio2C nesta sexta-feira, 30 de maio, sobre Cash Rebate, promovido pelo Amazon Prime. Na ocasião, Tavares garantiu que a implementação de um programa de film commission a nível nacional, que garanta instrumentos de atração de incentivo como o cash rebate, é uma questão que está sendo tratada como agenda prioritária e uma entrega que a pasta deseja deixar até o fim de sua gestão, como um complemento ao sistema de fomento ao audiovisual brasileiro.
"Sabemos da importância dentro do ecossistema do audiovisual do desenvolvimento de uma film commission e demais programas que garantam esse tipo de desenvolvimento. O Brasil tem uma estrutura de fomento e incentivo à produção audiovisual que é muito significativa. Poucos países tem uma lei como a nossa. Estamos falando agora sobre uma camada adicional, que vai complementar todo esse ecossistema de fomento à produção regulatório que o Brasil já tem", afirmou. Em sua fala, o secretário lamentou os anos de discussão regulatória de políticas públicas que foram perdidos – "foi muito grave e teve um impacto muito grande" – e disse que os esforços têm sido divididos no governo para consolidar, em quatro anos, uma agenda pro audiovisual estratégica que tenha começo, meio e fim.
Um grupo de trabalho multidisciplinar e interministerial para tratar da questão foi estabelecido em março, e a pasta trabalha com o prazo de setembro deste ano. É um grupo robusto, com liderança do Ministério da Cultura e participação da Embratur; Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Ministério do Turismo; Ministério das Relações Exteriores; Ministério do Turismo; Ancine e Embratur – que, segundo o secretário, tem sido uma grande impulsionadora dessa agenda. Tavares detalhou que essa equipe tem desenvolvido um projeto para a implementação da film commission brasileira, com base em estudos e participação de membros convidados. Quem lidera o trabalho é a diretora Daniela Fernandes, da SAV, com o apoio da Ministra da Cultura e da Secretária do Audiovisual. "Queremos até o final do ano ter esse desenho para implementar em 2026. É uma das entregas de gestão que queremos deixar", garantiu.
A ideia do grupo interministerial parte do objetivo de definir atribuições específicas para diferentes espaços do governo dentro desse novo projeto – entendendo, por exemplo, quem irá operar os incentivos, as questões de hospitalidade e facilitação de locações e os serviços de atração internacional, entre outras iniciativas importantes. "Em paralelo, estamos trabalhando em infraestrutura. Passamos a investir mais nesse sentido para que, quando chegarmos no momento da implementação da film commission, tenhamos a infraestrutura adequada para receber, além de trabalhos de formação e capacitação, um agendamento significativo", acrescentou Tavares, citando como exemplo os novos estúdios da Quanta no Rio de Janeiro, que foram resultado de um financiamento da Prefeitura com o FSA.
Oportunidades perdidas
Steve Solot, presidente da Latin American Training Center (LATC), apresentou um estudo feito pela Olsberg SPI em agosto de 2024 no qual foi concluído que a introdução de um incentivo federal à produção audiovisual no Brasil pode gerar até US$ 1,03 bilhão (aproximadamente R$ 5,15 bilhões) em gastos diretos com produção em 2030. E, em sua visão, o caminho mais fácil para que o país comece a se destacar nesse sentido é justamente via implantação do mecanismo de cash rebate. "Ele não passa pelo sistema tributário do país. Mas temos que ter dinheiro em caixa para transmitir credibilidade para os investidores e produtores internacionais. Mostrar que vai funcionar", ressaltou.
Para ele, buscar inspiração em modelos de outros países faz sentido, mas que não se trata de fazer uma cópia. "Precisamos fazer uma adaptação à realidade brasileira. E é importante, acima de tudo, criar benefícios para o cinema e a indústria nacional embutidos nesse mecanismo. E isso não é difícil. Nesse sentido, temos a oportunidade fantástica de aprender com quem já fez – entender o que deu certo, o que deu errado e incorporar esses aprendizados num modelo próprio brasileiro. Não tem mistério", reforçou.
A partir de sua expertise global, o executivo contou que, no caso das produções internacionais, a tomada de decisão sobre onde filmar seu projeto depende de alguns fatores, especialmente do caráter da empresa. Quando se trata da maioria das produtoras pequenas, a escolha é simples: depende especificamente do incentivo de atração de filmagem do local. Se não tiver nenhum, ela não vai. Já no caso das majors e dos grandes estúdios, depende do roteiro. Se ele inclui o Pão de Açúcar, por exemplo, é provável que ela vá filmar no Rio de Janeiro. Mas não é uma garantia. "É importante deixarmos claro que o Brasil, em termos de políticas de atração de investimento, não está no mapa global. Os instrumentos que existem em São Paulo e no Rio de Janeiro são incentivos excelentes, mas ainda é muito pouco. Se a Amazon ou a Netflix querem filmar na Amazônia, não tem nada. Então elas vão para outro lugar onde as possibilidades são melhores".
Para reforçar esse ponto, Solot relembrou a época em que era presidente da Rio Film Commission e foi, ao lado de Sérgio Sá Leitão, para Los Angeles, porque viram o anúncio do filme "Velozes e Furiosos 5", cujo enredo se passava no Rio de Janeiro. "Fomos explicar que o Rio estava de braços abertos para receber a produção e ajudar nas filmagens. A primeira pergunta que nos fizeram foi sobre quais incentivos oferecíamos para a atração das filmagens. Naquele momento, não tínhamos nenhum. O que aconteceu no fim foi que eles vieram para cá, fizeram tomadas panorâmicas e foram para Porto Rico rodar o restante do filme – que tinha um orçamento de 80 milhões de dólares", contou, exemplificando assim o tipo de oportunidades que o país está perdendo.
Case colombiano
Falando em modelos de fora, o da Colômbia é um bom exemplo. O país teve seu sistema de incentivo implementado em 2012. Começou pequeno, com uma porcentagem de cash rebate, isto é, retorno de parte dos investimentos feitos nas produções cinematográficas no país. Mas logo eles chamaram a atenção dos grandes estúdios de fora e, a partir das boas experiências iniciais, o programa foi crescendo. Atualmente, a porcentagem do cash rebate no país é alta: 40%. "Tivemos bons resultados em vários pontos de vista, como aumento de emprego e formação de profissionais. E não é só ter o incentivo financeiro – precisa ter uma comissão responsável por informar sobre equipes técnicas e artísticas, manter programas de formação para treinar pessoas, auxiliar no apoio logístico e facilitar em assuntos migratórios, por exemplo. Entendemos que era necessário todo um ecossistema para entender, monitorar o funcionamento e, assim, constantemente melhorar", explicou Silvia Echeverri, diretora da Comisión Fílmica Colombiana.
Ela contou que, desde o primeiro momento, existe esse acompanhamento cuidadoso acerca dos impactos econômicos do programa. "Sempre que vamos receber uma produção, ela nos envia um descritivo dos gastos que terá no país. Fica nítido assim o resultado positivo que isso gera não só no setor audiovisual, mas em diversos outros, como o hoteleiro, aéreo, transporte… Sabemos exatamente quanto cada produção investe. Como passamos por vários governos, sempre podemos mostrar esse material. Às vezes, esse tipo de incentivo se confunde com outros incentivos culturais, que também têm impactos importantes. Mas esse, quando é ambicioso, impacta a economia como um todo – e conseguimos comprovar". Hoje, a Colômbia trabalha com os mecanismos de cash rebate e tax credit. E, neste ano, são cerca de 57 milhões de dólares de apoio às produções internacionais.
Solot é fã do modelo da Colômbia. No caso do Brasil, ele não acredita que o tax credit possa funcionar de imediato, porque precisa da reforma tributária. Mas o cash rebate, segundo o especialista, pode ser implementado pra ontem. "Não tem nenhum tipo de barreira", enfatizou. Ele também destacou essa política de avaliação contínua dos mecanismos de incentivo feita pelo país vizinho. "É um trabalho fantástico não só de promoção, mas também de organização de incentivos. Isso é muito importante porque há executivos que simplesmente não entendem o procedimento. A Colômbia já resolveu esse problema, tem um passo a passo e um funcionamento completamente transparente – e isso pode ser adaptado para qualquer país".
Mas a experiência colombiana prova que não se trata apenas de atrair filmes de outros países. As próprias produções locais podem se beneficiar desses mecanismos. As produtoras independentes podem apresentar seus projetos a parceiros de fora e, na hora de negociar o modelo de negócio e os orçamentos, apresentam os instrumentos de incentivo do país. O projeto "Pimpinero: Sangue e Gasolina" (2024), do Prime Video, com direção de Andrés Baiz, é um exemplo. "Dificilmente esse filme sairia só com incentivos nacionais e, ainda assim, não teria a visibilidade internacional que pode ter por conta da Amazon, que quis participar. Ou seja, funciona tanto para serviços de produção quanto para contarmos nossas próprias histórias com apoio dos incentivos e financiamentos do exterior", observou.
Echeverri avaliou que o primeiro passo nesse sentido o Brasil já deu, que é o fortalecimento do ecossistema audiovisual nacional. Agora, a próxima etapa é a implantação dos mecanismos de atração de produções internacionais. "O Brasil ganhou um Oscar. Tem estúdios, diversidade de locações, mão de obra, talentos, grandes ideias que podem ser financiadas pelo exterior, não só com recursos do Brasil. Vemos plataformas se interessando pelas suas histórias. Quando tem uma boa história somada aos incentivos de atração, aí a vantagem é ainda maior. O dia que o Brasil implementar essa política teremos que aumentar rapidamente a da Colômbia, senão todas as produções virão para cá", brincou.
Colaboração vinda de fora
John R. Holmes, diretor, produtor e pós-produtor de originais internacionais da Amazon MGM Studios/ Prime Video, também esteve presente no painel e salientou como a existência dessas políticas de incentivo às filmagens são determinantes para as empresas, que já rodaram no Brasil com o apoio dos mecanismos de São Paulo, onde fizeram o filme "Maníaco do Parque", e do Rio de Janeiro, onde filmaram a série "DOM". Para ele, a ampliação do modelo a nível nacional é urgente: "Tomamos decisões rápidas. O mercado é feroz. Os clientes querem agilidade, ver os programas sendo entregues rapidamente, e com boas experiências de produção. Por isso o Brasil precisa correr. Se ele entra nessa lista de países que oferecem cash rebate e anuncia uma taxa mais elevada, o colocaremos no mesmo grupo onde estão outros países que fazem o mesmo e que, se temos uma ideia, podemos modificá-la para filmar em um desses locais".
O diretor descreveu a experiência em São Paulo como bastante positiva. "Tem histórias que não podem ser filmadas em outros lugares que não seja onde elas realmente aconteceram. Em São Paulo, o incentivo foi maravilhoso. Era lá que a história poderia evoluir. Nós queremos ajudar a contar as histórias e a construir a indústria audiovisual dos outros países. Estamos animados para trabalhar junto com o Brasil nesse sentido", concluiu.